Conferência da Ucrânia seria o caminho da paz?
A Suíça organizou uma cúpula de paz sobre a Ucrânia, marcada para ocorrer entre 15 e 16 de junho de 2024 na região de Lucerna, no centro do país. Mais de 100 países e organizações concordaram em participar. Explicamos o que vai ocorrer.
Qual é o objetivo?
O objetivo da conferência é “estimular um futuro processo de paz e desenvolver elementos práticos e medidas para tal processo”, explicaLink externo o Ministério suíço das Relações Exteriores (EDA, na sigla em alemão). Os países participantes podem contribuir com ideias e visões para uma “paz justa e duradoura na Ucrânia”.
Originalmente, o plano de paz de 10 pontosLink externo apresentado pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky deveria ser o principal tema de discussão. No entanto, como vários dos pontos são inviáveis nesta fase, o foco será presumivelmente naqueles que podem ser apoiados pela maioria dos países participantes: segurança alimentar (exportação de produtos agrícolas da Ucrânia), segurança nuclear (especialmente usinas nucleares) e a troca de prisioneiros de guerra e deportados.
De onde veio a ideia de uma conferência?
Em 15 de janeiro, o presidente ucraniano Zelensky fez uma visita oficial à Suíça. Os representantes dos dois governos discutiram como proceder após as quatro reuniões realizadas para discutir uma fórmula de paz para encerrar o conflito na Ucrânia. Diplomatas suíços propuseram, então, organizar uma cúpula de alto nível.
Assim, um processo essencialmente técnico foi elevado ao nível político. Isso era do interesse da Ucrânia, que estava sob crescente pressão militar no momento, deixando também de estar no foco da atenção internacional devido ao conflito israelense-palestino.
Em outras ocasiões, a Suíça propôs várias vezes servir de local para negociações entre a Rússia e a Ucrânia, além de oferecer serviços de mediação. A organização da Conferência de Recuperação da Ucrânia de 2022 em Lugano foi vista como um exemplo positivo desse papel. Esse formato foi posteriormente continuado em outros locais e trouxe à Ucrânia apoio internacional para a reconstrução do país.
O que a Ucrânia espera?
Zelensky propôs uma conferência desse tipo no ano passado, com a participação do maior número possível de países para aumentar a pressão diplomática sobre a Rússia. A principal exigência do presidente ucraniano é a retirada das tropas russas de todo o território do país (incluindo a Crimeia), região que não deve ser abdicada apesar do impasse militar e da solidariedade enfraquecida do Ocidente.
Quase dois anos e meio se passaram desde a invasão das tropas russas. Os combates ainda são intensos, sem que uma das partes tenha claramente vantagem. É importante para a Ucrânia que a guerra não desapareça da consciência mundial, pois o país ainda depende de ajuda militar e financeira para sua defesa.
Na melhor das hipóteses, a Ucrânia pode encontrar mais apoio para seu plano de paz. No entanto, para que isso aconteça, um número crítico de países dispostos deve viajar para a Suíça. Como disse Jelysaweta Jasko em entrevista à swissinfo.ch, a analista ucraniana espera uma coalizão de parceiros internacionais que envolva a Rússia em uma data posterior e, por fim, ponha fim à guerra.
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O que a Suíça espera?
Desde o início da invasão russa, a Suíça se viu repetidamente sob pressão para agir: primeiro com sua hesitante adoção de sanções contra a Rússia, depois por causa de sua recusa em permitir a transferência de armas dos estoques ocidentais para a Ucrânia, justificada por sua política de neutralidade.
Além disso, houve o congelamento dos bens dos oligarcas russos, que alguns governos consideraram excessivamente defensivo. A Suíça fornece ajuda humanitária e prioriza a desminagem (para a qual sediará uma conferência em outubroLink externo). No entanto, ela foi criticada em várias ocasiões por contribuir relativamente pouco.
A Suíça se vê como uma mediadora neutra e se oferece como local adequado para o diálogo. No entanto, a neutralidade foi considerada, em várias ocasiões, oportunismo após o ataque da Rússia, uma ação que viola as leis internacionais. Com seus esforços para encontrar uma possível solução de paz, a Suíça pode contrapor essa crítica. Além disso, o país é atualmente um membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, o que lhe dá a oportunidade de se apresentar como defensora do multilateralismo em vários fóruns.
