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Política suíça de refugiados para ucranianos deixa muitas perguntas sem resposta

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Um incêndio ocorreu na área destruída depois que as forças russas lançaram uma série de ataques com mísseis contra Kiev, na Ucrânia, em 20 de dezembro de 2024. 2024 Anadolu

As propostas de mudança no visto de proteção S dado aos ucranianos na Suíça estão atraindo críticas e levantando dúvidas sobre suas implicações práticas e humanitárias.

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Em dezembro do ano passado, o parlamento suíço decidiu limitar a elegibilidade de refugiados ucranianos ao visto tipo S, especificando que agora ele se aplicará somente àqueles provenientes de áreas ocupadas ou sob ataque das forças russas.

Em vigor desde março de 2022, o visto S da Suíça forneceu asilo agilizado para cerca de 66.000 refugiados e refugiadas da Ucrânia. Ele possibilita que os ucranianos que solicitam proteção não passem por um longo processo administrativo, garantindo-lhes acesso mais rápido a moradia, ajuda financeira, assistência médica e transporte gratuito no cantão onde residem.

Até o momento, na Suíça, o visto foi concedido apenas a refugiados ucranianos. Outros refugiados ou migrantes precisam solicitar o visto F, que é mais demorado e mais restritivo.

A decisão do parlamento suíço de limitar o acesso dos refugiados ucranianos a esse tipo de visto foi tomada depois de muito debate no parlamento e entre as ONGs. O governo se opôs à moção, recomendando rejeitá-la.

Sua implementação levanta muitas questões, como, por exemplo, de que forma se pode definir uma zona de guerra num país onde a maioria das cidades é bombardeada regularmente e se a Suíça pode discriminar legalmente entre refugiados e refugiadas de um mesmo país.

Divergências

As novas regras foram motivadas por observações de jornalistas e políticos que consideram que algumas partes da Ucrânia são seguras e que nem todas as solicitações de refugiados devem ser tratadas da mesma forma.

“O conteúdo dos direitos concedidos pelo visto de proteção S é fonte de tensão”, diz Cesla Amarelle, professora de direito público e migratório na Universidade de Neuchâtel. “Eles são altamente híbridos e, em alguns aspectos, constituem um regime preferencial ad hoc que é inconsistente com os direitos fornecidos por outros vistos de asilo, como o visto F”.

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Consequências do ataque de mísseis russos em Kiev. Serhii Chuzavkov / Ukrinform / Nurphoto

A moção foi apoiada pelos partidos políticos de direita e de centro-direita, bem como por alguns parlamentares do Partido do Centro.

“A Suíça precisa ter espaço para refugiados de verdade. Por esse motivo, queremos realizar uma seleção com base no visto S para pessoas provenientes dessa região. Os que vivem em Lviv não enfrentam as mesmas consequências da guerra que os que vivem nas áreas mais ao leste”, disse Peter Schilliger, do Partido Liberal Radical (direita), ao parlamentoLink externo.

Lviv, localizada perto da fronteira com a Polônia, não está diretamente sob ataque russo, mas não foi poupada de bombardeiosLink externo.

Schilliger não respondeu à solicitação de entrevista feita pela SWI swissinfo.ch.

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Sem mudanças por enquanto

De acordo com as novas regras, os ucranianos e ucranianas que vivem em áreas sob controle ucraniano e sem conflito ativo não se qualificam mais para o visto S.

As novas regras também preveem a inserção dos refugiados ucranianos desempregados no mercado de trabalhoLink externo, tornando obrigatórias medidas de integração, como o estudo do idioma local. Aqueles que não cumprirem as regras poderão sofrer sanções, incluindo cortes na assistência social.

O governo está atualmente avaliando como implementar essa moção e ainda não está claro quando as mudanças entrarão em vigor.

A Secretaria de Estado para Migração (SEM) disse à SWI swissinfo.ch por e-mail que “por enquanto não haverá mudanças para os ucranianos que solicitarem proteção temporária na Suíça ou para aqueles que já receberam o visto S”.

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Nina Schläfli, do Partido Socialista, de esquerda. Keystone / Alessandro Della Valle

Questões sem resposta

As novas regras envolvem tanto as preocupações com a segurança nacional suíça quanto as obrigações humanitárias do país. Elas provocaram debates dentro e fora da Suíça, especialmente com relação a como elas se encaixam nas tendências mais amplas da migração europeia.

Nina Schläfli, do Partido Socialista (esquerda), votou contra as novas regras e diz que espera que “todos os refugiados possam encontrar proteção na Suíça”.

“A decisão de negar essa proteção a algumas pessoas contradiz o compromisso da Suíça com a paz na Ucrânia. Como um país neutro, nossas opções de apoio a países em guerra são limitadas, portanto, deveríamos estar ainda mais comprometidos com as áreas em que podemos realmente ajudar”, diz ela.

