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Indústria cafeeira suíça une forças para melhorar condições dos cafeicultores

Mão colhendo café
Cerca de 70% do café do mundo é cultivado por 25 milhões de pequenos agricultores. Keystone

Uma aliança heterogênea de comerciantes, torrefadores, cafés, burocratas, acadêmicos e ONGs suíços está tentando elevar o nível de sustentabilidade em todo o setor cafeeiro.

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A pequena Suíça é uma gigante do café. Os mais de 40 membros da Associação Suíça de Comércio de Café (SCTALink externo, na sigla em alemão) são responsáveis por mais da metade de todo o café verde (grãos não torrados) comprado e vendido em todo o mundo. A Suíça também é o maior exportador em valor de grãos de café torrados (avaliados em mais de três bilhões de francos (US$ 3,4 bilhões) em 2023, em grande parte graças à Nestlé, que torra todo o seu café no país alpino.

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Mas há nuvens no horizonte que desafiam o papel da Suíça como líder de mercado. A indústria cafeeira suíça tem que se alinhar com regulamentações de fornecimento mais rígidas impostas pela União Europeia, bem como com os pequenos produtores em dificuldades que não estão conseguindo viver do café.

Em uma tentativa de garantir cadeias de suprimentos mais sustentáveis, a Plataforma Suíça de Café Sustentável (PSCSLink externo) foi lançada. Apoiada pelo governo suíço, seu objetivo é coordenar iniciativa privada, organizações sem fins lucrativos, universidades e o governo na questão do café sustentável.

A iniciativa ocorre no momento em que o setor enfrenta pressão da União Europeia (UE), que introduziu uma regulamentação da cadeia de suprimentos que requer “desmatamento zeroLink externo“. Está previsto que ela entre em vigor em janeiro de 2025. Sete commodities agrícolas, incluindo café, não podem ser vendidas na UE a menos que se possa provar que não causaram desmatamento desde 2020. A UE foi responsável por 44% das exportações de café torrado suíço no ano passado.

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Outra questão problemática para o setor é garantir aos agricultores uma renda digna do que deveria ser um agribusiness rentável. As conclusões de um relatório publicado em 2023Link externo pela Plataforma Global do Café mostraram que os pequenos cafeicultores do Brasil, que é o maior produtor mundial, estão lutando para sobreviver. Aqueles com plantações menores que cinco hectares não conseguiam obter uma renda de subsistência apenas com o café. De acordo com a Associação Suíça para a Promoção do Café (ProcaféLink externo), cerca de 70% do café do mundo é cultivado por 25 milhões de pequenos agricultores e a indústria cafeeira suíça está contando com eles para manter um cultivo de café que garanta suprimentos suficientes de alta e consistente qualidade e, com isso, evitar a volatilidade nos preços do café.

“Embora uma empresa possa refinar suas políticas de fornecimento de café, abordar questões sistêmicas, como a pobreza em países em desenvolvimento, é muito mais complicado. Simplesmente pagar mais pelo café não resolve esses desafios, pois a pobreza é um problema multifacetado com causas profundas na desigualdade econômica, falta de educação, saúde inadequada, instabilidade política e degradação ambiental”, diz Krisztina Szalai, secretária-geral da Associação Suíça do Comércio de Café e presidente da organização Comunidade de Interesse do Café da Suíça (IG KaffeLink externo).

Ação coletiva

Alguns dos grandes atores como a Nestlé trabalham com questões ambientais e trabalhistas há algumas décadas em parceria com o órgão certificador Rainforest AllianceLink externo. A multinacional suíça se comprometeu a fornecer de forma responsável todo o seu café até 2025 (ela forneceu 92,8% em 2023).

No entanto, não houve até agora qualquer esforço conjunto em toda a indústria para abordar o meio ambiente, as condições laborais e o salário digno de uma forma que reflita os pontos fortes e as necessidades da indústria cafeeira suíça.

“A sustentabilidade no café não pode ser definida por uma única métrica ou medida apenas por volumes certificados nas cadeias produtivas. Ela engloba uma ampla gama de fatores, incluindo gestão ambiental, equidade social, viabilidade econômica e bem-estar dos cafeicultores e suas comunidades”, diz Szalai.

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O governo suíço é um dos principais parceiros no diálogo sobre café sustentável graças ao envolvimento da Secretaria de Estado de Assuntos Econômicos (SECO). Juntamente com a Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação (DEZA), é uma das principais agências dentro do governo para o desenvolvimento no exterior.

