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Advogada é defensora da humanidade

Navi Pillay, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, em seu escritório no Palácio Wilson, em Genebra. Rodrigo Carrizo Couto

Nesta quarta-feira, 10 de dezembro, a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 60 anos. Por ocasião deste aniversário, a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, fala sobre o significado de seu cargo e de seus projetos.

A juíza sul-africada é uma pessoa cálida, que demonstrou bom humor durante a entrevista, ao analisar a situação dos direitos humanos no complexo mundo de hoje.

swissinfo: Como a senhora explicaria o papel de Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos a alguém que desconoce esses mecanismos?

Navi Pillay: Esse cargo foi criado pela Assembléia Geral da ONU. Represento as vítimas de todo o mundo. Meu trabalho consiste em fazer com que os direitos das pessoas não sejam violados e que as vítimas recebam proteção adequada. A ONU queria uma pessoa para ter voz nos foros internacionais e que fosse ouvida pelos governos. O cargo foi criado em 1993.

Quais os requisitos para o cargo?

É preciso ser independente e não se deixar intimidar pelo fato de ser confrontado com violadores dos direitos humanos, em geral Estados. Sem temor, posso denunciar violações dos direitos humanos e fazer recomendações do que se deve fazer. Minha independência significa que só presto contas à Assembléia Geral da ONU e ao Secretário-Geral.

Qual são as metas que a senhora estabeleceu?

Creio que os desafios são numerosos. O principal é que a comunidade internacional leve, finalmente, a sério os direitos humanos. Acho também que um desafio é ajudar as ONGs e a sociedade civil a serem mais fortes na hora de denunciar os governos.

Os Estados dão apoio financeiro suficiente?

Nós temos um orçamento de base regular, mas dependemos muito das doações dos Estados-membros. Alguns são mais generosos do que outros ou podem dar mais dinheiro do que outros. Porém, o importante é o princípio, que demonstra que querem nos ajudar nessa luta. Se não tivéssemos doações, não poderíamos fazer o trabalho de campo que fazemos.

Freqüentemente, o público se surpreende ao ver no Conselho dos Direitos Humanos (CDH) países que brilham pela defesa dos direitos…

Permita-me lembrar que nesta quarta-feira, 10 de dezembro, celebramos o 60° aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela contém todos os direitos – civis, políticos, econômicos, sociais e culturais – aos quais todo ser humano deveria ter acesso. Toda pessoa tem direito a viver em paz, ser tratada de forma digna, ter água potável, comida suficiente e meios necessários para viver.

Qual é então o problema? Que ainda existem Estados que adotaram esses princípios retoricamente, mas não assumem as tarefas necessárias para tornar esses princípios realidade. Agora, com o CDH, que é um órgão novo ao qual todos os Estados-membros aceitam se submeter, há uma vistoria de sua política de direitos humanos. Eles se observam uns aos outros, mas para que essa medida seja viável é preciso que não haja julgamento.

Estamos falando da ‘Revisión Periódica Universal’ (RPU)?

Sim. É universal e periódica, porém não emite julgamentos sobre os Estados. Não se dedica a atacar nenhum país em particular. O objetivo é ajudar a um determinado Estado com recomendações e observações sobre o respeito aos direitos humanos. Meu escritório existe para promover a necessária cooperação e capacidade para atingir esses objetivos. Por exemplo, esclarecer a sociedade civil, treinar forças de polícia, proibir o uso da tortura. Também ajudamos ONGs, pois em muitos países elas são muito fracas. Ajudamos na conscientização dos direitos e de como podem ser ouvidas na CDH sobre os sucessos e as carências de seu país.

Porém, é preciso lembrar que o CDH é muito novo. Tem apenas dois anos e devemos dar-lhe uma oportunidade. É um conceito importante e uma nova visão. No entanto, ainda há muitos países que não querem ser observados nem se comprometer a respeitar os direitos humanos. Também não admitem a menor crítica da sociedade civil. Em menos de seis meses, a RPU já apresentou relatórios de 32 países. Acho que não se pode dizer que isso não sirva para nada.

Muitos analistas destacam que certos Estados vêem a RPU como uma espécie de ingerência imperialista e ocidental. Portanto, não são muito cooperativos. Como avançar nessas condições?

Sim, é uma realidade. Muitos países, que não vamos citar, são sumamente hostis a uma análise transparente do respeito aos direitos humanos. E aí, vamos ficar de braços cruzados sem fazer nada? Ou apoiamos um foro internacional onde todos, inclusive esses países hostis, devem passar pela RPU? É a melhor maneira que temos de observar esses países. Lembremos que o CDH (Conselho dos Direitos Humanos) vai analisar os 192 países-membros. Antes disso, não tínhamos qualquer mecanismo. Simplesmente nos limitávamos a lamentar as violações dos direitos humanos em certos países.

A senhora foi juíza do Tribunal Penal Internacional para Ruanda. Essa experiência ajuda?

De fato. Ali foram cometidos crimes gravíssimos contra a humanidade e os direitos humanos e, em geral, os responsáveis foram líderes políticos e militares. Gente que golpeava e saía buscando refúgio em alguma praia agradável e luxuosa sem responder por seus crimes. Mas agora temos o Tribunal Penal Internacional. Alguns alegam que é muito lento, por isso repito: antes não tínhamos nada. O TPI atua como método dissuasivo para gente em posições de liderança, que crê que pode cometer crimes espantosos e gozar de impunidade.

Na época, a senhora conseguiu que as violações fossem consideradas crimes contra a humanidade?

Me dei conta de que a violação e os abusos sexuais eram muito freqüentes e sistematicamente utilizados como arma de guerra contra um grupo em particular. Eram praticados com a intenção manifesta de destruir uma etnia, como parte do genocídio. Este precedente jurídico da violação como crime contra humanidade foi utilizado posteriormente em julgamentos da guerra da Iugoslávia.

A suíça Carla Del Ponte, ex-procuradora do TPI da Iugoslávia, a canadense Louise Arbour, sua predecessora, e agora a senhora. Parece uma dinastia de mulheres defensoras dos direitos humanos?

Não creio. Tanto homens como mulheres podem ter as qualificações e o compromisso necessários para exercer uma função determinada. Porém, é certo que as mulheres foram as grandes excluídas históricas, embora representem mais de 50% da humanidade, nunca participaram da tomada de decisões importantes. Ainda hoje, o fato de que uma mulher ocupe este escritório é notícia (risos).

Quando se retirar da política, o que gostaria de deixar como legado?

Gostaria de ter podido ajudar a criar uma real diferença na vida das pessoas. Gostaria de fazer algo que contribua de maneira significativa para que as pessoas sejam conscientes de seus direitos humanos.

swissinfo: Rodrigo Carrizo Couto, Genebra

Nasceu em 1941 em Durban, África do Sul, de uma família modesta de origem indiana.

Seus estudos foram financiados por sua comunidade, fato que Pillary recorda muito especialmente.

Formou-se em Direito e trabalhou com presos políticos na época do “apartheid”. Obteve particularmente notáveis melhorias nas condições de detenção em Robben Island, onde o prisioneiro mais célebre foi Nelson Mandela.

Doutorou-se pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Foi juíza do Tribunal Penal Internacional para Ruanda. Em 2008, foi nomeada Alta Comissária para os Direitos Humanos pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

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