Perspectivas suíças em 10 idiomas

Associação suíça que promove mineração responsável de ouro avalia impactos de uma década de atuação

Imagem
Março de 2024, região de Choco, Colômbia (Swiss Better Gold Association)

Uma iniciativa suíça tornou-se um ponto de referência global sobre como obter ouro de forma responsável do setor de mineração artesanal, aproveitando o poder das parcerias público-privadas. Mais de uma década depois de seu lançamento, SWI swissinfo.ch conversa com a CEO da Swiss Better Gold Association, Diana Culillas, sobre os desafios e as oportunidades que estão por vir. Atualmente, a mineração artesanal e de pequena escala (ASM) é responsável por apenas 10 a 20% da produção global e emprega 90% da força de trabalho da mineração de ouro.

A mineração artesanal ainda é vista por muitos no setor de ouro como uma produção de alto risco e, portanto, é totalmente evitada por alguns refinadores. A extração de ouro por garimpeiros em pequena escala pode causar impactos ambientais negativos, como o desmatamento em regiões de grande biodiversidade, como ocorre na região amazônica, e a contaminação profunda de cursos d’água por mercúrio — utilizado pelos garimpeiros para extrair o ouro. A mineração do metal precioso também tem um histórico longo marcado por invasões em terras indígenas e trabalho infantil em algumas regiões.

Mas o mercado de ouro parece buscar uma mudança de postura. A London Bullion Market Association, que define os parâmetros que norteiam o comércio global de ouro, lançou em março um kit de ferramentas que aponta padrões para a mineração artesanal responsável em pequena escala. “Um sinal importante que estamos tentando enviar é que o boicote acabou”, disse a CEO da LBMA, Ruth Crowell. “Queremos analisar o fornecimento da mineração de pequena escala de forma responsável”.

Em 2013, a associação industrial sem fins lucrativos Swiss Better Gold Initiative foi criada buscando o mesmo objetivo. A iniciativa reúne os principais atores da indústria suíça de ouro em uma parceria público-privada que prevê apoio para garimpeiros artesanais e de pequena escala que trabalhem beneficiando suas comunidades e reduzindo danos ambientais.

Na prática, o projeto promove apoio técnico estimulando os garimpeiros a abandonarem o uso do mercúrio e formalizarem suas atividades de mineração. A Iniciativa é co-financiada e implementada pela Secretaria de Estado para Assuntos Econômicos (SECO) e pela Swiss Better Gold Association.

Os garimpeiros envolvidos no projeto integram um programa de melhoria contínua e recebem um valor a mais, chamado de prêmio, pelo ouro minerado. O dinheiro é repassado a um fundo e reinvestido em projetos comunitários. O ouro é comprado por refinarias suíças como a Metalor e marcas de joias como Breitling e Cartier.

Conversamos com a CEO da associação Swiss Better Gold, Diane Culillas, sobre a expansão de atuação da iniciativa e sobre as possibilidades de mitigação de riscos  após o acidente fatal no Peru.

SWI swissinfo.ch: A iniciativa Swiss Better Gold Association existe há pouco mais de uma década. Quais foram as conquistas até aqui?

D.C.: Entramos no 11º ano e estamos satisfeitos com o progresso constante que registramos até agora. No primeiro ano, trabalhamos com uma mina, a Sotrami (no Peru), exportando 27 quilos. Hoje, trabalhamos com ouro vindo de cerca de 35 a 40 minas e atingimos três toneladas e meia de exportações por ano na Colômbia e no Peru. Também aumentamos o número de membros da Associação ao longo dos anos, chegando a um total de 24 atualmente.

SWI swissinfo.ch: Vocês também atuam na Bolívia?

