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Esforços corporativos para ampliar o acesso a medicamentos avançam lentamente

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A Access to Medicine Foundation vem avaliando os esforços para expandir o acesso a medicamentos pelas 20 maiores empresas farmacêuticas desde 2008. Copyright 2021 The Associated Press. All Rights Reserved.

A empresa suíça Novartis assume pela primeira vez a liderança do Índice de Acesso a Medicamentos, mas o avanço na disponibilização de medicamentos aos países mais pobres tem sido lento desde o final da pandemia de Covid-19.

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A Novartis ultrapassou a empresa britânica GSK, que liderava o índice desde a sua primeira publicação, em 2008. Na última edição do índice, em 2022, a Novartis ocupava o quarto lugar. A outra empresa suíça no índice, a Roche, caiu do 10º para o 11º lugar.

A Fundação de Acesso à MedicinaLink externo, uma organização sem fins lucrativos sediada nos Países Baixos, é a responsável por compilar o índice bienal das empresas farmacêuticas. Apesar do “progresso modesto” alcançado pelas principais empresas do mundo, a fundação alertou que o ritmo desses avanços está muito abaixo do necessário para resolver as desigualdades globais em saúde.

Quase dois bilhões de pessoas ao redor do mundo não têm acesso a medicamentos essenciais, de acordo com um relatórioLink externo da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2019. Isso se deve principalmente a fatores financeiros e à disponibilidade dos medicamentos em países de baixa renda.

“Há mais empresas anunciando novos modelos de negócios destinados a expandir o alcance de seus medicamentos nos países mais pobres”, disse Jayasree Iyer, diretora-executiva da fundação, à SWI swissinfo.ch. “Mas esperávamos que o progresso fosse muito maior neste momento”.

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Há 15 anos, o Índice de Acesso a Medicamentos avalia os esforços das 20 principais empresas farmacêuticas para ampliar o acesso aos seus produtos nos países de baixa e média renda.

O índice de 2024 chega um ano após a OMS declarar o fim da emergência de saúde pública da Covid-19. De lá para cá, a pressão pública para garantir o acesso igualitário a vacinas e para que as empresas afrouxem seu controle sobre as patentes de novos medicamentos vem diminuindo.

Licenças voluntárias

No período de análise para o índice de 2024, as empresas farmacêuticas emitiram apenas duas novas licenças voluntárias para a fabricação de genéricos. Nos anos analisados para o índice de 2022, seis novas licenças haviam sido emitidas. A Novartis é a única empresa que concedeu uma licença voluntária para um medicamento contra o câncer.

Ao conceder licenças voluntárias, as empresas permitem que fabricantes de medicamentos genéricos fabriquem um medicamento antes do vencimento da sua patente, reduzindo efetivamente o preço. As empresas farmacêuticas têm resistido a conceder essas licenças, argumentando que elas prejudicam os negócios. Mas um estudoLink externo publicado em abril descobriu que o licenciamento voluntário pode, na verdade, aumentar as receitas das empresas, inovadoras e genéricas, em até 17%.

A desaceleração nas atividades de licenciamento, que agora voltaram ao nível anterior à pandemia de Covid-19, indicou uma “diminuição preocupante do impulso registrado nos últimos anos”, afirma o índice.

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Outra tendência preocupante destacada pelo índice é a diminuição do investimento no estudo de doenças que são prioridade nos países de baixa renda, como a malária e a tuberculose. Apenas 93 projetos de pesquisa e desenvolvimento voltados para essas doenças foram registrados pelas 20 empresas nos últimos dois anos, em comparação com os 151 contabilizados no índice anterior.

A Roche se comprometeu novamente a investir em novos antibióticos, cuja demanda é muito grande. Mas apenas 13 de seus 76 projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) contabilizados para o índice visam doenças prioritárias, incluindo hepatite B, doenças causadas por coronavírus e infecções resistentes a antibióticos.

No ano passado, a Johnson & Johnson se juntou à lista de empresas que abandonaram programas de pesquisa de doenças infecciosas e de desenvolvimento de vacinas devido a quedas nas receitas. Empresas como a Roche e a Novartis transferiram o investimento em P&D para áreas de doenças mais lucrativas, como a obesidade e o câncer.

“A menos que as empresas invistam muito dinheiro, há um risco real de que doenças como a dengue e a tuberculose – e, principalmente, as doenças tropicais negligenciadas – permaneçam muito tempo sem tratamento”, disse Sabastine Wakdok, que dirige o setor de pesquisa da organização sem fins lucrativos Impact Global Health, no Reino Unido.

Conseguindo o apoio do CEO

Apesar de tudo isso, ainda há alguns pontos positivos no índice. Embora o investimento na pesquisa de certas doenças tenha diminuído, as empresas estão priorizando mais a ampliação do acesso global aos seus produtos.

