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Suíça tenta evitar colisão entre potências orbitais

Foguete decolando
Um foguete da SpaceX é lançado no Cabo Canaveral, Flórida, em setembro de 2024, transportando cinco satélites comerciais para a órbita baixa da Terra. Nos últimos 20 anos, o número de lançamentos de satélites aumentou em 50%, enquanto os custos de lançamento caíram dez vezes, de acordo com o WEF. Keystone

Em meio à corrida espacial que reacende tensões entre potências e militariza a órbita terrestre, a Suíça aposta na diplomacia: quer mediar conflitos, promover regras comuns e evitar uma guerra fora do planeta.

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Em novembro de 2021, ao lançar um míssil a 480 quilômetros no espaço, a Rússia destruiu um satélite Kosmos obsoleto. Quando essa estrutura da era soviética explodiu, centenas de milhares de partes de destroços voaram para a órbita baixa da Terra, forçando a equipe a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS) a se proteger.

De volta à Terra, o teste serviu como um lembrete de que, com cerca de 10 mil satélites (ou mais) ativos pairando sobre nós, a infraestrutura espacial é vulnerável a danos catastróficos – seja como um alvo deliberado ou em função de uma colisão.

“O ambiente orbital deve ser compartilhado por todos os agentes espaciais”, afirma Clémence Poirier, pesquisadora de ciberdefesa do Centro de Estudos de Segurança da Escola Politécnica Federa de Zurique (ETH).

Devido à alta velocidade, uma única peça de destroços, com apenas um centímetro de diâmetro, pode destruir um satélite de algumas toneladas, explica. “Um incidente físico pode acabar afetando todos nós”, completa Poirier.

Tanto as nações maiores quanto as pequenas, que se envolvem com o espaço sideral, estão enfrentando essa realidade. A Suíça, que se autodenomina “uma das 20 nações mais ativas no espaço”, tendo por base os investimentos governamentais, elaborou sua primeira lei sobre operações espaciaisLink externo, que se encontra agora submetida à consulta.

Suas ambições não são puramente econômicas e científicas. À medida que o espaço se torna cada vez mais repleto, tanto de agentes comerciais quanto estatais, a Suíça quer “promoverLink externo ali um comportamento responsável, bem como servir de mediadora e construtora de pontes, quando possível”.

Espaço como “domínio operacional”

A rivalidade entre os Estados Unidos e a União Soviética, que dominou os primórdios da era espacial há 65 anos, não define mais o espaço nos dias de hoje. Mais de 70 países têm atualmenteLink externo sua própria agência espacial, sendo 16 deles capazes de realizar lançamentos espaciais.

O número de satélites lançados cresce como nunca – a empresa Starlink, de Elon Musk, é sozinha responsável por quase 7 mil deles –, enquanto os investimentos no espaço atingiram um recorde de 70 bilhões de dólares (62 bilhões de francos suíços) em 2021 e 2022, segundo estudosLink externo do Fórum Econômico Mundial, cujas estimativas apontam que, até 2035, a economia espacial atingirá o valor de aproximadamente 1,8 trilhão de dólares.

A Suíça quer abocanhar uma fatia desse bolo. Embora não tenha sua própria agência espacial, ela é membro fundador da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) e pretende “formatar as atividades espaciais europeias e internacionais”. Por essa razão, o país está construindo uma estrutura legal para as 250 startups, empresas e universidades do país envolvidas no setor.

O governo suíço investe cerca de 305 milhões de francos suíços em atividades espaciais por ano. Isso inclui contribuições para a ESA (totalizando 600 milhões de francos suíços em três anos), bem como para a Organização Europeia para a Exploração de Satélites Meteorológicos, Horizon Europe e atividades do setor espacial nacional.

Esse investimento, segundo o governo em sua Política Espacial de 2023Link externo, retorna para a economia interna, incluindo a criação de cerca de 1500 empregos no setor de alta tecnologia.

Ao mesmo tempo, há empenho em apoiar o desenvolvimento da governança espacial. Já existem princípios internacionais básicos que regem as atividades no espaço sideral.

Alguns deles podem ser encontrados no Tratado do Espaço Exterior da ONULink externo de 1966, segundo o qual todos os Estados são livres para explorar o espaço para fins pacíficos e nenhum deles pode reivindicar soberania ou colocar armas de destruição em massa em órbita.

Nos últimos anos, entretanto, as nações perceberam que há uma necessidade urgente de regulamentação adicional, a fim de enfrentar as ameaças emergentes. Os detritos espaciais são apenas uma delas.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) considera o espaço “um domínio operacional”, já que algumas forças armadas obtêm a capacidade de atingir a infraestrutura no espaço, como, por exemplo, através de mísseis antissatélite.

Gráfico
SWI / Kai Reusser

As principais potências espaciais estão, segundo afirma Poirier, desenvolvendo também tecnologias de dupla utilização, como por exemplo braços robóticos projetados para remover detritos espaciais (uma missão civil), mas que podem ser usados para fins militares, como eliminar o satélite de um adversário.

Ciberataques são, aponta Poirier, outra ameaça crescente. Suspeita-seLink externo que a Rússia, quando começou a invasão da Ucrânia em 2022, tenha praticado um desses ataques contra uma rede de satélites que disponibiliza acesso à internet na Europa.

No entanto, muitas tentativas de alto nível, para chegar a um acordo sobre novas regras, acabaram fracassando. Há mais de uma década, a UE elaborou um código internacional de conduta no espaço, que, por fim, não conseguiu a adesão dos principais países, entre eles dos EUA.

Mais recentemente, depois que a Rússia derrubou seu próprio satélite, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma resolução, pedindo uma moratória nos testes de armas de destruição antissatélite de ascensão direta. Dos países que demonstraram essa capacidade – Rússia, China, EUA e Índia –, apenas os EUA apoiaram a resolução.

Abdicar de testes destrutivos de mísseis é um exemplo do que a Suíça considera “comportamento responsável”, declara Natália Archinard, responsável por questões relacionadas ao espaço sideral no Ministério suíço das Relações Exteriores. A resolução da ONU, contudo, mostra a falta de consenso global nessa questão – segundo Archinard, essas divergências refletem as diferenças em termos de segurança nacional e interesses comerciais distintos dos envolvidos.

Programa espacial civil ou militar?

Os principais envolvidos são, acima de tudo, a China e os EUA – concorrentes estratégicos na Terra e agora presos em uma rivalidade no espaço. Bill Nelson, ex-administrador da NASA, a agência espacial dos EUA, afirmouLink externo que os dois países estariam “em uma corrida espacial”.

A NASA está intensificando o Artemis, seu projeto de retorno à Lua, e está se preparando para uma missão com uma tripulação a Marte. Mais de 50 países, incluindo a Suíça, assinaram os Acordos ArtemisLink externo, liderados pelos EUA, que reforçam o compromisso com atividades espaciais cooperativas para fins pacíficos, conforme estabelecido no Tratado do Espaço Exterior.

Mais sobre as órbitas de influência dos EUA e da China na Terra:

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US and Chinese flags in Washington, DC

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O que a Suíça pode fazer na rivalidade EUA-China

Este conteúdo foi publicado em O aumento das tensões entre as duas potências representa um desafio para os países menores à margem, que querem evitar ser apanhados no meio da briga.

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A China, por sua vez, pretende se tornar uma superpotência espacial até 2045 e está coletando amostras do outro lado da Lua. Em conjunto com a Rússia, o país está desenvolvendo uma Estação Internacional de Pesquisa Lunar, com cerca de 13 países parceiros, incluindo África do Sul, Venezuela e Tailândia.

A China construiu também sua própria estação espacial, a Tiangong, depois de ter sido excluída da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) pelo Congresso dos EUA por razões de segurança.

Nelson acusou o programa espacial civil da China de ser também um programa militar. Dos 700 satélites chineses em operação, 245 são usados para fins militares, alegam as agências de inteligência dos EUA.

Os chineses, por outro lado, insistemLink externo que suas ambições espaciais são pacíficas e que estão comprometidos com o desenvolvimento da governança internacional do espaço sideral.

Módulo lunar da China
A Organização Espacial Nacional da China (CNSA) lançou com sucesso uma missão, chamada Chang’e-6, em junho de 2024, para coletar amostras do lado oposto da Lua. A China planeja concluir a construção de um ILRS robótico básico até 2035, com uma rede que será estendida para o lado oposto até 2050. Keystone/CSNA

Em vez de competir, esses projetos espaciais rivais poderiam ser complementares, afirma Victoria Samson, especialista em segurança espacial da Secure World Foundation, uma ONG dedicada à sustentabilidade do espaço sediada em Washington.

Como signatária do Tratado do Espaço Exterior, é provável que a China esteja realizando suas atividades na Lua de acordo com princípios semelhantes aos dos Acordos de Artemis, completa Samson. Para dissipar quaisquer dúvidas, o país deveria publicá-los, acrescenta a especialista.

Ampliando a experiência da Suíça com a mediação

Em meio a essas tensões, a Suíça pretende atuar como construtora de pontes no espaço sideral – o que, segundo Archinard, está “muito alinhado a seu tradicional papel na diplomacia multilateral”.

A Suíça mantém-se ativa em várias discussões lideradas pela ONU sobre governança espacial. Neste contexto, os suíços estão trabalhando de forma pragmática e gradual, em um “passo a passo” de novos princípios, como pontua Archinard – alguns desses princípios juridicamente vinculativos e outros não, o que impediria que conflitos armados fossem travados no espaço.

Por exemplo, no Comitê das Nações Unidas sobre os Usos Pacíficos do Espaço Exterior (COPUOS), onde Archinard lidera a delegação suíça, o país ajudou a obter a adoção de 21 diretrizesLink externo sobre a sustentabilidade de longo prazo das atividades espaciais.

A Suíça contribuiu também com a diretriz D2, incentivando soluções tecnológicas para administrar os detritos espaciais e reduzir os riscos de colisão.

Como construtora de pontes, o país pode “ajudar a facilitar o diálogo e construir um entendimento comum sobre determinados assuntos”, afirma Archinard. “Ou apresentar propostas que, em nossa opinião, poderiam levar a um consenso de todos os lados”, completa.

Saiba mais sobre o papel dos bons ofícios da Suíça na diplomacia:

Poirier concorda que a Suíça pode “estender sua já reconhecida experiência em mediação para outro domínio”. A pesquisadora vê até mesmo um papel para o país no desenvolvimento do gerenciamento do tráfego espacial, ou de um sistema global de operações de satélite semelhante ao controle de tráfego aéreo na aviação, a fim de ajudar a evitar colisões.

“A Suíça é um país neutro, que não possui satélites militares nem armas direcionadas contra o espaço, portanto, não tem interesse em favorecer uma operadora em detrimento de outra”, analisa Archinard. “De forma que a Suíça poderia exercer um papel de mediadora, colocando as operadoras em contato, a fim de diminuir os desentendimentos, sobretudo quando lados como os EUA e a China, que querem evitar uma colisão, estão lutando para conversar um com o outro”, conclui.

Samson também acredita que, se agirem de boa fé, os países poderão chegar a um acordo sobre a governança espacial. “O importante é continuar conduzindo essas discussões”, propõe.

Edição: Lindsey Johnstone/vm/ts

Adaptação: Soraia Vilela

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Debate
Moderador: Geraldine Wong Sak Hoi

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