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Japão assume papel de liderança na remoção de minas terrestres na Ucrânia

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Cerca de 23% do território ucraniano pode conter minas terrestres e outros perigos explosivos. KEYSTONE

Cerca de um quarto da Ucrânia está coberto por minas terrestres. A Conferência de Ação contra Minas na Ucrânia, realizada na Suíça, busca soluções, contando com a contribuição do Japão, líder global em remoção de minas.

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Na Cúpula de Paz da Ucrânia, realizada na Suíça em junho, o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, anuciou que o país asiático receberá a próxima Conferência de Ação contra Minas na Ucrânia (UMAC), cuja edição deste ano foi realizada na Suíça, no mês de outubro. “O Japão intensificará seus esforços na remoção de minas para possibilitar que o povo ucraniano se sinta mais tranquilo ao retomar sua vida cotidiana”, destacou o primeiro-ministro.

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Desde a invasão russa da Ucrânia em 2022, o governo japonês vem fornecendo equipamentos de desminagem e reconstrução ao Serviço de Emergência do Estado da Ucrânia.

Em julho, o governo japonês e a JICALink externo, a agência japonesa encarregada de implementar programas de cooperação técnica, entregaram quatro máquinas mecanizadas de desminagem para a Ucrânia. Essa entrega fez parte dos 91 bilhões de ienes (US$ 563 milhões) destinados a ajudar na reconstrução do país.

Produzidas pela Nikken, uma fabricante japonesa de máquinas de construção, essas máquinas de desminagem são pioneiras no mundo. Elas também podem ser utilizadas para remover detritos e podar árvores. Cerca de 20 unidades serão entregues até o final deste ano.

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Máquina de limpeza de minas da Nikken, o mesmo modelo enviado à Ucrânia. Japan International Cooperation Agency

Em 2023, o Japão também forneceu à Ucrânia 50 detectores de minas terrestres, compactos e de última geração, desenvolvidos pelo professor Motoyuki Sato, da Universidade de Tohoku. Os detectores, chamados de ALIS, combinam um detector de metais e um radar de penetração no solo (GPR, na sigla em inglês). Assim, eles conseguem visualizar as minas terrestres na tela de um tablet. Esse sistema, que já foi usado no Camboja, consegue detectar de forma rápida e exata a localização de minas terrestres sem cavar o solo.

Mas o Japão prefere oferecer aos países afetados a oportunidade de desenvolverem suas próprias habilidades para lidar com o problema.  Até o momento, a JICA realizou várias sessões de treinamento para equipes ucranianas no Japão, Camboja e Polônia. Cinquenta ucranianos aprenderam a utilizar e manter detectores de minas e equipamentos de desminagem.

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Motoyuki Sato (centro) explica como usar o ALIS para a equipe da SESU durante uma sessão de formação no Camboja. Japan International Cooperation Agency

De acordo com o governo ucraniano, cerca de 23% das terras do país podem conter minas terrestres e outros artefatos explosivos. Atualmente, cerca de seis milhões de pessoas vivem em áreas de alto risco. Mais de 900 civis já foram mortos ou feridos em minas terrestres.

A guerra na Ucrânia ainda está em andamento e, mesmo após o fim do conflito, ainda seriam necessários muitos anos para remover as minas.

“Diferentemente de outros países, nós não apenas enviamos pessoas para ajudar na remoção de minas. Nosso objetivo é aumentar as habilidades do povo ucraniano para que, no futuro, eles possam planejar e realizar a detecção e remoção de minas terrestres por conta própria”, explica Ayako Oi, que chefia o departamento de construção da paz da JICA.

25 anos de experiência no Camboja

Desde 1998, o Japão forneceu ao Camboja mais de 16 bilhões de ienes (US$ 105 milhões) para auxiliar na desativação de minas. O Camboja foi fortemente afetado pela Guerra do Vietnã e pela guerra civil subsequente, que durou 20 anos e resultou em cerca de quatro a seis milhões de minas terrestres enterradas.

No início da década de 1990, a proliferação de minas terrestres começou a causar cada vez mais preocupação na comunidade internacional. Enterradas principalmente em zonas de conflito como Camboja, Afeganistão e Angola, essas minas causaram enormes danos à população civil e prejudicaram seriamente os esforços de reconstrução e desenvolvimento após o término dos conflitos.

Com a pressão de diversas ONGs internacionais, foi criada a Convenção sobre a Proibição de Minas Antipessoal (Convenção de Ottawa), que começou a receber assinaturas em 1997 e entrou em vigor em 1999. Até o momento, 164 países assinaram ou ratificaram a convenção.

Na época, o Ministério da Defesa do Japão hesitou em assinar o tratado por motivos de segurança, mas Keizo Obuchi, então ministro das Relações Exteriores, enfatizou a importância do acordo e o assinou.

Em fevereiro de 2003, o Japão concluiu a destruição de aproximadamente um milhão de minas terrestres que estavam em seu poder.

A reunião dos Estados Partes é realizada uma vez por ano para discutir a implementação da convenção entre os signatários e as organizações internacionais.

Desde 1998, a JICA oferece apoio ao Centro de Ação contra Minas do Camboja (CMAC), uma agência do governo cambojano. A JICA fornece equipamentos para melhorar a eficiência da remoção de minas e ajuda no desenvolvimento do gerenciamento organizacional, ajudando assim o Camboja a estabelecer um sistema de remoção de minas autossustentável.

Graças às ações do CMAC, as terras limpas aumentaram de cerca de dez km2 no final da década de 1990 para aproximadamente 282 km2 em 2023.

O Camboja agora se tornou um dos países mais bem preparados para combater a presença de minas. A JICA tem trabalhado para facilitar a cooperação técnica entre as autoridades cambojanas e as de países como Colômbia, Laos, Angola e Iraque.

A ex-ministra das Relações Exteriores do Japão, Yoko Kamikawa, anunciou recentemente o lançamento de uma iniciativa conjunta com o Camboja para compartilhar conhecimento e tecnologia de desminagem com outros países. Como parte da iniciativa, especialistas cambojanos ensinaram equipes ucranianas a utilizarem detectores de minas.

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Um especialista da unidade ALIS da CMAC mostra como usar o detector durante a formação. Japan International Cooperation Agency

Desminagem em vez de exportação de armas

O Japão é um dos maiores doadores do mundo para a área de remoção de minas, tendo ficado entre os cinco maiores doadoresLink externo de 2018 a 2022.

O país tem uma política de exportação de armas rigorosamente regulamentada, especialmente no que diz respeito a armas enviadas a países em conflitos.

Após a invasão russa da Ucrânia, assim como a Suíça, o Japão sofreu pressão por parte da comunidade internacional para flexibilizar sua política de exportação de armas. Em março de 2022, logo após o início da invasão, o governo japonês revisou suas diretrizes operacionais para a transferência de equipamentos e tecnologias de defesaLink externo, o que permitiu que o país fornecesse à Ucrânia coletes e capacetes à prova de balas como “itens fora de uso”.

No final de 2023, o governo revisou novamente a política de transferência de armas. Agora, o Japão pode exportar produtos militares fabricados em solo japonês sob licenças estrangeiras. Pouco tempo depois, o Japão aprovou uma solicitação dos Estados Unidos para o envio de mísseis de defesa aérea Patriot, produzidos internamente para os EUA, gerando especulações de que eles poderiam ser enviados para a Ucrânia.

Como no caso da Suíça, no entanto, a maior parte da assistência oferecida pelo Japão à Ucrânia é na forma de ajuda humanitária e financeira.

Conteúdo externo

O auxílio à remoção de minas tornou-se, portanto, uma parte central do apoio do Japão à Ucrânia. Em uma reunião com o presidente ucraniano, Zelensky, durante a Cúpula do G7, o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, conseguiu que o Japão fosse o próximo país a sediar a Conferência de Ação contra Minas na Ucrânia, em 2025.

Os parlamentares japoneses esperam que a conferência também ofereça às empresas japonesas a oportunidade de mostrarem suas inovações na área. Além da Nikken e da Komatsu, que já fornecem máquinas de desminagem de última geração, a gigante da tecnologia NEC também desenvolveu uma tecnologia de inteligência artificial que consegue calcular onde as minas terrestres provavelmente estão enterradas. A NEC quer usar essa tecnologia na Ucrânia.

“Espero que a conferência do próximo ano intensifique ainda mais o compromisso dos países com a desminagem da Ucrânia”, declarou Ayako Oi, da JICA. “Os esforços para eliminar as minas terrestres antipessoais são essenciais para garantir a segurança e criar uma sociedade onde as pessoas possam viver em paz”, conclui.

Edição: Veronica DeVore/fh

Adaptação: Clarice Dominguez

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