Ao longo dos anos, o índice vem estimulando as empresas a irem além de doações e programas de caridade. Embora a doação de medicamentos possa preencher temporariamente as lacunas no acesso e seja necessária em casos de emergência, a Fundação de Acesso à Medicina argumenta que ela não tem o mesmo impacto que a integração dos países de baixa e média renda nos modelos de negócio.

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Na Novartis, cerca de 96% dos projetos de desenvolvimento de medicamentos que estão nas últimas fases possuem planos para garantir um maior acesso. A remuneração do CEO (diretor-executivo) está vinculada à quantidade de pessoas alcançadas. A Novartis também foi a primeira empresa a lançar um título vinculado à sustentabilidade que inclui metas de acesso a medicamentos.

A Roche, por outro lado, possui mais projetos em fase final de desenvolvimento, mas apenas um terço deles possui planos para garantir um maior acesso. Em resposta à SWI swissinfo, o porta-voz da Roche afirmou que a empresa vende principalmente medicamentos inovadores para doenças crônicas, que “exigem linhas de cuidados especializadas e infraestrutura médica que nem sempre estão disponíveis em todos os países”.

Iyer argumenta que as empresas deveriam levar em consideração a questão do acesso ainda nas etapas de pesquisa e desenvolvimento. “Se as empresas não se planejarem com antecedência, elas realmente terão dificuldade para tornar seus medicamentos acessíveis. Elas acabarão investindo muito mais dinheiro depois”, afirma. As empresas farmacêuticas geralmente priorizam disponibilizar o acesso ao medicamento nos países onde os testes clínicos são conduzidos, mas apenas 3,5% dos testes clínicos são realizados em países de baixa renda.

A Novartis também é uma das cinco empresas que introduziram os chamados modelos de negócios inclusivos. Em 2019, ela criou marcas exclusivas para “mercados emergentes”, que vendem versões mais baratas dos seus medicamentos para 44 países da África Subsaariana. Novo Nordisk, Pfizer, Sanofi e Bristol Myers Squibb seguiram o exemplo, adotando estratégias de precificação ou criando marcas específicas para países de baixa renda.

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Os planos da Novartis para garantir o acesso aos seus produtos não parecem ter sido afetados pela venda de sua marca de genéricos, a Sandoz, no ano passado. De acordo com Iyer, a Novartis mantém relações com a Sandoz para continuar fornecendo tanto medicamentos genéricos antigos quando novos medicamentos para a África Subsaariana.

Qual é o impacto?

É difícil determinar qual é o impacto desses modelos de negócios, diz Iyer. O índice de 2024 inclui, pela primeira vez, uma análise mais rigorosa de como as empresas realmente medem e relatam o seu impacto em termos de números de pacientes alcançados e melhoras na saúde. Essa análise mais rigorosa levou a uma redução generalizada no desempenho das empresas.

Das 20 empresas, 19 compartilham suas estratégias para monitorar os pacientes alcançados pelos seus medicamentos essenciais, com a exceção da AbbVie. No entanto, não há consenso sobre como calcular o número de pacientes alcançados, e apenas 17 empresas apresentam dados concretos.

As empresas frequentemente usam o volume de vendas como indicador do número de pacientes alcançados. Poucas delas apresentam o contexto da população de possíveis pacientes. Até agora, a Sanofi foi a única companhia que relatou especificamente quantos pacientes foram alcançados pelas entregas dos produtos.

Também há enormes lacunas na transparência. O índice indica que a Novartis oferece poucas informações públicas acerca de onde os produtos estão disponíveis e quantos pacientes foram alcançados. A empresa lançou uma segunda marca mais barata para o seu produto Sacubitril/Valsartana (Entresto), indicado para insuficiência cardíaca crônica, mas, segundo o índice, ele só está disponível em um país de baixa renda. 

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A Roche estabeleceu a meta de dobrar o número de pacientes tratados pelas suas novas terapias inovadoras nos países de baixa e média renda até 2026. Ela compartilha o progresso anualmente, mas não apresenta nenhum detalhamento sobre os produtos oferecidos ou as regiões afetadas.

O índice afirma que os números de pacientes alcançados informados pelas empresas ainda não atendem a uma porcentagem realista das necessidades de saúde do mundo. Aproximadamente metade dos produtos analisados nem sequer estão registrados nos países com a maior incidência das doenças.

“A maior parte do setor ainda depende do mercado dos EUA para promover o acesso no resto do mundo. É um problema o fato de nós, como sociedade, dependermos do mercado dos EUA e do financiamento governamental para promover acesso e investimentos em áreas que não são lucrativas”, avalia Iyer.

Edição: Reto Gysi von Wartburg/fh
(Adaptação: Clarice Dominguez)

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Debate
Moderador: Jessica Davis Plüss

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Como a escassez de medicamentos afetou você? O que deve ser feito a respeito?

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