Suíça vira as costas aos Bálcãs?
A Suíça quer reduzir as verbas destinadas à cooperação para o desenvolvimento a favor do armamento militar. Isso afetaria também os Bálcãs Ocidentais, uma região geopoliticamente importante.
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Na Suíça neutra, os sinais apontam para um aumento militar: nos próximos quatro anos, quatro bilhões de francos adicionais deverão ser investidos no exército, pelo menos se depender do desejo do Conselho dos Estados (Senado). Mas de onde virá o dinheiro? As finanças públicas estão mais apertadas do que no passado. E a Suíça não pode comprar armas a crédito: isso é proibido pelo mecanismo de freio à dívida, que exige um orçamento equilibrado.
Uma proposta que encontra apoio principalmente no campo conservador de direita é: metade do dinheiro para o Exército deve vir do orçamento da cooperação ao desenvolvimento. A maior parte disso seria poupado na Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação (DezaLink externo, na sigla em alemão) – o que provavelmente resultaria na retirada de 6 a 8 dos 34 países prioritários da política de desenvolvimento suíça.
Entre eles estariam também a Albânia, a Sérvia e a Bósnia e Herzegovina – países com uma grande diáspora na Suíça.
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Com isso, a Suíça seguiria um caminho diferente da maioria dos países europeus. Os Bálcãs Ocidentais são considerados uma região geoestratégica importante, cuja relevância aumentou ainda mais desde a invasão russa da Ucrânia em 2022.
É uma região prioritária para a União Europeia, que no último inverno aprovou um plano de crescimentoLink externo e concedeu a Bósnia e Herzegovina o estatuto de país candidato à adesão (juntamente com a Ucrânia e a Moldávia). Também Estados individuais, como Alemanha e Áustria, consideram os Bálcãs Ocidentais como uma região importante para sua cooperação ao desenvolvimento.
Receios de uma organização suíça de desenvolvimento
Entre os afetados pelos cortes estariam ONGs que atuam no terreno por meio da Deza. Por exemplo, a Helvetas, uma organização de cooperação ao desenvolvimento e ajuda humanitária, que atua nos Bálcãs Ocidentais há duas décadas.
Uma retirada da região seria um erro do ponto de vista da política de segurança, afirma Matthias Herr, diretorLink externo do Departamento da Europa Oriental da Helvetas. “Maiores investimentos no setor militar são um interesse legítimo da Suíça. Mas a cooperação ao desenvolvimento também faz parte da política externa e de segurança”, diz Herr. E: “A cooperação ao desenvolvimento contribuiu muito para a estabilização da região, especialmente nos Bálcãs Ocidentais”.
Uma retirada da região criaria um vácuo que seria rapidamente preenchido por países como Rússia, China, Arábia Saudita ou Turquia, acredita Herr. Esses países expandiriam sua influência política por meio de seu engajamento – e vinculando seu apoio a condições menos rigorosas, o que poderia, por exemplo, favorecer a corrupção e padrões ambientais mais baixos.
A região enfrenta grandes problemas: o desemprego e a emigração são elevados, em alguns países há uma crescente tendência autoritária, déficits econômicos estruturais e corrupção persistem. A Helvetas aborda esses problemas por meio de duas prioridades temáticas: promoção econômica (principalmente perspectivas profissionais para jovens) e governança (como processos de descentralização, fortalecimento das administrações locais ou promoção da sociedade civil) – com resultados mensuráveis.
Uma crítica à cooperação ao desenvolvimento é que ela sustentaria governos democraticamente questionáveis. Herr responde a isso: “Se não nos envolvêssemos, essas tendências autoritárias provavelmente se intensificariam”. A descentralização e as sociedades civis fortes são importantes corretores nesses estados, que foram governados de maneira centralista e autoritária durante a Guerra Fria, com impactos que persistem até hoje.
Curso paradoxal da UE
A Guerra Fria e os subsequentes conflitos na região parecem distantes, levando alguns a questionar por que o Bálcãs ainda deve receber ajuda ao desenvolvimento, diz Adnan Ćerimagić, analistaLink externo da Iniciativa Européia de Estabilidade: “Metade dos países está na OTAN, alguns têm perspectiva de aderir à EU”. Contudo, uma análise superficial não reconhece que a evolução não é irreversível.
