“Angolagate” passou pela Suíça
O julgamento iniciado na segunda-feira (06/10) em Paris sobre tráfico de armas entre a França e Angola, nos anos de 1990, que ficou conhecido como "Angolagate", também tem seu lado suíço.
Várias contas foram abertas na Suíça para depositar comissões e os documentos confiscados no país e entregues às autoridades francesas foram determinantes para a instauração do processo.
Nas 468 páginas do ato de acusação do Ministério Público francês, em várias passagens são citados bancos suíços em Genebra.
Sem as investigações feitas na Suíça e os documentos entregues em 2004 às autoridades judiciárias francesas, depois de uma série de recursos recusados, é provável que o processo nem existisse.
Os principais acusados são o francês Pierre Falcone, considerado pelo jornal Le Monde como grande amigo do presidente angolano José Eduardo dos Santos, e o israelense Arcadi Gaydamak, ex-coronel da KGB (antigo serviço secreto soviético) e candidato à prefeitura de Jerusalém. Ao todo, são 42 acusados.
O Ministério Público atribui a ambos a organização de um tráfico de armas da França para Angola entre 1993 e 1998, época da guerra com a Unita.
O montante envolvido é de mais de 790 milhões de dólares e os dois acusados, se condenado, podem pegar até dez anos de prisão. Arcadi Gaydamak não compareceu à primeira audiência e foi representado por seus advogados. A previsão é que o julgamento dure cinco meses.
Personalidades envolvidas
Entre outros acusados estão personalidades como o ex-ministro e atual senador francês Charles Pasqua, o escritor e conselheiro do antigo presidente François Mitterrand, Jacques Attali, um filho de Mitterrand, Jean-Christophe Mitterrand, e o escritor Paul-Loup Sulitzer. De acordo com os atos de acusação, essas personalidades teriam recebido gratificações para facilitar o tráfico de armas organizado por Falcone e Gaydamak, através de suas empresas ZTS Osos e Brenco.
Contas na Suíça
As investigações feitas na Suíça concluíram que parte dos 790 milhões de dólares das transações foi depositada ou passou por contas em bancos helvéticos, especialmente de Genebra.
Quase 178 milhões de dólares de propinas de Pierre Falcone foram depositados em três contas em Genebra, nos bancos Cantrade Ormond Burros, UBS e Leumi e no banco Edmond de Rothschild, em Luxemburgo.
A República de Angola teria efetuado parte do pagamento da transação através do Canadian Imperial Bank of Commerce de Genebra, conforme os atos de acusação.
Pressões políticas
O julgamento ocorre em um momento em que a França reativa seus contatos diplomáticos com Angola, país produtor e dono de reservas importantes de petróleo.
O presidente Nicolas Sarkozy esteve em Angola em maio deste ano, na primeira visita de um presidente francês em dez anos. Ele propôs ao presidente José Eduardo dos Santos “virar a página dos mal-entendidos do passado”, segundo o Le Monde. Em julho, em carta endereçada aos advogados de Pierre Falcone, o ministro da Defesa, Hervé Morin, afirmava que, como as armas não transitaram pelo território francês, a lei nacional sobre o comércio de armas “não se aplica à atividade exercida pelo sr. Falcone”.
A missiva era destinada a contestar a acusação, embora o processo tenha sido aberto, em 2001, a partir de uma queixa apresentada pelo próprio Ministério da Defesa.
Segundo o jornal francês, outras formas de pressão vêm sendo exercidas, como informar que a presidência acompanha de perto o processo e que teria sido solicitada discrição acerca de funcionários angolanos que teriam recebido comissões.
Na primeira audiência no Tribunal Correcional de Paris, os advogados de defesa apresentaram uma série de recursos tentando anular o processo. Um desses recursos foi da República de Angola, “a fim de fazer respeitar sua soberania.” Esses recursos serão julgados posteriormente.
swissinfo, Claudinê Gonçalves (com agências)
Ao todo, 42 pessoas são acusadas nesse processo. O julgamento tem previsão de terminar dia 4 de março de 2009.
Alguns dos acusados:
Pierre Falcone, 54 anos, e Arcadi Gaydamak, 56 anos, são os dois principais acusados no “Angolagate”: comércio ilegal de armas, tráfico de influência e corrupção. Eles podem pegar até dez anos de prisão.
Charles Pasqua, 81 anos, e Jean-Charles Marchiani, 65 anos: tráfico de influência e corrupção. Podem pegar até dez anos de prisão porque exerciam mandato político.
Jean Christophe Mitterrand, 61 anos: cumplicidade de comércio ilícito de armas e corrupção. Pode pegar até cinco anos de prisão.
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