Até que o dinheiro de membros de peso do setor privado, como a Nestlé ou a empresa de commodities Olam, comece a chegar, a PSCS pode contar com o financiamento inicial da SECO no valor de oito milhões de francos ao longo de quatro anos, dos quais sete milhões de francos são destinados ao cofinanciamento de projetos em países produtores de café que são prioritários para a SECO como Colômbia, Peru, Indonésia e Vietnã. O objetivo é que o setor privado acabe igualando o financiamento da SECO. As empresas pagarão até 20 mil francos cada em taxas anuais de associação, dependendo do tamanho da empresa, e devem contribuir com mais de 50% do custo de projetos em países produtores de café.

“A cooperação para o desenvolvimento sozinha não pode resolver todos os desafios relacionados à sustentabilidade no café. A Plataforma Suíça de Café Sustentável oferece uma oportunidade de colaborar e alavancar o financiamento do setor privado”, Marco Kräuchi, Gerente de Programas e Promoção Comercial da SECO.

O dinheiro público e privado canalizado por meio da PSCS financiará projetos que abordam desafios como meios de subsistência e renda mínima, mitigação e adaptação às mudanças climáticas, direitos humanos, direitos trabalhistas e cumprimento de normas. Kräuchi insiste que a PSCS não se tornará um veículo para terceirizar as obrigações regulatórias e de responsabilidade social corporativa de uma empresa.

“Não é papel da PSCS apoiar as empresas suíças a estarem em conformidade com os regulamentos internacionais. Pode ser um efeito colateral, mas não é o principal objetivo da cooperação internacional. Os beneficiários finais são os cafeicultores dos países produtores de café”, diz.

No entanto, Kräuchi reconhece que não será uma tarefa fácil conseguir que um grupo tão heterogêneo chegue a um acordo sobre uma definição comum de café sustentável.

“Há um certo risco de que tal plataforma seja percebida como se pudesse optar pelo menor denominador comum. Os membros da Plataforma precisam chegar a um acordo sobre o que significa café sustentável, para o qual a declaração de intenções, com a qual todos os membros têm que concordar, foi um primeiro passo”, diz ele.

Precedente suíço

A PSCS poderá contar com a experiência da Plataforma Suíça para o Cacau SustentávelLink externo, que surgiu da indústria do chocolate em 2018 e serve de modelo para a PSCS. Ambas as iniciativas visam enfrentar desafios globais como a pobreza, o clima e a desflorestação com uma abordagem multissetorial baseada no princípio da responsabilidade compartilhada. Tanto o café quanto o cacau são dominados por milhões de pequenos agricultores, sendo que a Suíça desempenha um papel importante no comércio e na produção globais. Desde 2018, a plataforma apoiou 45 projetos em regiões produtoras de cacau no valor de 64 milhões de francos. A participação das importações suíças de cacau sustentável subiu de 50% em 2017 para 82% em 2023.

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“A experiência da Plataforma do Cacau mostrou que vale a pena fortalecer o intercâmbio e a cooperação entre as partes interessadas suíças. Hoje, as partes interessadas estão mais próximas, confiam mais umas nas outras e estão mais abertas ao diálogo transparente e à cooperação concreta”, diz o diretor-executivo Christian Robin.

No entanto, nem todos são da opinião de que a indústria de café suíça deve seguir os passos da indústria de chocolate quando se trata de medidas de sustentabilidade. A ONG suíça Public EyeLink externo alerta que a Plataforma do Café corre o risco de se tornar mais um “lugar para conversas juridicamente não-vinculativas” na ausência de leis rigorosas e aplicáveis do tipo que a União Europeia aprovou.

“Seria ainda melhor se a Suíça finalmente introduzisse regulamentos eficazes que tornem as obrigações de cumprimento juridicamente vinculativas e prevejam sanções efetivas. Em vez disso, nosso governo está mantendo o diálogo não vinculativo sem prestação de contas e com um resultado altamente incerto”, afirma Carla Hoinkes, da Public Eye, em um comunicado à imprensaLink externo no dia do lançamento.

Em fevereiro, o governo federal decidiu não adaptar a lei suíça para seguir o exemplo da UE “até novo aviso”. Ele citou o aumento da carga administrativa sobre as empresas que não exportam produtos para o bloco de 27 membros. Em vez disso, o governo pretende se reunir novamente no verão para avaliar o impacto do Regulamento da UE sobre Produtos Livres de Desmatamento sobre as empresas suíças.

A PSCS terá, portanto, que contar com seus membros de ONGs e acadêmicos (que têm metade dos assentos no conselho) para contestar quaisquer tentativas de “greenwashing”, ou seja, de adotar medidas de sustentabilidade meramente cosméticas para efeito de marketing our relações públicas.

Edição: Virginie Mangin

Adaptação: DvSperling

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