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“Criança não é mãe, estuprador não é pai”

Manifestação pró-aborto em São Paulo
Keystone/Isaac Fontana

Se as menções a Portugal na imprensa suíça essa semana se limitam à Eurocopa de futebol, o Brasil foi tema de várias manchetes: o projeto de lei anti-aborto (PL 1904) escandalizou até a mídia conservadora; o café da Nestlé faz mal a quem o produz; novos números da extensão de floresta queimada em 40 anos; e o mais prestigioso teatro de Lausanne encena a tragédia da Amazônia.

De 15 a 21 de junho de 2024, vasculhamos a imprensa suíça para dar uma visão geral das notícias mais importantes relacionadas ao Brasil, Portugal e África lusófona.

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Projeto de lei anti-aborto choca até os conservadores suíços

A controvérsia em torno do Projeto de Lei 1904/2024 que equipara o aborto, mesmo em caso de estupro, ao crime de homicídio – e com penas ainda mais severas que o crime de estupro – repercutiu nas mídias suíças em todas as línguas. Mesmo o diário zuriquenho Neue Zürcher Zeitung (NZZ), tradicionalmente conservador, relatou a história com dados alarmantes.

“Não são apenas os evangélicos radicais que querem endurecer a lei conservadora do aborto – a Igreja Católica também é a favor. O governo Lula não sabe o que fazer”, diz o NZZ. E prossegue:

No Brasil, os abortos após a 22ª semana de gravidez poderão, em breve, ser punidos como homicídio – mesmo em casos de estupro. Estão previstas penas de prisão de 6 a 20 anos. Isso significaria que as vítimas de estupro seriam punidas mais severamente do que seus estupradores, que enfrentam uma pena máxima de 15 anos.

Em 2022, 14.000 gestações envolvendo meninas de dez a quatorze anos foram registradas no Brasil. Dos 75.000 estupros registrados no mesmo ano, quase dois terços das vítimas tinham menos de 14 anos de idade. Em média, 38 meninas com menos de 14 anos dão à luz uma criança por dia no Brasil.

No ano passado, houve apenas 2.000 abortos legais com autorização. O número de abortos ilegais é estimado em mais de um milhão por ano. Entretanto, as exceções são liberais demais para a maioria conservadora do Congresso brasileiro.

Quando membros do governo se opõem a essas medidas, eles inevitavelmente acabam nos canais do Tiktok da bolha da direita conservadora e radical logo em seguida.

A reforma do aborto também se tornou parte de uma negociação política para os cargos de liderança no Congresso. Daqui a seis meses, os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados serão eleitos novamente. Os candidatos a esses cargos importantes na política brasileira também estão competindo pela maioria de direita no parlamento.

Fontes: NZZLink externo, 19.06.2024 (em alemão); WatsonLink externo, 16.06.2024 (em alemão) Le MatinLink externo, 14.06.2024 (em francês); Tribune de GenèveLink externo, 14.06.2024 (em francès). 

Nescafé faz mal aos lavradores

A Nestlé, o maior grupo de café do mundo, prometeu que, a partir de 2025, só venderá café que tenha sido obtido de forma “responsável”. O Plano Nescafé, lançado em 2010, supostamente melhorou a vida de centenas de milhares de pessoas envolvidas no cultivo do café. Mas um novo relatório da agência de jornalismo investigativo Public Eye revela uma realidade diferente: aqueles que participaram desse programa no Brasil e no México mal conseguem viver do cultivo do café.

Enquanto milhões de produtores de café em todo o mundo vivem em extrema pobreza e inúmeros trabalhadores labutam em condições degradantes nas fazendas de café, a venda de café gera várias centenas de bilhões de dólares todos os anos. O mercado global está em constante crescimento – na verdade, a demanda pode dobrar até 2050 – enquanto os varejistas e os torrefadores de café, em particular, obtêm lucros enormes de forma consistente.

O lucrativo negócio de torrefação é controlado em todo o mundo por um número cada vez menor de empresas multinacionais de alimentos e bebidas. O número um mundial incontestável é o grupo suíço Nestlé, à frente do grupo americano Starbucks e do conglomerado holandês JDE Peet’s.

Em 2022, a Nestlé anunciou que havia investido mais de CHF 350 milhões, distribuído 270 milhões de mudas de café e realizado 900.000 cursos de treinamento como parte do Plano Nescafé. Tudo com o objetivo de melhorar a vida e a renda de inúmeros agricultores – especialmente no Brasil, Vietnã, México, Indonésia, Honduras, Costa do Marfim e Colômbia.