Como sempre, essas cúpulas também são uma oportunidade para tratar de dossiês bilaterais. A Suíça está econômica e politicamente inserida no Ocidente, que é também onde estão seus interesses mais importantes – e espera-se que a maioria das delegações venha desses países.
Por último, mas não menos importante, a organização de conferências também representa o chamado “soft power”: a Suíça reforça sua reputação como anfitriã confiável.
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Conferência sobre a Ucrânia: diplomacia em um cenário histórico
Quem virá?
A Suíça convidou 160 delegações, e o EDA fala de mais de 80 confirmações oficiais (a Ucrânia, por sua vez, tem mais de 100). A lista definitiva de participantes será publicada pouco antes do início da conferência, quando também ficará claro qual país será representado.
Além dos países, representantes da União Europeia (UE), ONU, Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), Conselho da Europa, Vaticano e o Patriarcado Ecumênico de Constantinopla também foram convidados. Metade das confirmações de participação vem da Europa e a outra metade de fora da Europa.
Portanto, o Ocidente está bem representado. O objetivo explícito era incluir o maior número possível de países do Sul Global. A Índia é um membro importante do BRICS. No entanto, não há outros pesos pesados.
Quem não virá?
A China e o Brasil declinaram o convite. Sem a participação da Rússia, essa reunião não faria sentido, argumentam. Outros países não se inscreveram pelos mesmos motivos ou não estarão presentes no nível mais alto.
Mas há também outro motivo: vários países (como China, Brasil, África do Sul e Turquia) lançaram ou ofereceram suas próprias iniciativas de paz. De fato, vários deles facilitaram as negociações entre a Ucrânia e a Rússia nos últimos anos, por exemplo, para a troca de prisioneiros ou a exportação de grãos pelo Mar Negro.
Em um nível mais elevado, muitos países veem a guerra como um conflito entre os EUA e a Rússia. Nesse contexto, as manobras diplomáticas fazem sentido para aumentar o preço de seu próprio posicionamento.
Por que a Rússia não participa?
Quando a conferência foi anunciada, a Rússia rapidamente e repetidamente deixou claro publicamente que não participaria. À margem de um debate no Conselho de Segurança da ONU, o chanceler russo Sergei Lavrov chegou a dizer isso pessoalmente ao ministro suíço Ignazio Cassis. Houve discussões no governo federal sobre se um convite deveria ser enviado de qualquer forma, mas a Suíça acabou se abstendo de fazê-lo para que isso não fosse percebido como uma provocação após o anúncio claro de Moscou.
Nas últimas semanas, a Rússia criticou fortemente a conferência e pressionou os países a não participarem. O Kremlin há muito deixou de considerar a Suíça neutra e a rotulou como um “país abertamente hostil”. Além disso, as exigências russas são diametralmente opostas às da Ucrânia: a Ucrânia deve ser desmilitarizada e receber um status neutro. A Rússia também declarou constitucionalmente que os territórios já anexados (e alguns além) são território russo. A Ucrânia, por sua vez, insiste na evacuação completa de seu território.
Como os políticos suíços veem a conferência
É da natureza das cúpulas que seu sucesso ou fracasso só se revelem posteriormente. Críticos no exterior, bem como no Parlamento suíço, criticam o fato de que poucos países de peso participam do encontro. A propaganda russa, que tem como alvo a Suíça há semanas, também é motivo de preocupação para os parlamentares. No entanto, alguns concordam que essas iniciativas devem ser tomadas mesmo se houver risco de fracasso, sobretudo no contexto de um conflito.
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Suíça quer dar primeiro passo para paz na Ucrânia
As declarações feitas por vários participantes sugerem que um documento final poderia ser assinado no final, incorporando o maior número possível de pontos da Ucrânia. Isso poderia servir como uma etapa intermediária para a próxima conferência, na qual outros países e até mesmo a Rússia seriam convidados.
Edição: Marc Leutenegger
Adaptação: Alexander Thoele
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