De Jung aos psicodélicos: uma linha do tempo das contribuições suíças à psiquiatria

Desde a síntese do LSD até a comercialização de antidepressivos, a Suíça desempenhou um papel fundamental na psiquiatria.
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Os transtornos mentais vêm sendo estudados desde que Hipócrates sugeriu, por volta de 400 a.C., que “quatro humores”, o sangue, a fleuma, a bile amarela e a bile negra influenciavam a personalidade humana. Na Idade Média, essas condições eram consideradas manifestações do demônio e tratadas com exorcismos, até que o médico suíço Paracelsus defendeu, no século 16, que esses distúrbios fossem tratados como doenças médicas.
Hoje, os médicos utilizam medicamentos como antidepressivos, psicoterapia, eletroconvulsoterapia e substâncias psicodélicas para tratar pacientes psiquiátricos. Esses são métodos e compostos com os quais a Suíça tem uma relação próxima.
Década de 1900
O neurologista austríaco Sigmund Freud estabelece-se como o pai da psicanálise, uma terapia baseada na fala que explora o inconsciente do paciente.

Alguns anos depois, seu ex-aluno, o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, rompe a amizade para desenvolver sua própria teoria, a psicologia analítica.
1908: O psiquiatra suíço Eugen Bleuler cunha o termo “esquizofrenia” e a separa de outros transtornos psicóticos.
1912: O MDMA (3,4-Metilenodioximetanfetamina) é sintetizado pela primeira vez pelo químico alemão Anton Köllisch para a farmacêutica Merck.
O composto foi inicialmente desenvolvidoLink externo para auxiliar na coagulação sanguínea, mas acabou sendo deixado de lado até ressurgir na segunda metade do século, principalmente em discotecas.
1921: O psiquiatra suíço Hermann Rorschach desenvolve um teste para avaliar a personalidade de uma pessoa com base na interpretação de manchas de tinta ambíguas.

Novembro de 1938: LSD é sintetizado em Basel
Como parte de uma pesquisa para desenvolver um estimulante respiratório a partir de um fungo que cresce no centeio e em outros grãos, o químico suíço Albert Hofmann sintetiza a dietilamida do ácido lisérgico (LSD) em um laboratório da Sandoz, em Basel. Os efeitos psicodélicos da substância só seriam descobertos mais tarde.
1935: A lobotomia, método controverso que corta conexões cerebrais cirurgicamente, é introduzida pelo português Egas Moniz para tratar esquizofrenia e depressão severa. Moniz recebe o Prêmio Nobel de Medicina em 1949 por essa invenção, hoje desacreditadaLink externo.
“Quando a ECT foi desenvolvida, quase não havia outros tratamentos em psiquiatria, portanto, para alguns pacientes, era um milagre poder tratá-los.”
Annette Brühl, médica-chefe e vice-diretora da clínica para adultos da Clínica Psiquiátrica da Universidade da Basiléia (UPK).
1938: Em abril, Ugo Cerletti inventa a eletroconvulsoterapia (ECT), um método de neuromodulação que usa eletricidade para alterar as conexões cerebrais. Cerca de um ano depois, o método é utilizado fora da Itália, no Psychiatrie-Zentrum Münsingen, em Berna, uma das primeiras aplicações no mundo.
“Quando a ECT foi desenvolvida, quase não havia outros tratamentos em psiquiatria, então, para alguns pacientes, era um milagre poder tratá-los de alguma forma”, diz Annette Brühl, médica-chefe e vice-diretora da clínica de adultos do Centro de Clínicas Psiquiátricas da Universidade de Basel (PUK).
19 de abril de 1943: O Dia da Bicicleta
Hofmann ingere LSD e faz a primeira viagem psicodélica do mundo ao pedalar de volta do laboratório para casa. Hoje, essa data é celebrada globalmente como o Dia da Bicicleta, em homenagem aos psicodélicos.
Década de 1950: O surgimento da psicofarmacologia

