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A agência de refugiados palestinos e a Suíça: cronologia de uma relação difícil

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A doação da Suíça para o orçamento do programa principal da UNRWA nos últimos anos foi de CHF 20 milhões, mas em 2024 ela liberou apenas a metade desse valor, já que o parlamento continua a debater o fim do apoio suíço. Afp Or Licensors

A UNRWA, a agência de ajuda humanitária da ONU que presta assistência a palestinos desde 1949, enfrenta uma crise existencial. Na Suíça, projetos de lei colocam em cheque a contribuição do país e uma decisão final deve ocorrer em 2025. Linha do tempo mostra a complexa relação entre o país alpino e a UNRWA.

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Incerteza é a palavra que define o futuro da agência da ONU que oferece apoio e ajuda humanitária para 5,9 milhões de refugiados palestinos. Em outubro, o parlamento de Israel aprovou uma lei que proíbe a agência humanitária de operar nas áreas de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. A medida veio após meses de alegações por parte do governo de Israel de que trabalhadores da UNRWA teriam participado dos ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023, que deixaram cerca de 1.200 israelenses mortos.

A agência, que também opera na Jordânia, Síria e Líbano, está lutando para dar conta da demanda de ajuda humanitária sem precedentes na região. Mas após duas investigações feitas pela ONU — uma que Link externoencontrouLink externo possíveis ligações de nove funcionários com o ataque e outra que não encontrou evidências que sustentassem a alegação de Israel — grande parte dos principais doadores, com exceção dos Estados Unidos, Link externosuspendeuLink externo temporariamente o financiamento enviado à agência. Em oposição, alguns outros países, como Espanha e Qatar, aumentaram suas doações.

Mas a Suíça, o 12º maior doador da agência, segundo números de 2023, agora está considerando encerrar definitivamente suas contribuições.

Desde que foi criada, há 75 anos, a UNRWA viu o apoio suíço crescer ao longo do tempo. Mas as doações do país alpino sempre foram pequenas em comparação com a de países como a Alemanha, e ultimamente têm sido acompanhadas por elogios e críticas, Link externoaponta um relatório do governo de 2020.Link externo Ao longo dos últimos anos, dentre os políticos suíços cresceu também o questionamento sobre a validade das contribuições – com até o ministro das Relações Exteriores levantando dúvidas sobre o papel da agência.

Começo humilde

Maio de 1950 – UNRWA, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo, inicia suas operações após uma resolução da Assembleia
Geral da ONU de 1949 estabelecer a criação de uma agência de ajuda humanitária e programas de emprego para palestinos deslocados após a Guerra Árabe-Israelense de 1948. Nos primeiros anos, a Suíça se limitou a apoiar projetos relacionados à saúde no Líbano e na Jordânia. Os gastos entre
1958-1960 não passaram de CHF 600.000 (US$ 676.000).

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Na década de 1960, a Suíça apoiou uma escola na Jordânia administrada pela UNRWA, onde os alunos também podiam fazer exames de saúde. Keystone-SDA

Década de 1960 – O governo suíço declara ao parlamento que a UNRWA, apesar de seus recursos limitados, contribui significativamente apoiando refugiados palestinos. Em 1965, o governo começa a apoiar iniciativas educacionais. O objetivo era ajudar jovens refugiados a se integrarem em seus países anfitriões ou emigrarem, dadas as perspectivas sombrias de uma solução política.

Década de 1970 – A Suíça contribui com uma média anual de CHF 1 milhão para a UNRWA, além de doar centenas de toneladas de farinha e leite em pó. Mas parlamentares criticam as medidas e exigem uma solução para a crise dos refugiados que seja baseada no incentivo à integração nos países anfitriões.

Ajuda ‘essencialmente política por natureza’

Década de 1980 – A análise das autoridades federais conclui que a agência está fazendo um bom trabalho apesar das condições difíceis – e de sua perpétua falta de fundos. Mas também observa que a ajuda fornecida pela UNRWA é essencialmente política por natureza. Apenas uma pequena minoria de refugiados, de acordo com o relatório, depende de ajuda humanitária sob os termos estabelecidos na lei suíça para ajuda estrangeira, mas muitos refugiados mantêm seu cartão de registro da UNRWA acima de tudo para preservar sua identidade palestina. No entanto, o relatório não aponta uma solução alternativa.

Década de 1990 – A Suíça aumenta tanto sua contribuição financeira – para cerca de CHF 10 milhões por ano considerando o orçamento principal e apelos de emergência – quanto seu engajamento político com a UNRWA, apoiando uma maior cooperação entre estados anfitriões, países doadores e a agência.

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Década de 2000 – A Suíça discute reformas para a UNRWA,
incluindo a melhoria da eficiência de sua estrutura operacional e sua capacidade de reagir a crises na região. O país alpino se junta à comissão consultiva da agência para auxiliar o comissário-geral em sua função. Em 2015, as doações suíças para o orçamento central da UNRWA passam de CHF20 milhões pela primeira vez.

Autoridades suíças criam polêmica

2018 – Após uma visita à Jordânia, o Ministro das Relações Exteriores da Suíça, Ignazio Cassis, diz que enquanto os palestinos permanecerem em campos de refugiados, eles poderão sonhar em retornar para casa, o que a UNRWA “se tornou parte do problema”. Ele acrescenta: “Ao apoiar a UNRWA, mantemos o conflito vivo. É uma lógica perversa.” A fala de Cassis provocou protestos, particularmente entre políticos de esquerda, mas Cassis reafirmou sua posição e declarou que seus comentários abriram um debate sobre o papel da Suíça no apoio à agência. Em paralelo ao surgimento da polêmica, os EUA, maior doador da UNRWA, retiram suas contribuições, levando vários países, incluindo a Suíça, a compensar parte do déficit. Um ano antes, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu havia ditoLink externo que a UNRWA “perpetua o problema dos refugiados palestinos” e deve ser desmantelada.

2019 – Em julho, a Suíça e outros países doadores suspendem temporariamente o financiamento à UNRWA após alegações de impropriedade sexual, nepotismo, discriminação e outros abusos de poder surgirem sob a gestão de Pierre Krähenbühl, suíço nomeado comissário-geral da agência em 2014.

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Enquanto Krähenbühl enfrentava uma investigação, o governo suíço suspendeu sua contribuição para a UNRWA, mas disse que a agência continuava sendo “um ator importante para a estabilidade e a segurança no Oriente Médio”. Keystone / Martial Trezzini

Krähenbühl renuncia em 6 de novembro, cedendo à pressão política, notavelmente dos EUA, e ao que ele chama de esforço concentrado para minar a agência. Uma investigação interna o inocenta de fraude ou uso indevido de fundos da UNRWA, mas aponta para problemas de gestão que precisam ser resolvidos.

2020 – A Suíça pede a Philippe Lazzarini, o cidadão suíço-italiano que agora lidera a UNRWA, que “implemente rapidamente” reformas, principalmente para maior transparência, supervisão e controle dos processos da agência.

Financiamento suíço em dúvida

Dezembro de 2023 – Dois meses após os ataques do Hamas em Israel em 7 de outubro, a Câmara dos Representantes da Suíça aprova a remoção do financiamento anual da UNRWA do orçamento de ajuda ao desenvolvimento. Mas o Senado propõe um acordo que estabelece um corte de CHF10 milhões no orçamento geral para ajuda humanitária direcionado à agência.

Janeiro de 2024 – Após alegações de Israel de que vários funcionários da UNRWA teriam participado dos ataques do Hamas, a Suíça suspende sua contribuição de CHF 20 milhões (US$ 22,4 milhões), referente a 2024, até que uma investigação seja concluída.

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Criança olhando por cima de uma pano

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Como controvérsias comprometem a assistência humanitária em Gaza

Este conteúdo foi publicado em Israel alega que a UNRWA é conivente com o Hamas e doadores como a Suíça estão retendo o financiamento da agência. Uma olhada nas alegações que assolam a organização humanitária.

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Maio de 2024 – O governo decide desembolsar metade dos CHF 20 milhões, para serem usados exclusivamente para necessidades humanitárias urgentes em Gaza – onde o Link externonúmero de mortosLink externo neste momento ultrapassa 35.000 – após resultados de uma investigação independente sobre a UNRWA feita pela ex-ministra das Relações Exteriores francesa Catherine Colonna não encontrar evidências que sustentasse alegações de Israel. Mais tarde, uma investigação interna da ONU Link externodescobrLink externoiria possíveis ligações de nove funcionários com os ataques de 7 de outubro. Todos foram demitidos.

Setembro de 2024 – A Câmara dos Representantes da Suíça aprova uma proposta do político de direita David Zuberbühler do Partido do Povo Suíço (SVP) para encerrar o financiamento para a UNRWA – por uma maioria de 99-88 (e sete abstenções). O governo Link externoanunciaLink externo que não transferirá os CHF10 milhões restantes destinados à agência em 2024.

Dezembro de 2024 – A Câmara dos Representantes aprova outra proposta de Zuberbühler para remover o financiamento da UNRWA do orçamento de ajuda ao desenvolvimento. O Senado, por sua vez, adia a votação sobre o fim do financiamento à UNRWA enquanto o comitê de relações exteriores realiza audiências sobre a agência. O governo decidirá sobre qualquer financiamento futuro assim que os debates no parlamento forem concluídos – provavelmente na primavera de 2025.

Edição: Lindsey Johnstone/fh
(Adaptação: Clarissa Levy)

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