D.C.: Ainda não exportamos nada da Bolívia. É um grande desafio. Há o problema do mercúrio, e achamos que o país precisa de mais trabalho preparatório em termos de conscientização sobre o uso dessa substância. A Bolívia assinou a Convenção de Minamata [um acordo internacional para reduzir o uso global de mercúrio], mas ainda não há um plano de ação nacional que articule uma estratégia para a retirada do mercúrio. Precisamos de um pouco mais de diálogo sobre políticas antes de começarmos a fazer credenciamentos e exportações.

SWI swissinfo.ch: No total, quantos garimpeiros foram beneficiados pelo programa?

D.C.: Cerca de 60.000 garimpeiros, considerando 130 operações de mineração nos três países.

SWI: Esse número é suficiente, considerando que, em cada um dos países onde vocês operam, há ao menos um milhão de pessoas dependentes da mineração artesanal e de baixa escala?

D.C.: É preciso começar de algum lugar. Na verdade, estamos expandindo nossas atividades a cada ano e estamos orgulhosos dos resultados obtidos até agora. Mas, sim, ainda somos muito jovens. Todos esses processos levam tempo. São necessários pelo menos dois anos desde o momento em que você inicia as atividades técnicas com uma mina, para que ela passe por toda a escada rolante [programa de melhoria progressiva] e se qualifique como produtor responsável. E então você tem mais um ano para começar a facilitar a exportação. As mineradoras geralmente são muito desconfiadas, é uma questão de confiança, e leva tempo para construir essa confiança.

Mostrar mais

SWI: Como vocês conseguem a adesão dos garimpeiros?

D.C.: Muitos desses trabalhadores não estudaram mineração. Eles simplesmente a praticam porque é o que todos [em seu ambiente] fazem, ou seus pais fizeram por gerações. O conhecimento de técnicas melhores é o primeiro fator de motivação para que eles entrem na iniciativa. A maioria dos nossos produtores na Colômbia produz de dois a três quilos de ouro por mês. Nosso prêmio é de US$ 1 por grama. Portanto, eles não vêm pelo prêmio. Eles realmente vêm em busca de assistência técnica. Uma das primeiras perguntas que nos fazem é “como posso melhorar minha taxa de recuperação [ou seja, a porcentagem de ouro que pode ser recuperada com sucesso por meio do processo de amalgamação]?”. É nisso que eles estão interessados.

SWI: O ouro da produção artesanal é responsável por cerca de 1% das importações do minério na Suíça. Quais são os principais desafios que vocês enfrentam para aumentar a escala?

D.C.: Como podemos atender à demanda global ou industrial com produção em pequena escala? A solução é aumentar o número de produtores qualificados para alcançar a escalabilidade. Na Colômbia, trabalhamos atualmente com cerca de 20 a 25 operações, o que não gera uma quantidade significativa por ano, pelo menos por enquanto. São produtores muito pequenos. Para crescer, precisamos fornecer mais assistência técnica e identificar mais minas.

SWI: A mina de Yanaquihua, no Peru, faz parte do projeto Swiss Better Gold. O acidente que matou 27 pessoas em maio do ano passado causou nervosismo entre as refinarias suíças em termos de envolvimento com as minas artesanais ou melhorou a disposição do setor?

D.C.: Não, não ouvimos falar de nenhum refinador ou membro da associação que tenha mudado de ideia. Pelo contrário, eles realmente demonstraram solidariedade em torno do princípio em si: a necessidade de melhoria contínua.

SWI: O que você aprendeu com essa tragédia?

D.C.: O acidente em Yanaquihua foi uma grande lição para nós. Ele confirmou que a mineração artesanal requer apoio constante. Yanaquihua é um pouco maior do que nossas outras minas, e acreditávamos que poderíamos abordá-la de forma diferente devido ao seu tamanho. Utilizamos os parâmetros do Responsible Jewellery Council [Conselho de Joalheria Responsável] em vez dos nossos próprios instrumentos. O RJC é um padrão que passa por uma auditoria a cada três anos. No entanto, a experiência prática demonstrou que cada configuração realmente exige proximidade e monitoramento. Nosso modelo foi projetado para que a mina seja visitada a cada três ou quatro meses, o que nos permite monitorar de perto suas atividades. Eles concluíram as tarefas designadas? Quais melhorias foram feitas? O que continua pendente? Uma das lições aprendidas é que devemos usar nossos próprios instrumentos em nosso próprio cronograma. Outra lição aprendida foi reforçar nossas equipes adicionando um especialista em saúde e segurança em cada time.