O movimento de uso de medicamentos para tratar transtornos mentais decola com a invenção da Clorpromazina para esquizofrenia. O primeiro antipsicótico foi criado na França em 1950 e comercializado na Europa sob o nome Largactil.
1952: Durante um teste para tratar tuberculose, médicos do Sea View Hospital, em Nova York, notam os efeitos estimulantes da Iproniazida, que se torna o primeiro antidepressivo da história. A substância bloqueava enzimas que decompõe a serotonina e a noradrenalina (moléculas produzidas por neurônios que regulam comportamento, humor e atenção).
1956: A empresa suíça Geigy (hoje parte da Novartis) testa a Imipramina para esquizofrenia, mas descobre que ela melhora o humor de pacientes com depressão. O medicamento, vendido como Tofranil, aumenta os níveis de serotonina e noradrenalina e se torna o antidepressivo mais popular até os anos 1990.
1958: Hofmann sintetiza a psilocibina a partir de um “cogumelo mágicoLink externo” mexicano.
Década de 1960: O psiquiatra australiano John Cade descobre que o lítio estabiliza o humor em pacientes com transtorno bipolar. Trinta anos depois, Kurt Cobain, vocalista da banda grunge Nirvana, canta “I’m so happy ‘cause today I found my friends, they’re in my head” em uma música nomeada em referência à droga (“Lithium”).
1962: A cetamina, um anestésico com efeito psicoativo, é sintetizada pelo químico americano Calvin Stevens, da Parke-Davis (hoje parte da Pfizer).
1962-1963: Descrições da ECT em livros (e depois filmes) como A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath, e Um Estranho no Ninho, de Ken Kesey, chocam o público e geram má publicidade para a terapia.
1963: A Roche lança o Valium, um medicamento para reduzir ansiedade
Baseado em benzodiazepínicos, que potencializam um neurotransmissor conhecido por reduzir a atividade cerebral, o remédio se torna o mais prescrito nos EUA nos anos 1970. A empresa americana Upjohn, que hoje faz parte da Pfizer,— lança um comprimido similar, o Xanax, em 1981.
Final dos anos 1960 e início dos 1970

A Sandoz para de vender LSD em 1965, mas um movimento contracultural liderado pelo psicólogo Timothy Leary promove seu uso recreativo. Em 1969, Richard Nixon é eleito presidente e declara guerra às drogas. As pesquisas com psicodélicos praticamente estagnam.
1985: A estimulação magnética transcraniana (TMS) é inventada pelo pesquisador médico britânico Anthony Barker.
O método utiliza um dispositivo semelhante a uma raquete que emite um campo magnético sobre a cabeça do paciente para modificar conexões cerebrais. A TMS vem sendo cada vez mais usada no mundo para depressão resistente a tratamento e outras condições, como transtorno obsessivo-compulsivo.

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Tratamentos com choques elétricos ressurgem como última esperança
Décadas de 1980-1990: Novos antidepressivos
São desenvolvidos medicamentos que bloqueiam a reabsorção de serotonina (ISRS) ou de serotonina e noradrenalina (IRSN), incluindo marcas como Prozac e Zoloft, das farmacêuticas americanas Eli Lilly e Pfizer. ISRS e IRSN ainda são os antidepressivos mais utilizados hoje.
Década de 1990: Avanços em neuroimagem, como a ressonância magnética, melhoram o entendimento da psiquiatria.
Década de 2010: Grandes farmacêuticas abandonamLink externo a neurociência
“O setor farmacêutico começou a abandonar cada vez mais a área de saúde mental, investindo em direções consideradas mais promissoras e lucrativas”, diz Anne Harrington, professora de História da Ciência na Universidade Harvard.
2011: A LeiLink externo federal sobre Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas é alterada em 2008 para autorizar o uso de psicodélicos em “pesquisa científica, desenvolvimento de medicamentos ou uso médico restrito”. Médicos podem solicitar autorização para tratar pacientes com LSD, MDMA, psilocibina e até heroína medicinal.
“O campo da ECT está começando a se livrar de ideias ruins e a ser substituído por uma nova geração mais aberta. Há incógnitas e suposições, mas a sociedade está mais disposta a experimentar essa terapia.”
Kevin Swierkosz-Lenart, chefe da unidade de psiquiatria intervencionista do Hospital Universitário de Lausanne (CHUV).
Década de 2010: ECT retorna após 50 anos
A terapia agora é realizada com anestesia geral, relaxantes musculares e oxigenação. “O campo da ECT está se livrando de más ideias e sendo renovado por uma geração mais aberta. Ainda há incógnitas, mas a sociedade está mais disposta a tentar essa terapia”, diz Kevin Swierkosz-Lenart, chefe da unidade de psiquiatria intervencionista do Hospital Universitário de Lausanne (CHUV).
2019: A empresa americana Johnson & Johnson comercializa uma forma de cetamina sob o nome Spravato para pacientes com depressão.
2022: O Hospital Universitário de Genebra oferece psicoterapia assistida por psicodélicos
“É importante não pensar que isso é apenas uma história de progresso e mente aberta. É também uma história de necessidade. E talvez de pensar fora da caixa, porque as abordagens que usamos por tanto tempo esgotaram-se”, diz Harrington.

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Em breve, terapias psicodélicas para todos?
Agosto de 2024: EUA rejeitam terapia assistida por MDMA
A Food and Drug Administration (FDA), que historicamente dita as regras para aprovações médicas no mundo, pedeLink externo que o grupo por trás da solicitação “estude mais a segurança e eficácia” da droga.
2025: Com muitos transtornos psiquiátricos ainda sem diagnóstico claro e um em cada três pacientes não respondendo a antidepressivos, o campo volta-se para a saúde mental digital, incluindoLink externo ferramentas assistidas por IA.
Edição: Virginie Mangin/gw
Adaptação: DvSperling

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