Ao mesmo tempo, a empresa anunciou que daria continuidade ao Plano Nescafé, com um novo foco na agricultura favorável ao clima, até 2030. De acordo com o anúncio, com cada xícara de Nescafé que bebem, os consumidores podem “tornar o mundo um pouco melhor”.

No entanto, a realidade é diferente para os produtores de café, conforme destacado no relatório da região cafeeira de Soconusco, no estado mexicano de Chiapas, onde muitos estão agora amargamente decepcionados com o programa e protestam contra a desastrosa política de compras da Nestlé, que os mantém na pobreza e rouba dos jovens suas perspectivas de futuro.

Fonte: Public EyeLink externo (em inglês) 

Brasil queimou 23% do seu território em 40 anos

Um total de 199,1 milhões de hectares pegou fogo pelo menos uma vez entre 1985 e 2023 – isso corresponde a 23% da área terrestre do país sul-americano, de acordo com um relatório publicado na terça-feira (horário local) pela iniciativa “MapBiomas”. A rede – composta por universidades, organizações não governamentais e empresas de tecnologia – examinou, entre diversos outros registros, imagens de satélite captadas ao longo dos anos.

O Cerrado e a Amazônia juntos representam a maior parte da área queimada, com 86%. O Cerrado é considerado o reservatório de água do Brasil e abriga cerca de cinco por cento de todas as espécies de animais e plantas do planeta. A floresta amazônica é considerada um reservatório de CO2 e desempenha um papel importante na luta internacional contra as mudanças climáticas.

A grande maioria dos incêndios é “causada ou desencadeada pela atividade humana”, disse Ane Alencar, chefe do departamento científico do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), à Agência Brasil. Mais de dois terços da área afetada pelo incêndio são de vegetação natural, enquanto a área restante é caracterizada principalmente pela agricultura.

O Pantanal – uma das maiores áreas úmidas interiores do mundo – foi a área que mais queimou, representando 59% de seu território. A área úmida, que também se estende aos países vizinhos Bolívia e Paraguai, também está queimando intensamente: até meados de junho, o instituto espacial brasileiro Inpe havia registrado 1.269 incêndios. Isso significa que o número de incêndios no local já é maior do que a média de junho dos últimos 26 anos, quando os registros começaram. Os fazendeiros estão queimando áreas de floresta na região para criar novas pastagens.

Fonte: WatsonLink externo, 19.06.2024 (em alemão) 

Antígona na Amazônia

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O Théâtre Vidy de Lausanne apresentou essa semana a peça “Antígona na Amazônia”, do diretor suíço Milo Rau, abordando as questões de sobrevivência dos povos indígenas do Brasil.

O estado do Pará pode parecer muito distante. Um tapete verde perdido na floresta amazônica, fazendo fronteira com o Suriname e a Guiana Francesa. E, no entanto, tudo o que acontece lá inevitavelmente tem algo a ver com a Suíça.

Se os pequenos agricultores sem terra estão sendo expulsos, se áreas inteiras da floresta estão sendo cortadas, se a existência de populações indígenas está sendo ameaçada pela poluição dos cursos d’água, tudo isso é em nome do lucro: o lucro da mineração e da agricultura industrial, para a produção destinada especialmente à Suíça. Esse é o quadro geral.

Foi no estado brasileiro do Pará que Milo Rau chegou um dia com suas atrizes e atores do Teatro Nacional de Ghent, ladeado por uma equipe de filmagem. O que um diretor de Berna, amante da tragédia grega e do teatro documental, e diretor de uma instituição cultural belga, estava fazendo ali? Milo Rau, reconhecido internacionalmente por seu teatro engajado, estava apresentando seu “Reprise” no Brasil em 2019, um espetáculo inspirado em um assassinato homofóbico em Liège.

Nessa ocasião, uma delegação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra entrou em contato com ele. A discussão girou em torno da resistência e do compromisso cultural. Logo surgiu uma figura famosa: a valente e heroica Antígona, que se opõe a uma decisão iníqua em nome da moralidade.

Os gregos antigos chamavam essa moralidade de respeito aos deuses e aos mortos. No Brasil do século XXI, será a dignidade e o direito à existência dos povos indígenas do Pará. No local, Milo Rau encontra uma Antígona contemporânea. Seu nome é Kay Sara, uma ativista amazônica com tatuagens tribais.

Confira a crítica completa da TV pública suíça RTS aquiLink externo (em francês).

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Publicaremos nossa próxima revista da imprensa suíça em 28 de junho. Enquanto isso, tenha um bom fim de semana e boa leitura!

Até a próxima semana!

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