The Swiss voice in the world since 1935

Quais foram os resultados alcançados pela Suíça no Conselho de Segurança da ONU?

Mulher apertando a mão de um homem
Pascale Baeriswyl, representante permanente da Suíça na ONU e presidente do Conselho de Segurança para o mês de outubro, apertando a mão de Riyad Mansour, embaixador palestino na ONU, durante reunião do Conselho de Segurança sobre a situação no Oriente Médio. 2024 Getty Images

Em 2023 e 2024, a Suíça atuou pela primeira vez como membro eleito do Conselho de Segurança da ONU, tendo ocupado, em outubro de 2024, a presidência do órgão pela segunda vez. O que um país como a Suíça poderia alcançar neste posto, tendo em vista o contexto internacional altamente polarizado? Acompanhe nossa análise.

A Suíça entrou para o Conselho de Segurança da ONU em um momento extremamente difícil, marcado por forte competição geopolítica, o que acabou impedindo o órgão de lidar efetivamente com o enorme sofrimento humano em conflitos como os de Gaza, Ucrânia, Sudão e Mianmar. Os cinco membros permanentes do Conselho – China, EUA, França, Reino Unido e Rússia – estão fazendo cada vez mais uso de seu direito de vetoLink externo: cinco resoluções foram vetadas somente sobre Gaza antes que o Conselho pudesse finalmente pedir um cessar-fogoLink externo, o que ocorreu com a Resolução 2728, em março de 2024.

Sara Hellmüller e Lucile Maertens

Sara Hellmüller (pesquisadora sênior do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique – ETH) e Lucile Maertens (professora-associada do Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento – IHEID, sediado em Genebra) são parceiras de pesquisa no projetLink externoo que documenta, no âmbito acadêmico, a primeira participação da Suíça no Conselho de Segurança da ONU. Esse projeto é uma cooperação entre o Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais e do DesenvolvimentoLink externo, o Instituto Federal de Tecnologia de ZuriqueLink externo e a Universidade de LausanneLink externo, com financiamento da Fundação para a Universidade de LausanneLink externo.

Ações unilaterais dos Estados-membros que desgastam as Nações Unidas, como a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, e o atraso no pagamento das contribuições devidas, levando a uma crise crítica de liquidez, corroem o multilateralismo. O mês de outubro de 2024, quando a Suíça assumiu a presidência do Conselho, foi especialmente desafiador. A ONU foi seriamente atacada, tanto em termos de retórica, quando o governo israelense declarou seu secretário-geral “persona non grata”, quanto concretamente, quando o Exército de Israel atacou os capacetes azuis da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil), no sul do país; e quando o Parlamento israelense proibiu as atividades da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA).

Um contexto polarizado como esse pode impedir que os membros eleitos deem vazão a seu potencial de ação, pois eles esbarram nos limites da política do poder – o que cerceia, em última análise, sua influência. No caso da Suíça, em particular, o mandato foi debatido internamente, e sua candidatura ficou sujeita a uma decisão parlamentar. Ao mesmo tempo, o mandato suíço mostra que os membros eleitos podem, sim, desempenhar papéis importantes: o país contribuiu para o avanço de questões temáticas e geográficas e usou métodos de trabalho inovadores para contornar bloqueios.

Avanço em questões temáticas e geográficas

Durante seu mandato, a Suíça se estabeleceu como forte defensora do Direito internacional. O país chamou a atenção para o Direito humanitário em todas as suas intervenções sobre temas politicamente sensíveis e promoveu questões específicas, como a proteção de civis em regiões de conflito. A adoção da resolução suíça sobre a proteção de funcionários humanitários e das Nações Unidas em áreas de conflitoLink externo constituiu um sucesso diplomático do país em especial. A Suíça também fortaleceu seus instrumentos jurídicos, atuando, por exemplo, como “ponto de convergência” para questões relacionadas ao Tribunal Penal Internacional (TPI)Link externo, ao lado do Japão; e lembrando a importância das Convenções de Genebra durante uma visita informal do Conselho à cidadeLink externo, em agosto de 2024.