SWI: O ouro de origem responsável pode ter diversos padrões associados e passar por diferentes cronogramas de auditoria. O monitoramento precisa ser feito a cada três anos para a RJC. E a cada três ou quatro meses para a Swiss Better Gold.  O que significa para você, no contexto da mineração artesanal, ter ouro de origem verdadeiramente responsável?

D.C.: Para mim, responsável significa levar em consideração as pessoas e o planeta. E saber que a perfeição não existe. Essa é a razão pela qual chamamos de better gold – porque sempre podemos fazer algo melhor. E a razão pela qual seguimos uma abordagem de melhoria contínua.

SWI: Como você vê o papel das plantas de processamento ou refinarias intermediárias? Elas são úteis para expandir o alcance da mineração artesanal ou apenas aumentam a dor de cabeça da rastreabilidade?

D.C.: Há oportunidades aqui. O número de produtores que trabalham com uma única planta de processamento pode variar de 100 a 800. Entretanto, há o desafio da mistura, por isso é fundamental conhecer as origens do ouro. Depois que o ouro é tratado, torna-se quase impossível rastrear sua origem.

Estamos motivados a trabalhar com essas plantas de processamento porque elas envolvem um grande número de produtores. Além disso, não é prático esperar que cada produtor produza seu próprio doré [amálgama do mineral que é vendido], pois eles não têm o equipamento necessário. Se eles produzissem doré, usariam mercúrio. Portanto, é melhor que eles levem o mineral para uma usina de processamento em um local industrial, onde processos industriais adequados podem ser usados para recuperar o ouro e garantir taxas de recuperação mais altas sem poluir o meio ambiente.

SWI: Como a participação na iniciativa impacta a renda dos garimpeiros? Traz mais estabilidade financeira?

D.C.: Estabilidade, sim. Esse é um dos motivos pelos quais as mineradoras querem estar conectadas às cadeias de valor suíças. Outros compradores locais geralmente têm mercados mais voláteis. Por exemplo, na Índia, há uma alta demanda por ouro durante o período de casamentos [janeiro-março] e depois ela diminui novamente. Por outro lado, as cadeias de valor suíças são tão regulares quanto os relógios suíços. Uma vez conectadas a essas cadeias de suprimentos, elas nunca falham, o que também melhora sua reputação. Isso, por sua vez, as torna mais elegíveis para empréstimos e crédito dos bancos. A aprovação na due diligence suíça as coloca em um nível diferente aos olhos dos bancos. Essa é uma etapa significativa porque, caso contrário, as mineradoras dependeriam de mecanismos financeiros informais. O objetivo de todo o esforço é trazê-las para o mercado oficial.

SWI: Você deu o exemplo da Índia, mas e a China, que é outro grande consumidor de ouro, como pode competir?

D.C.: Na América Latina, não temos muita concorrência com as refinarias chinesas. A China está mais presente na África, junto com um grupo mercenário russo chamado Wagner. Mas na América Latina, o principal concorrente seria a Índia.

SWI swissinfo.ch: O que vem pela frente agora? Em quais países vocês estão se concentrando?

D.C.: Estamos explorando a Nicarágua. Fizemos uma primeira visita, bem preliminar, ao Equador. Também estivemos em Gana em uma visita exploratória e na Tanzânia. Portanto, esperamos que uma dessas visitas resulte em uma extensão. Porque agora, depois de 11 anos, sentimos que nosso modelo está funcionando e que pode ser replicado.

Edição: Virginie Mangin/fh
(Adaptação: Clarissa Levy)

Preferidos do leitor

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR