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Nicarágua revoga nacionalidade e confisca bens de novo grupo de ex-presos políticos

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A Nicarágua revogou a nacionalidade e confiscou os bens de um novo grupo de ex-presos políticos, um total de 135 pessoas que, por meio da mediação dos Estados Unidos, foram enviadas para a Guatemala na semana passada, em uma prática usada anteriormente e que a ONU rejeita.

A medida foi anunciada nesta terça-feira (10) pelo Poder Judiciário, acusado de estar a serviço do governo de Daniel Ortega e da sua esposa, a vice-presidente Rosario Murillo, que aumentou a repressão contra os seus críticos desde os protestos de 2018, segundo a ONU.

Um tribunal de Manágua ordenou a “perda da nacionalidade nicaraguense a 135 pessoas, condenadas por atos criminosos que violaram a Soberania, a Independência e a Autodeterminação do povo nicaraguense” e “ordenou o confisco de todos os bens dos condenados”, segundo um comunicado.

“Sabíamos que algo assim podia acontecer, mas não tão rápido”, disse à AFP Pedro Gutiérrez, um dos 135 libertados, na capital da Guatemala.

“Foi um golpe duro, sentimos como se uma espada nos atravessasse e nos faz sentir impotentes”, acrescentou o ex-vendedor de carros, que contou ter sido detido em 11 de fevereiro de 2023 após fazer um protesto solitário em Manágua para exigir a libertação do bispo Rolando Álvarez.

O chefe da diplomacia americana para a América Latina, Brian Nichols, criticou a revogação da nacionalidade como “atos desumanos e cruéis” que “só servem para isolar ainda mais a Nicarágua”, escreveu na rede social X.

O governo guatemalteco, por sua vez, disse que “a opção de aplicar o asilo que a Guatemala oferece se mantém” para os 135 nicaraguenses. Eles também podem optar pelo refúgio nos Estados Unidos e em outros países.

“Esta resolução [de Manágua] é uma prova fidedigna de aceitação do crime de lesa humanidade de desterro ou traslado forçoso e da perseguição política”, disse à AFP o advogado nicaraguense Salvador Marenco, exilado na Costa Rica.

Com esta decisão, 451 opositores nicaraguenses foram privados da sua nacionalidade desde o início de 2023, segundo uma contagem da AFP baseada em dados oficiais.

– “Intensifica a perseguição” –

A própria ONU denunciou, nesta terça-feira, uma lei aprovada pelo Parlamento da Nicarágua, controlado pelo governo Ortega, que poderia intensificar, na sua opinião, a “repressão” dos exilados nicaraguenses, cujos direitos pediu para “proteger”.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU debateu em Genebra o relatório sobre a situação na Nicarágua, apresentado por Christian Salazar Volkmann, encarregado do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos. 

“Essas reformas poderiam ser usadas para intensificar ainda mais a perseguição e a repressão dos nicaraguenses, inclusive no exílio, e dos estrangeiros, pelo exercício legítimo de seus direitos”, disse. 

A lei que julga quem comete ações no exterior contra o governo Ortega foi denunciada pelos exilados como uma “ferramenta de repressão transnacional”.

Contempla penas de até 30 anos de prisão e confisco de bens por “crimes contra a administração pública”, “crimes cibernéticos” ou “crimes contra o Estado ou instituições”, entre outros. 

O governo Ortega reforçou a legislação e a repressão após os protestos da oposição de 2018. Desde então, cerca de 5.500 ONGs foram fechadas e os seus bens, confiscados. 

Os protestos deixaram mais de 300 mortos em três meses, segundo a ONU, e desde então milhares de nicaraguenses foram para o exílio e centenas foram expulsos e tiveram seus bens apreendidos.

Após a chegada dos 135 ex-detidos à Guatemala, um enviado dos Estados Unidos pediu a Ortega que não retirasse a nacionalidade nicaraguense destas pessoas, como fez com outros presos políticos libertados e opositores exilados.

– Instrumento “imperialista” –

Em seu relatório anual sobre a situação na Nicarágua, o Alto Comissariado alertou na semana passada para a “grave” deterioração da situação dos direitos humanos sob o governo de Ortega e Murillo. 

O relatório documentou detenções arbitrárias de opositores, tortura, maus-tratos em presídios, aumento da violência contra comunidades indígenas, ataques à liberdade religiosa, entre outros. 

Em um pronunciamento por vídeo, a procuradora-geral da Nicarágua, Wendy Morales, denunciou as “injustiças, parcialidades e ilegalidades” do documento, elaborado, na sua opinião, “com uma agenda definida”.

Estes instrumentos, usados pelos “imperialistas” para intervir nos assuntos internos, “violam o princípio da não intervenção”, disse Morales, a quem Washington sancionou em março “por ser cúmplice da opressão”. 

Em junho de 2023, 271.740 nicaraguenses foram registrados como solicitantes de asilo no mundo e 18.545 obtiveram o status de refugiado, indicou o Grupo de Especialistas em Direitos Humanos na Nicarágua em outro relatório em fevereiro. 

tjc/zm/apg/fj/nn/mar/aa/mvv/ic/am

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