Em novembro de 2024, a Suíça registrou 2.325 pedidos de asilo, uma redução de 26% em relação ao ano anterior. O Afeganistão foi o principal país de origem, seguido pela Turquia, Argélia e Marrocos. A Secretária de Estado para Migração (SEM) registrou 25.884 pedidos em 2024, abaixo dos 27.980 em 2023. Desses pedidos, 356 eram secundários e 1.969 primários. A SEM tomou decisões sobre 2.859 pedidos, aprovando pouco mais de um quarto. Além disso, 859 pessoas sem direito de residência deixaram a Suíça.

O que é uma zona segura?

O principal questionamento suscitado pelas novas regras é sobre o que define uma zona de guerra em um país em guerra. Além disso, também se questiona como essas restrições podem afetar os direitos e a proteção dos refugiados ucranianos que não se qualificam mais para o status S.

“O Conselho Federal precisa determinar quais regiões são consideradas ‘seguras’. Isso vai ser difícil”, afirma Cesla Amarelle.

Algumas pessoas, como o correspondente de guerra suíço Kurt Pelda, que escreve para o jornal Aargauer ZeitungLink externo, veem isso como uma continuação da abordagem historicamente cautelosa da Suíça em relação à migração. Outras, como Daniel Gerny, jornalista do jornal Neue Zürcher ZeitungLink externo, veem as mudanças como uma resposta problemática à guerra na Ucrânia. Ambos escreveram artigos de opinião sobre o assunto em seus respectivos jornais.

“A revogação do status S ou a diferenciação regional prejudicará a solidariedade na Europa”, disse o ministro da Justiça, Beat Jans, ao parlamento em 2 de dezembroLink externo.

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Monika Bickauskaite-Aleliune, ex-diretora de engajamento em políticas globais do Legatum Institute, com sede em Londres, e ex-pesquisadora do German Marshall Fund. Cortesia

Monika Bickauskaite-Aleliune, ex-funcionária do Legatum Institute e ex-pesquisadora do German Marshall Fund, diz que as novas regras suíças são “problemáticas, pois a Ucrânia como um todo está sofrendo com a guerra da Rússia”.

“A Rússia realizou 12 ataques em grande escala à infraestrutura de energia da Ucrânia este ano.  Muitos países do Leste Europeu, apesar da capacidade limitada, estão recebendo o dobro de refugiados que a Suíça e suportando um fardo mais pesado”, diz ela.

A Polônia abriga quase um milhão de refugiados, de acordo com dados da ONU.

Bickauskaite-Aleliune traça um paralelo com a Segunda Guerra Mundial, quando “a neutralidade da Suíça e as políticas restritivas de imigração tiveram consequências devastadoras para os judeus que fugiam da perseguição nazista”. Hoje, ela argumenta, a Suíça tem a oportunidade de seguir um caminho diferente.

Turismo em zonas de guerra para políticos suíços

“A abordagem suíça é certamente discriminatória”, diz o advogado ucraniano Dmytro Nykyforov via Zoom. Ele cita como exemplo um homem que morreu num bombardeio em Kiev, onde o próprio advogado está, no dia da entrevista, 20 de dezembro. No total, 12 pessoas ficaram feridas e seis delas foram hospitalizadas. Prédios residenciais, edifícios empresariais, um hotel e uma tubulação de aquecimento também foram danificados, deixando 630 edifícios, instalações médicas e escolas sem aquecimento.

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O político ucraniano David Sakvarelidze, ex-promotor e advogado, também vive em Kiev e também envia um apelo aberto aos políticos suíços. “O local atingido pelos ataques russos hoje é um ponto central de Kiev”, disse à SWI swissinfo.ch. “Sugiro que os políticos suíços venham e se hospedem em meu apartamento para ver como é”. Cortesia

Kiev continua sob o controle do governo ucraniano e, consequentemente, os refugiados da capital ucraniana não se qualificariam para o status S de acordo com as novas regras. Até o momento da publicação deste texto, o embaixador ucraniano não havia respondido às solicitações de comentários.

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Restos de mísseis lançados pelas Forças Armadas russas sobre Kiev em 2022. Dmytro Nykyforov

Em janeiro de 2023, Nykyforov lançou o projeto War ToursLink externo, voltado para a realização de turismo militar na Ucrânia com o objetivo de aumentar a conscientização sobre as consequências da guerra no país. “Gostaria de convidar todos os parlamentares suíços que aprovaram essa lei para um tour em Kharkiv, para que possam ver como as pessoas vivem em uma zona de combate ativa”, diz ele, referindo-se à segunda maior cidade da Ucrânia. “Também os convidamos para uma visita a Kiev, para que sintam a diferença e entendam se a vida nas grandes cidades é realmente tão pacífica quanto parece do exterior”.

O político ucraniano David SakvarelidzeLink externo, ex-promotor e advogado, também vive em Kiev e faz um apelo aos políticos suíços. “O local que foi atingido pelos ataques russos hoje é um ponto central de Kiev”, disse ele à SWI swissinfo.ch. “Sugiro que os políticos suíços venham e se hospedem no meu apartamento para ver como é”.

Edição: Virginie Mangin/fh
(Adaptação: Clarice Dominguez)

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