Os membros do Conselho de Segurança da ONU ficam lado a lado do lado de fora, com uma enorme escultura de cadeira ao fundo
O Ministro das Relações Exteriores da Suíça, Ignazio Cassis, à direita, e convidados posam atrás de cadeiras para marcar o 75º aniversário das Convenções de Genebra na Place des Nations, em frente à sede europeia das Nações Unidas em Genebra. Keystone / Salvatore Di Nolfi

A Suíça também contribuiu para manter a segurança climática na agenda, apesar da contestação de alguns Estados-membrosLink externo. O discurso sobre segurança climáticaLink externo foi integrado nas renovações de mandatos para as missões de paz, como no caso do Escritório Integrado das Nações Unidas no HaitiLink externo (BINUH). A Suíça foi também co-autora, ao lado de Sierra Leone, da declaração presidencialLink externo, do dia 24 de maio de 2024, sobre o Sahel e a África Ocidental, reconhecendo o efeito exacerbado das mudanças climáticas sobre a segurança na região. Além disso, a Suíça compartilha com Moçambique a coordenação de um grupo informal de especialistas em segurança climáticaLink externo.

Por fim, especialmente durante sua presidência, a Suíça também promoveu a pauta Mulheres, Paz e Segurança (WPS, na sigla em inglês), com a presidente suíça Viola Amherd à frente do debate anualLink externo aberto sobre o assunto, lembrando a importância de uma maior participação das mulheres nos processos de paz. A Suíça também convidou muitas mulheres para o Conselho, equiparando-as em número ao contigente de homens (28 por gênero)Link externo, tendo também organizado um evento para a imprensa sobre o papel vital das mulheresLink externo na construção da paz, que antecedeu uma reunião do Conselho sobre a Colômbia.

No que diz respeito a questões geográficas, a Suíça contribuiu para a renovação dos mandatos das missões de paz da ONULink externo. Apesar dos recuos – já que as principais operações de manutenção da paz, como a de MáliLink externo e a da República Democrática do CongoLink externo, foram interrompidas ou estão em processo de retirada – , outras missões tiveram seu mandato renovado, como a da ColômbiaLink externo e a do Sudão do SulLink externo. A Suíça, em particular, conduziu com sucesso as negociações sobre a renovação do mandato da EUFOR ALTHEA na BósniaLink externo, em novembro de 2023.

O mês da presidência suíça foi particularmente marcado por desafios relacionados à escalada das tensões no Oriente Médio. Berna usou as diferentes ferramentas, que tinha a seu dispor na presidência, para responder a essa situação. Uma das ações, por exemplo, foi a organização de um evento de mídiaLink externo em apoio ao secretário-geral António Guterres, além de declarações à imprensa, em nome de todos os membros do Conselho, denunciando os ataquesLink externo às forças de paz, como a Unifil, e destacando o trabalho indispensávelLink externo da UNRWA. O Conselho, sob a presidência suíça, também organizou reuniões de emergência, entre outras em resposta à escalada da violência entre Irã e IsraelLink externo.

Mostrar mais

Debate
Moderador: Giannis Mavris

Qual o futuro da neutralidade suíça?

Talvez o modelo de neutralidade não se sustente em um mundo cada vez mais polarizado. Qual é a sua opinião? Escreva seu comentário aqui.

382 Curtidas
278 Comentários
Visualizar a discussão

Inovando através de métodos de trabalho

A Suíça também optou por abordagens inovadoras no contexto dos métodos de trabalho do Conselho. Em primeiro lugar, o país baseou suas ações em coalizões, no know-how diplomático e em sua reconhecida expertise para esboçar resoluções e fazer com que sejam adotadas. Esse foi o caso, por exemplo, da Resolução 2728Link externo, em prol de um cessar-fogo em GazaLink externo – a primeira resolução apresentada por todos os dez membros eleitos.

