Por que a Suíça faz parte do Conselho da Europa?
A Suíça é um país neutro e não faz parte da União Europeia. Porém é membro do Conselho da Europa, a mais antiga instituição europeia em funcionamento (70 anos completados em 2019). A senadora Liliane Maury Pasquier representou a Suíça na instituição e explica como era seu trabalho.
swissinfo.ch: O que faz o Conselho da Europa?
Liliane Maury Pasquier: As pessoas sempre confundem o Conselho da EuropaLink externo com a União EuropeiaLink externo. Mesmo os que conhecem o meu trabalho, perguntam: “Você indo para Bruxelas de novo?”
O Conselho da Europa foi fundado após a devastação provocada pela II. Guerra Mundial com o objetivo de evitar que uma catástrofe como essa se repetisse. Ele tem 47 membros: são todos os países do continente com exceção da Bielorrússia, o único país europeu onde a pena de morte ainda é aplicada.
O Conselho é mais conhecido pela Convenção Europeia dos Direitos do HomemLink externo e pelo Tribunal Europeu dos Direitos HumanosLink externo. Este permite os cidadãos de defender seus direitos se considerarem que estão sendo violados pelo sistema judiciário no seu país de residência.
Desde 1949, o Conselho adotou e aplicou mais de 220 convenções, dentre elas a “Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica”, contra o abuso sexual de crianças (chamada também de Convenção de Lanzarote), de proteção dos dados pessoais, contra o terrorismo, contra o tráfico humano, o tráfico de órgãos e outras áreas no principal intuito de proteger os direitos fundamentais.
swissinfo.ch: Qual o papel da Suíça no Conselho?
LMP: (Como parte da assembleia parlamentar), ela não pode fazer leis, mas sim adotar resoluções que podem se tornar base de alguma convenção. Essas resoluções são enviadas aos países como “sugestões”. Estimamos que elas sejam a base de um pouco menos do que a metade de todas as convenções do Conselho da Europa.
swissinfo.ch: Como o Conselho da Europa garante o cumprimento das suas convenções?
LMP: Temos os instrumentos do multilateralismo. Tentamos avançar ao acompanhar o país que não está cumprindo suas obrigações. Nós oferecemos-lhe apoio e sugestões. Praticamente não existem sanções. Mas se o objetivo é proteger a população contra abusos nessa ou naquela área, pergunto: é melhor apoiar um país na busca de soluções para os problemas ou simplesmente excluí-lo? O Conselho da Europa não é uma ONG. Não se trata de uma política de “acusar e denunciar”. Se excluirmos um país, também tiramos os instrumentos de proteção do cidadão.
swissinfo.ch: E como ficou a situação da Rússia quando a Criméia foi anexada?
LMP: A Assembléia votou a favor de uma resolução em que se adotavam sanções contra parlamentares russos. Através delas eles perderam o direito de voto. Depois disso, durante cinco anos, não houve mais uma delegação russa na Assembleia parlamentar. Porém, ao, mesmo tempo, a Rússia continuou fazendo parte do Conselho e continua a trabalhar em outros órgãos.
Houve um debate sobre a manutenção ou não da Rússia como membro permanente, já que ela havia violado claramente o direito internacional. Considerando que a exclusão do país significaria que a população russa – mais de 100 milhões de pessoas – não estaria mais protegida pelo nosso sistema de convenções, uma maioria clara dos membros decidiu reintegrar a delegação russa, devolvendo-lhes o direito de voto.
Fórum Mundial para a Democracia
A entrevista foi realizada durante o Fórum Mundial para Democracia em EstrasburgoLink externo, uma conferência anual para debater os problemas e as perspectivas da democracia em todo o mundo. O tema 2019 foi “informação e democracia”, abordando principalmente as questões ligadas ao “fake news” e erosão da liberdade de expressão.
swissinfo.ch: Como a Suíça é vista dentro do Conselho da Europa?
LMP: De forma geral, a imagem do país é muito boa. Primeiramente, alguns dos meus antecessores e colegas da assembleia parlamentar trabalharam arduamente e se empenharam muitos no desenvolvimento da democracia. Penso especialmente no deputado-federal Andreas Gross (Partido Socialista), um dos mais ativos participantes nas missões de observação eleitoral do Conselho da Europa.
A Suíça é um país que, a priori, funciona muito bem. Seu sistema de democracia direta, por exemplo, é visto pelos parlamentares como um exemplo, mas também com riscos. Alguns países têm suas reservas em relação aos sistemas de voto direto, especialmente frente à ascensão de movimentos nacionalistas e populistas na Europa.
swissinfo.ch: Como é que esses movimentos nacionalistas e populistas funcionam no Conselho?
LMP: Eles estão aqui representados e também se manifestam. Por vezes, se afastam dos valores fundamentais do Conselho. Tentamos limitá-los. Porém há situações que eles se aproveitam da baixa participação e algumas resoluções estranhas acabam sendo adotadas.
swissinfo.ch: Sua opinião em relação ao Conselho da Europa mudou durante sua experiência?
LMP: Algumas coisas eram muito óbvias para mim. Mas agora, à distância, compreendo que possam parecer questionáveis.
Um exemplo é o nosso sistema, onde juízes são nomeados por partidos políticos. Isso significa que os partidos – ou grupos políticos – que designaram os juízes mantêm uma certa influência sobre eles. Essa tendência já ocorreu na Suíça, quando o Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão) pressionou um juiz que tinha tomado uma decisão que não estava de acordo com os valores. Se isso continuar a acontecer, teremos de mudar alguma coisa no sistema. Na Europa, não é normal que juízes sejam nomeados por partidos políticos.
swissinfo.ch: O que a Senhora considera da nova estratégia da política externaLink externo elaborada pelo governo suíço, focalizada mais nos interesses econômicos do país?
LMP: Ela ainda não está em vigor, mas já lamento essas mudanças. Penso que é um erro, não só em termos de eficiência para os países envolvidos, mas também pelo possível prejuízo a nossa imagem. A Suíça tem uma boa reputação pela sua neutralidade e ajuda que dá aos países em desenvolvimento, uma ajuda que, até então, não estava ligada aos interesses econômicos do país. Com essa nova estratégia, corremos o risco de ser vistos como um país que defende seus próprios interesses sob uma fachada de luta contra guerras, fome ou pobreza. Como somos um pequeno país, considero não ser nosso interesse ver a reputação enfraquecida.
Adaptação: Alexander Thoele
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