As tensões políticas aumentaram novamente, especialmente entre Kosovo e Sérvia e dentro da Bósnia e Herzegovina. Ademais: “Os fatores econômicos e sociais falam por si: a distância em relação aos outros estados europeus não está diminuindo – está aumentando”, afirma Ćerimagić.
Ćerimagić está menos preocupado com a possibilidade de uma retirada suíça criar um vazio que seria preenchido, por exemplo, pela Rússia. Ele espera que simplesmente permaneçam lacunas.
Ele não acredita que outros estados europeus preencheriam essas lacunas: “O processo de adesão à UE tem um efeito paradoxal: quando um país finalmente entra, os países europeus costumam interromper sua ajuda bilateral, enquanto a UE fornece recursos financeiros, mas em menor quantidade. E, como se vê, a maioria dos processos está de fato bloqueada – o que mantém os estados da região em um limbo”.
Se a Suíça se retirasse agora, redes e conhecimentos acumulados ao longo de décadas seriam perdidos, explica Ćerimagić. A contribuição do paísLink externo para a Bósnia e Herzegovina em 2023, por exemplo, foi de 16 milhões de francos (juntamente com a Albânia e a Sérvia, soma cerca de 75 milhões). Dado o modesto montante, seria preciso questionar em Berna se uma retirada de uma vizinhança frágil em tempos de formação de blocos políticos realmente serviria aos objetivos da política externa.
Finanças apertadas
O objetivo da ONU de destinar 0,7% do PIB para a ajuda ao desenvolvimento é reconhecido também pela Suíça como uma meta de longo prazo – mas, como a grande maioria dos países, ela nunca a alcançou (no ano passado, foi a primeira vez que atingiu 0,6%).
Agora, a cooperação internacional está sob pressão em toda a Europa. As razões são diversas: a pandemia e a guerra na Ucrânia consumiram muitos recursos financeiros, e, em geral, muitos países têm menos recursos disponíveis.
O elevado número de refugiados ucranianos levou a despesas adicionais em muitos países europeus – despesas que podem ser contabilizadas nos orçamentos de cooperação internacional. Além disso, a ajuda ao desenvolvimento está sendo redirecionada para a Ucrânia – a Suíça planeja utilizar 15% de sua ajuda total para este fim.
Leia abaixo: o governo suíço quer financiar a reconstrução da Ucrânia às custas de outras regiões:
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Mais ajuda à Ucrânia e menos ao desenvolvimento
Há também um componente ideológico: o crescimento de partidos conservadores e de direita, tradicionalmente hostis à ajuda ao desenvolvimento, levou a cortes nos fundos. Cada vez menos dinheiro sai das fronteiras nacionais.
E quando o faz, é para benefício próprio: os fundos da cooperação internacional estão sendo cada vez mais utilizados para promover interesses econômicos próprios – uma tendência que se observa por toda a Europa.
Um exemplo é o da Suécia: após a chegada ao poder de um governo conservador, os órgão públicos dedicados à ajuda ao desenvolvimento e ao comércio foram fundidosLink externo. Embora os Balcãs Ocidentais continuem sendo importantes para Estocolmo, o governo pretende principalmente utilizar “sinergias com atividades da EU” para este fim.
A Suíça, por sua vez, fez outra mudança em sua estratégiaLink externo de cooperação internacional: A ajuda ao desenvolvimento está agora “estrategicamente vinculada” à política de migração. Os resultados até agora têm sido díspares.
Grande retirada?
Se a Suíça realmente reduzir seu orçamento para ajuda ao desenvolvimento, os Bálcãs Ocidentais não seriam a única região afetada. Uma retirada também poderia impactar outros países prioritários para a cooperação internacional, como Geórgia, Tunísia, Egito, Mianmar e Mali.
Além disso, está prevista uma redução da ajuda humanitária de quase meio bilhão de francos suíços. Isso poderia significar uma retirada de áreas de crise como Afeganistão, Síria, Iêmen e Sudão — países que são mais pobres do que os estados dos Bálcãs Ocidentais. Também há a possibilidade de cortes nas contribuições para organizações internacionais como o ACNUR ou a Cruz Vermelha Internacional.
Os cortes planejados são notáveis, pois há anos existe uma maioria na população que deseja expandir a ajuda ao desenvolvimento: embora tenha diminuído, a maioria ainda é sólida, de acordo com um estudo recente da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH)Link externo, com 58%. O Parlamento deve se debruçar novamente sobre o tema no outono.
Edição: Marc Leutenegger
Adaptação: Karleno Bocarro
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