Em segundo lugar, a Suíça tentou renovar a abordagem do Conselho em relação aos fatos, defendendo o que chamou de diplomacia científicaLink externo. Embora já tivesse organizado uma reunião informal sobre esse assunto durante sua primeira presidência, em maio de 2023, Berna deu continuidade a esse item da agenda durante sua segunda presidência, em outubro de 2024, por meio de uma reunião de alto nível, presidida por Ignazio Cassis, ministro suíço das Relações Exteriores. Isso levou a uma declaração presidencialLink externo consensual, reconhecendo o papel do desenvolvimento científico para a paz e a segurança. A Suíça explorou o papel altamente político do presidente do Conselho, para se posicionar em prol de discussões e tomadas de decisão menos polarizadas e mais baseadas em evidências.

Uma mulher falando em um plenário com muitos presentes
Pascale Baeriswyl em um briefing do Conselho de Segurança da ONU sobre o Oriente Médio e a situação em Israel. Keystone / Alessandro Della Valle

Em terceiro lugar, a Suíça retomou as visitas de campo com os membros do Conselho. Na primeira delas, um grupo informal do Conselho, com especialistas sobre Mulheres, Paz e Segurança, viajou ao Sudão do Sul; em seguida, Berna coliderou uma missão à ColômbiaLink externo, em fevereiro de 2024. Ao descentralizar o Conselho, a Suíça contribuiu para combater as críticas a um órgão, cujos jogos políticos e bloqueios podem parecer desconectados da realidade do campo.

Por fim, a Suíça reforçou as parcerias existentes entre o Conselho e as organizações regionais, especialmente a União Africana. Durante a primeira presidência da Suíça, Viola Amherd interveioLink externo para apoiar o financiamento de operações de paz lideradas pela União Africana, que foi endossado em uma resolução adotada em dezembro de 2023Link externo. A Suíça também facilitou eventos conjuntosLink externo entre a ONU e a União Africana, fortalecendo sua imagem de promotora do multilateralismo.

Apesar dessas importantes contribuições, persistem enormes tensões entre as grandes potências. As resoluções nem sempre são implementadas e o efeito de longo prazo da inovação nos métodos de trabalho ainda precisa ser avaliado.

O que vem pela frente?

O legado do primeiro mandato da Suíça no Conselho de Segurança é diverso. Em curto prazo, resta saber se a Suíça pode capitalizar seu respeitado perfil internacional, para manter seu papel de defensora do multilateralismo – inclusive por meio de seus compromissos com o Conselho da EuropaLink externo e com o Conselho de Direitos Humanos das Nações UnidasLink externo, e das relações estreitas que construiu especialmente com os cinco membros permanentes.

Em médio prazo, o mandato da Suíça no Conselho de Segurança também pode ter efeitos sobre Genebra como centro internacional: a Suíça vem promovendo especialistas baseados na cidade e o conhecimento especializado, enfatizando a importância do diálogo Genebra-Nova York. O futuro vai mostrar se esses esforços facilitam permanentemente colaborações mais próximas entre os dois centros da ONU.

Em longo prazo, a interpretação dos sucessos (e dos fracassos) desse primeiro mandato vai inevitavelmente afetar a decisão de delegar à Suíça um segundo em futuro próximo.

De modo geral, a experiência suíça no Conselho demonstrou o quanto essa posição exige dos membros eleitos – tanto em termos do nível de especialização exigida quanto dos riscos políticos que dali resultam. A experiência demonstrou também o papel crucial que os membros eleitos desempenham, especialmente em face de um Conselho altamente polarizado, que depende da coragem política e da disposição para inovar ou até mesmo para reformar o atual sistema.

(Adaptação: Soraia Vilela)

Mostrar mais

Mais lidos

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR