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“A União Europeia não é um Titanic à espera do iceberg”

Wolfgang Schüssel quando ainda era chanceler austríaco em um encontro de governos europeus na Finlândia (2006). Keystone

A adesão da Grécia à zona euro foi um erro, admite o ex-chanceler austríaco Wolfgang Schüssel. Porém não existe alternativa a mais um pacote de socorro ao país mediterrâneo.

Em entrevista à swissinfo.ch durante um seminário na Deutsche Welle em Bonn, o político lembra que a Suíça paga um preço alto por não aderir à União Europeia e apresenta soluções à atual crise.

Wolfgang Schüssel é um político tarimbado em questões europeias. Além de ocupar vários cargos de ministros em diferentes governos, o vienense foi chanceler da Áustria de 2000 a 2007 e, como tal, participou de processos importantes como a introdução do Euro, a adesão da Grécia à união monetária e também a expansão da União Europeia.

swissinfo.ch: Quais são os responsáveis pela atual crise na Grécia? 

Wolfgang Schüssel: Essa não é uma pergunta fácil de responder, pois existem muitas causas para a crise. Uma delas é que, durante décadas, os gregos e, sobretudo, os políticos gregos, nunca prestaram atenção à balança entre os gastos e as receitas públicas. Não é possível viver durante décadas acima das suas condições sem que as finanças não sofram alguma consequência. O segundo tema é a insegurança que existe atualmente nos mercados. Em parte ela é atiçada pelas constantes notícias negativas, em parte exageradas e que obviamente não contribuem à solução do problema. O terceiro é a crise financeira mundial, que tornaram os bancos voláteis e vulneráveis. O problema na crise do mercado imobiliário nos Estados Unidos e, consequentemente dos bancos do país, fez com que a carga passasse do setor financeiro ao Estado, deste aos contribuintes, até os bancos centrais e, finalmente, o Banco Central Europeu. Hoje os problemas se acumularam e tornaram mais densos, o que faz com que não sejam mais solucionáveis por um só governo. Nós necessitamos de uma cooperação europeia.

swissinfo.ch: Durante sete anos o senhor foi chanceler da Áustria. Nesse período a Grécia aderiu à união monetária. Como os governos europeus fecharam os olhos aos problemas estruturais do país? Foi uma decisão política? 

W.S.: De fato, o Euro é um projeto político, mas com exigências baseada em critérios econômicos bem precisos. Eu estava dentro desse processo quando era ministro austríaco das Relações Exteriores em 1997. Foi quando tomamos a decisão que determinados critérios precisavam ser aplicados: os limites de 3% do déficit público anual e 60% de dívida pública, além da estabilidade monetária. E no ano de 1998, o chamado plano A da união monetária teria entrado em vigor se a maioria dos países-membros da União Europeia pudessem fazer parte. Esse não era o caso. Portanto, entrou em ação o plano B. Afinal, em 1999, só foram aceitos os países-membros que atendiam a esses critérios. A Grécia não fazia parte desse grupo. Então na época decidiu-se que o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia fariam um estudo para avaliar se os gregos seriam capazes de atender os critérios. O estudo foi realizado e ficou pronto três anos depois. Finalmente, em 2001, decidiu-se que a Grécia seria aceita na zona euro. E por quê? Pois tantos os analistas do BCE como da Comissão estavam satisfeitos…

swissinfo.ch: O que se mostrou ter sido um erro… 

W.S.: Sim, na época foi um erro. Hoje temos de admiti-lo. Porém os gregos aplicaram alguns truques contabilísticos. Por exemplo, o massivo aumento dos gastos militares é um desses casos interessantes. De 2000 a 2010, eles passaram de 3 a 10 bilhões de euros ao ano. Mas esses gastos não eram computados no ano da compra do material, mas só no ano da entrega. Por isso tínhamos uma imagem completamente diferente do país. Mas hoje isso mudou, pois é claro que a contabilização deve ser realizada no momento da compra para permitir a avaliação com base nos critérios de Maastricht. Na época foi erro, aprendemos, mas agora é tarde demais para reclamar.

swissinfo.ch: E agora como o seu partido e o senhor mesmo explicam aos austríacos que ainda vale a pena ajudar a Grécia? Em vários países europeus existe uma forte discussão nesse sentido… 

W.S.: Mas quais são as alternativas? Precisamos nos questionar sobre isso. É mais inteligente aceitar a Grécia e os problemas decorrentes de uma crise que pode se propagar a outros países. Qual é a melhor e mais responsável solução? Ajudar, pois até agora ninguém perdeu dinheiro. É preciso dizê-lo. Nenhum país que emprestou até agora perdeu seu capital. O que nós fizemos foi oferecer crédito e garantias na esperança de que estes sejam restituídos algum dia.

swissinfo.ch: E qual seria uma solução possível à crise atual? 

W.S.: Um bom exemplo de como esse problema poderia ser solucionado é a chamada Iniciativa de Viena. Ela foi desenvolvida há três anos no momento em que os americanos estavam muito inquietos com a forte exposição dos bancos em relação às economias de alguns países do leste europeu. É preciso dizer que os americanos nunca tiveram uma grande simpatia pelo euro e sempre indicavam os problemas dos outros. E para ter uma posição proativa, nós lançamos essa iniciativa, onde os bancos da Europa Central, inclusive os austríacos, se comprometiam a continuar engajados na Europa Central e do Leste: ou seja, continuar a fazer negócios, oferecer empréstimos, não se afastar dos países, não se separar dos títulos, oferecer juros razoáveis e também prazos mais longos para o pagamento dos títulos públicos.

swissinfo.ch: Além da participação dos credores, existem outras alternativas? 

W.S.: No caso da Grécia a iniciativa poderia ser completada por outros elementos como a privatização. Sob pressão dos mercados os gregos se mostraram dispostos a realizar o maior programa de privatização da sua história.

swissinfo.ch: O senhor considera realista um programa de privatização de 50 bilhões de euros em apenas quatro anos? 

W.S.: Mas existem exemplos positivos. A Hungria conseguiu gerar 25 bilhões através de privatizações em um espaço relativamente reduzido de tempo. A Grécia ofereceu corretamente um plano ambicioso de privatizações programado para ser executado não de um dia para o outro, mas em alguns anos, o que é realizável. Nesse sentido, a União Europeia poderia ajudar oferecendo sua expertise de como fazer.

swissinfo.ch: Possivelmente o modelo da “Treuhandanstalt”, a instituição fiduciária estatal alemã, que privatizou as empresas da antiga Alemanha Oriental? 

W.S.: Quando era chanceler da Áustria, nós geramos em um curto espaço de tempo oito bilhões de euros em privatizações. Foi um programa executado em quatro anos, privatizações realizadas com perfeição. Essa experiência poderia ser passada aos gregos. A “Treuhand” também seria uma delas. Seria imaginável, para gerar realmente esse volume, que os Estados ou uma agência europeia comprem por um valor fixo esses bens e, posteriormente, os privatize em longo prazo. Não é necessário que isso ocorra de um dia para o outro. Os gregos transfeririam os títulos de propriedade e receberiam automaticamente uma soma. São coisas para refletir como, por exemplo, a estruturação de um sistema fiscal eficiente que seja capaz de recolher impostos. Nesse caso instituições europeias da Alemanha, Áustria ou até Suíça poderiam colaborar com know-how. No passado existia até a possibilidade de privatizar determinados impostos, ou seja, passar a responsabilidade do seu recolhimento a uma agência privada ou europeia. Não devemos ter tabus nesse momento.

swissinfo.ch: Alguns editoriais na imprensa helvética já anunciam o fim da União Européia…

W.S.: Não acredito que a Suíça veja a União Europeia como uma espécie de Titanic a espera do iceberg. Para nós a Suíça é o segundo maior parceiro econômico, maior do que muitos outros grandes países. E, ao contrário, a UE é para a Suíça o mais importante parceiro econômico. Nós precisamos e valorizamos um ao outro. E cabe à Suíça escolher seu próprio caminho. Porém as consequências de estar à margem do processo de integração europeia também são perceptivas. Uma delas é que os acordos bilaterais praticamente obrigam a uma adoção automática da legislação europeia, ou seja, a Suíça não tem poder de cogestão. Essa também é uma parte da perda de soberania que a Suíça precisa aceitar. Já a Áustria participa do processo de decisões, naturalmente dentro das limitações dos acordos.

Outra desvantagem da não participação da Suíça na zona euro, no momento uma grande desvantagem, é o efeito da valorização do franco de 15 ou 17% nos últimos meses. Se não me engano, o Banco Nacional Suíça tentou desesperadamente contrapor essa situação e terminou tendo perdas de 16 bilhões de francos. São consequências econômicas que não atingem necessariamente de forma direta o cidadão suíço, mas obviamente causam danos no mercado de trabalho, à indústria e a as exportações. Não existe almoço gratuito. Tudo na vida tem seu preço.

Wolfgang Schüssel nasceu em 7 de junho de 1945 em Viena, Áustria.

Desde 1979 é membro do Parlamento austríaco.

1989 – 1995: ministro da Economia

1995 – 2007: chefe do Partido Popular da Áustria (ÖVP)

1995 – 1999: vice-chanceler e ministro das Relações Exteriores

2000 – 2007: chanceler da Áustria

2006: presidente do Conselho Europeu

Desde 2008: membro da Câmara dos Deputados no Parlamento austríaco.

Wolfgang Schüssel é casado e tem dois filhos.

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