Os catálogos das bibliotecas são políticos
Há 15 anos a Biblioteca de Arte de Sitterwerk explora a estrutura da biblioteca do futuro. Sua nova exposição reflete sobre o passado colonial.
As pessoas nem sempre pensam sobre como os alimentos chegaram ao supermercado. Quando você faz uma pesquisa na internet, nem sempre pensa sobre o que realmente se passa depois que clica no botão de pesquisar. Na verdade, quase todo mundo sabe que por trás do Google se esconde uma grande empresa comercial que determina quais resultados aparecem para quais termos. Menos conhecido é o fato de que as categorias, as seleções de livros e a pesquisa nas bibliotecas também são tudo menos neutras.
Uma exposição na biblioteca de arte de Sitterwerk, em St. Gallen, (um complexo artístico no prédio de uma antiga tinturaria) evidencia a construção de suas categorias. Os catálogos das bibliotecas são muitas vezes frágeis e pouco intuitivos. A pesquisa na SitterwerkLink externo é diferente: no catálogo, você pode clicar nas prateleiras; as lombadas dos livros aparecem então em imagens. Aqueles que terminam seus trabalhos no local à noite podem colocar os livros onde quiserem. Dois robôs sobre trilhos escaneiam a nova disposição todas as noites. A ordem da biblioteca é dinâmica, a maioria de seus livros não tem um lugar fixo, e graças aos robôs escaneadores é possível encontrá-los nas prateleiras. A biblioteca, que torna a pesquisa tão divertida, está agora abordando a questão de saber onde estão as lacunas, os não-ditos, nos catálogos das bibliotecas.
“No mundo de língua alemã, o debate está décadas atrasado”, diz Lucie Kolb. Junto com Barbara Biedermann e Eva Weinmayr, Kolb é a curadora da atual exposição na Sitterwerk: Reading the Library, que traça “abordagens feministas e decoloniais da ordem do saber”. Nos EUA, diz ela, o debate vai mais longe. Quando se apresenta uma biblioteca aos estudantes, por exemplo, sempre há discussões sobre por que se pode procurar especificamente por “mulheres artistas negras” no catálogo, mas não por “mulheres artistas brancas”. Kolb explica: “Em muitas bibliotecas ocidentais, as pessoas ainda acreditam que existe um conjunto de categorias que pode ser aplicado em todos os lugares”.
“Catalogar é uma forma de fabricar o mundo”, diz Emily Drabinski em um vídeo exibido na entrada da exposição. Bibliotecária e ativista conhecida nos EUA, ela acredita que aquele que define as palavras-chave de um catálogo de biblioteca detém o poder. Drabinski cita, por exemplo, as identidades de gênero que os catálogos simplesmente apagam caso não estejam associadas a uma palavra-chave; ou termos como Illegal Alien, que são comuns em bibliotecas estadunidenses e que discriminam linguisticamente as pessoas sem permissão de residência.
Há 15 anos, a biblioteca de arte de Sitterwerk questiona a ideia e a prática das bibliotecas. Uma abordagem que foi materializada, por exemplo, num dispositivo que digitaliza imediatamente os volumes colocados sobre uma mesa interativa. É possível selecionar passagens de um livro, adicionar comentários, salvar e imprimir sua pesquisa em forma de livreto – um bibliozine.
A Sitterwerk já abordou o feminismo e a decolonialidade de diversas maneiras. De acordo com Kolb, seções como ‘África’ e títulos de obras problemáticos levantam muitas questões. Como esses livros foram parar na Sitterwerk? Por que eles estão lá? Por que estes e não outros?
Como se pode esperar de um local que representa uma ordem dinâmica, a exposição da Sitterwerk está constantemente sendo enriquecida com novas adições, que podem ser consultadas online. Uma abordagem desenvolvida por Teaching the Radical Catalogue – um curso de Emily Drabinski que tem inspirado projetos de ativistas na Suíça, nos EUA, Bélgica, Áustria e Países Baixos. Kolb espera que isso “deixe sua marca” na biblioteca de arte de Sitterwerk e que possibilite que as iniciativas que lidam com essas questões se conectem melhor.
Porque, se o mundo das bibliotecas não fizer alguma coisa, um gigante da Califórnia fará. “Por que não deixar tudo para o Google? Porque o Google é um fornecedor comercial e seus algoritmos não são públicos”, lembra Kolb. “Esse mecanismo de busca é, portanto, uma caixa preta. Com o volume cada vez maior de mídias, pensar em alternativas torna-se ainda mais importante”.
Para Kolb, trata-se também de conscientizar as pessoas de que os catálogos das bibliotecas não representam uma verdade universal. As categorias mudam. E o projeto da Sitterwerk quer ativamente dar forma a essas transformações.
Adaptação: Clarice Dominguez
Adaptação: Clarice Dominguez
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