O setor suíço de matérias-primas e o impacto do virus Covid-19
A importância estratégica das matérias-primas e sua experiência em lidar com as flutuações de mercado têm ajudado empresas suíças de commodities a enfrentar a crise do coronavírus.
swissinfo.ch conversou com Florence Schurch, secretária-geral da Associação Suíça de Comércio e Navegação (STSALink externo, na sigla em inglês), para saber como o setor de comercialização de matérias-primas (commodities) está lidando com a crise e o que ela significa para a Suíça.
swissinfo.ch: Como você caracterizaria o impacto da crise do coronavírus sobre o comércio e a atividade de transporte marítimo na Suíça?
Florence Schurch: O surto global do vírus corona teve um impacto significativo na economia global. Tais impactos são inevitavelmente sentidos no comércio de commodities e na atividade de transporte marítimo, dada a natureza global das cadeias de fornecimento de insumos básicos. As medidas implementadas por diferentes países para conter a propagação do coronavírus afetaram o fluxo normal da cadeia de fornecimento. Contudo, o fluxo de bens está isento destas restrições de modo a não quebrar as cadeias de fornecimento. O transporte de mercadorias, portanto, permanece autorizado. Certos acordos e medidas específicas tomadas pelos países têm um impacto direto nas capacidades de carga, nas tarifas, na velocidade das operações de processamento, no tempo de entrega.
Todos os portos na origem e no destino estão atualmente em funcionamento, mas a atividade diminuiu consideravelmente, sendo que nenhum deles está operando em plena capacidade devido às restrições e limitações. Atrasos acontecerão, mas ainda assim a carga será desembargada.
swissinfo.ch: Como os comerciantes suíços de commodities e empresas de transporte marítimo estão se adaptando a esta crise global de saúde?
F.S.: A necessidade de que a cadeia de abastecimento continue operacional se torna cada vez mais evidente diante dessa incerteza global. É importante garantir que os países tenham estoques suficientes para cobrir suas necessidades diárias. Por exemplo, seguindo as políticas do governo suíço para garantir a manutenção das reservas federais de café e cacau, as empresas suíças de comércio de commodities trabalham em estreita colaboração com os torrefadores e fabricantes de chocolate para garantir o fornecimento desses bens de consumo essenciais para a Suíça.
Além disso, algumas empresas comerciais ativas em “insumos duros” (hard commodities), ou seja, recursos naturais que devem ser minerados ou extraídos como minérios e energia, estão agora participando dos esforços para produzir etanol, que pode ser utilizado em hospitais para desinfecção, e para se fazer gel desinfetante. Além disso, máscaras, seringas e luvas de plástico são produzidas usando insumos petroquímicos.
Às vezes, os comerciantes são retratados como pessoas más que ganham muito dinheiro às custas dos outros. Na realidade, hoje, eles estão trabalhando duro para garantir que todos possam continuar a viver da maneira mais normal possível, e continuem a beber café e a comer ananás ou kiwi todas as manhãs.
swissinfo.ch: Com que constrangimentos adicionais eles têm de lidar em termos de controles de fronteiras e burocracia? Algum comerciante de commodities está enfrentando desafios especiais?
F.S.: Bem, isso depende do país. Honduras implementou um bloqueio completo a partir de 19 de março, portanto, as empresas comerciais não podem comprar café ou cacau vindos de lá. Devido ao fechamento do país, a agricultura está num impasse. Parece que o Peru também está pensando em fazer uma quarentena de confinamento, mas, até hoje, eles ainda não decidiram.
Para as empresas petrolíferas, não se trata apenas do coronavírus, mas também da guerra do petróleo entre a Arábia Saudita, a Rússia e os EUA. Estas duas forças juntas fizeram com que o mercado respondesse de forma extraordinária. Tudo depende de saber se as empresas têm fluxo de caixa suficiente para comprar gás e petróleo quando o mercado está em baixa. Depende também delas terem ou não meios para estocá-lo. Hoje o barril está ao seu preço mais baixo dos últimos 17 anos. As empresas petrolíferas estão na linha de frente e o mercado é imprevisível, são estas as empresas que estão assumindo os maiores riscos nestas turbulências.
Se você pensar no dia-a-dia, as pessoas agora viajam menos e não há necessidade de combustível para aviões e menor demanda por combustível para carros e transportes públicos.
swissinfo.ch: Podemos esperar perdas de empregos neste setor?
F.S.: Já tive contato com negociantes de cacau, café, cereais, petróleo, gás e eletricidade. Os negócios têm desacelerado para todos. Eles ainda têm trabalho, mas é difícil dizer hoje o que vai acontecer no final da crise do coronavírus. Com certeza, não será uma boa coisa. É um choque, mas o setor está indo bem.
No entanto, nunca podemos ter a certeza de nada. Se a crise durar dois meses como na China, por exemplo, não sabemos como as pequenas empresas serão capazes de sobreviver. Depende de quão saudável a empresa era antes da crise. Entre os nossos mais de 180 membros, temos muitas empresas pequenas, não apenas grandes. Nas pequenas empresas, o fluxo de caixa é ainda mais difícil. Elas certamente precisarão recorrer aos diferentes planos de apoio econômico que o governo suíço oferece às pequenas e médias empresas (PMEs). Esperamos realmente que ninguém vá à falência, mas nunca se sabe.
swissinfo.ch: É provável que o setor de commodities contribua menos para o crescimento do PIB suíço em 2020?
F.S.: É difícil dizer. Com certeza, ele vai cair um pouco porque a atividade comercial está diminuindo e vai levar algum tempo para voltar ao normal. Se você pensar em turismo, ou restaurantes, hotéis e lojas, eles estão fechados por pelo menos um mês, talvez um pouco mais. A contribuição de cada setor para o PIB vai cair muito. Talvez a participação no PIB do setor de negócios em commodities dê um salto enorme por causa disso. Isso não significa que tenhamos aumentado o nosso volume de negócios. Significa apenas que os outros tiveram mais dificuldades do que nós.
O que é
A Associação Suíça de Comércio e Transporte Marítimo (STSALink externo) é a associação nacional que representa a atividade de comércio e transporte de mercadorias em toda a Suíça. Esta atividade econômica é uma das mais importantes da Suíça, representando aproximadamente 3,8% do PIB suíço e empregando cerca de 35 mil pessoas no país.
swissinfo.ch: Que políticas o governo suíço pode adotar para mitigar as consequências econômicas desta crise no que diz respeito ao setor das matérias-primas?
F.S.: Estes são de fato tempos perturbadores e difíceis. Entretanto, o setor de comércio de commodities e de transporte marítimo está acostumado a lidar com mercados turbulentos e permanecerá resiliente para cumprir seu papel econômico essencial. Para garantir que os impactos econômicos sejam bem gerenciados e para dar apoio à comunidade empresarial, as respostas das autoridades cantonais (estaduais) e federais suíças são cruciais.
A STSA considera que as medidas relacionadas à tributação podem tornar-se importantes para mitigar efetivamente os impactos econômicos e para apoiar as empresas a terem os fluxos de caixa necessários para seus negócios. O que realmente ajudaria na liquidez é a capacidade de adiar o pagamento do IVA (imposto sobre o valor agregado) e das contribuições para a previdência social e pensões dos funcionários.
Commodities
Estima-se que cerca de 500 empresas e cerca de 10 mil funcionários atuam no setor de insumos básicos na Suíça, que, além do comércio, compreende também o transporte, o financiamento de transações e os serviços de inspeção.
Em 2018, as receitas provenientes predominantemente do comércio de matérias-primas totalizaram 33 bilhões de francos suíço (US$ 34,1 bilhões) representando cerca de 4,8 por cento do PIB da Suíça. A Suíça é um dos mais importantes centros de comércio de commodities do mundo.
O crescimento do setor traz consigo responsabilidades adicionais em termos de, entre outras coisas, direitos humanos e proteção ambiental nos países exportadores de commodities, no combate à corrupção e em conexão com o fenômeno da “maldição da riqueza em recursos naturais” nos países em desenvolvimento.
Essas relações comerciais também podem envolver riscos para a reputação da Suíça, especialmente quando o comportamento de empresas lá sediadas é contrário às posições assumidas e apoiadas pelo país nas áreas de política de desenvolvimento, promoção da paz, direitos humanos e padrões sociais e ambientais.
Por isso, o governo federal adotou em 2015 uma série de diretrizes e o Plano de Ação 2015-2019Link externo sobre responsabilidade social empresarial (RSE). Eles determinam o que se espera das empresas em relação à sua conduta, bem como a posição da Suíça em relação à essa responsabilidade.
O governo espera que as empresas assumam a responsabilidade por todas as suas atividades no país e no exterior, de acordo com as normas e iniciativas de RSELink externo reconhecidas internacionalmente, inclusive as Diretrizes da OCDE para multinacionais.
Em janeiro de 2020, o governo aprovou o Plano Revisado de Ação de RSE 2020-2023. A fim de promover a responsabilidade social das empresas em nível empresarial, o governo apoia a elaboração e implementação de normas e iniciativas específicas para o setor do comércio de matérias-primas. Estas normas incluem também as diretrizes da OCDE visando a impedir que empresas contribuam para conflitos ou violações dos direitos humanos.
No futuro, haverá atenção redobrada ao diálogo entre as partes interessadas e ao monitoramento da implementação de instrumentos de RSE.
Fonte: Secretaria de Estado para Economia (SecoLink externo)
Adaptação: DvSperling
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