Ofensiva rebelde toma o aeroporto de Goma, no leste da RD Congo
O movimento M23, um grupo armado apoiado por tropas de Ruanda, tomou nesta terça-feira (28) o aeroporto de Goma, a principal cidade do leste da República Democrática do Congo, onde confrontos entre milicianos e soldados já deixaram mais de 100 mortos.
Cerca de 1 mil pessoas ficaram feridas nos últimos três dias, segundo um levantamento da AFP baseado em relatórios hospitalares dessa cidade, que possui cerca de um milhão de habitantes.
“Ainda há muitos corpos na cidade, que precisam ser recolhidos o mais rápido possível”, destacou um médico à AFP, após intensos combates entre o exército congolês e o grupo rebelde M23.
O grupo armado, liderado pela etnia tutsi e cujo nome significa “Movimento de 23 de Março”, entrou no domingo nessa localidade estratégica, que faz fronteira com Ruanda e é rica em minerais indispensáveis para o setor tecnológico.
A RD Congo acusa Ruanda de tentar saquear as numerosas riquezas naturais da região. Ruanda, que nega as acusações, denuncia a presença de grupos hostis ao seu governo no lado congolês.
Uma fonte de segurança informou nesta terça-feira que os milicianos haviam tomado o aeroporto. “Mais de 1.200 militares congoleses se renderam e estão cercados em uma base da Monusco [a missão da ONU na RD Congo] no aeródromo”, afirmou.
A sede da autoridade provincial, a governadoria, também foi ocupada, constatou um jornalista da AFP na cidade, capital da província de Kivu do Norte.
Vivian van de Perre, responsável pela Monusco, alertou para o risco de ataques motivados por questões étnicas na região, à medida que a situação continua a se deteriorar.
O leste da RD Congo enfrenta há décadas uma violência persistente, provocada por rivalidades regionais, disputas étnicas e conflitos com grupos armados, exacerbados desde o genocídio ruandês de 1994.
– “Roubaram tudo de nós” –
Os confrontos em Goma resultaram em incidentes na capital do país, Kinshasa, situada mais de 2.600 km a oeste.
Um grupo de manifestantes atacou várias embaixadas, entre elas a de Ruanda, país acusado pelas autoridades congolesas de “declarar guerra” contra a RD Congo.
Também foram atacadas as delegações diplomáticas da França, Bélgica e Estados Unidos, países criticados por sua inação diante da atual crise.
A chefe da diplomacia europeia, Kaja Kallas, classificou os ataques como “inaceitáveis”. A embaixada dos Estados Unidos, por sua vez, instou seus cidadãos a deixarem o país.
Nas ruas de Goma, numerosos corpos de soldados e civis estavam espalhados, segundo jornalistas da AFP.
Os moradores tentavam chegar a armazéns de alimentos e produtos de primeira necessidade.
A maioria permanece trancada em casa há quatro dias, sem água nem eletricidade, devido aos intensos combates e bombardeios.
Apesar dos constantes disparos, alguns se arriscaram a ir até um lago próximo em busca de água, relataram correspondentes da AFP nesta terça-feira.
Alguns moradores relataram ter sido roubados por soldados ou milicianos congoleses. “Eles roubaram tudo de nós, nossos telefones, até nossos sapatos. Nós os vimos tirando suas roupas e jogando fora suas armas”, disse Jospin Nyolemwaka, que fugiu de seu bairro.
“Estamos começando a sair, mas ontem houve saques. Vimos cadáveres na estrada”, disse outro morador à AFP.
– Crise humanitária –
A ONU e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) alertaram que os combates terão muitas consequências devastadoras, como estupros, saques, escassez de alimentos e o risco de propagação do vírus de doenças como Ebola, cólera e sarampo.
Nos últimos anos, o M23, um grupo predominantemente tútsi, conquistou grandes áreas de território no leste da RDC, alegando que luta para defender a população de sua etnia.
Não ficou claro quais partes de Goma estavam sob o controle das forças congolesas ou do M23, que alegou ter tomado a cidade na noite de domingo.
“Nossas equipes de cirurgiões trabalham incansavelmente para lidar com o fluxo maciço de feridos”, disse à AFP Myriam Favier, chefe do CICV na província de Kivu do Norte.
A ofensiva também desencadeou uma crise humanitária, que forçou meio milhão de pessoas a deixar suas casas desde o início do ano, informou a agência da ONU para refugiados na segunda-feira.
“A situação humanitária em Goma e nas imediações continua extremamente preocupante”, afirmou Jens Laerke, porta-voz do Escritório de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha).
O presidente congolês, Félix Tshisekedi, que ainda não falou desde o início da crise, deve fazer um discurso à nação na noite desta terça-feira.
burx-cld/cpy/meb/zm/aa/fp/jb/mvv/jb/am