Até em Berna tunisianos continuam mobilizados
Na Suíça como na Tunísia, os tunisianos estão muito engajados para garantir a transição democrática.
Leia o testemunho, em entrevista à swissinfo.ch, de Sihem Bensedrine, uma das personalidades da resistência ao regime do ex-presidente Ben Ali.
A partir de quarta-feira e durante 24 horas, mais de 40 refugiados políticos tunisianos compareceram à embaixada da Tunísia em Berna,capital suíça, para obter um passaporte, acusando-a de “não cooperar e nada ter apreendido do que ocorreu na Tunísia nas últimas semanas.”
Questionada pela redação árabe de swissinfo.ch, a embaixadora Rafiaa Liman Baouendi garantiu que, segundo o novo governo tunisiano, a obtenção de um passaporte é “um direito absoluto para todo cidadão tunisiano.” O passaporte dos refugiados tunisianos ou estão vencidos, pois não conseguiu renová-los, ou foram confiscados. Muitos deles estavam sem passaporte há mais de 20 anos.
Reagindo à decisão do governo suíço de bloquear as contas de Bem Ali (leia matéria relativa), a Associação dos Tunisianos da Suíça manifestou sua vontade de ajudar as autoridades suíças a identificar os bens da família do ex-presidente.
A diáspora tunisiana está, portanto, no mesmo diapasão da mobilização que continua na Tunísia, como confirma a editora Sihem Bensedrine , opositora do regime de Bem Ali, que esteve presa várias vezes. Porta-voz do Conselho Nacional pelas Liberdades na Tunísia, chefe da redação da Radio Kalima, ela voltou para a Tunísia dia 14 de janeiro, horas antes que Bem Ali abandonasse precipitadamente o país.
swissinfo.ch: A Suíça decidiu bloquear os haveres do clã Ben Ali que estão nos bancos. Como a senhora reagiu?
Sihem Bensedrine: Agradeço muito à Suíça e incito a França a imitá-la e os demais países concernidos. É o meio mais inteligente para os europeus se não quiserem mais receber clandestinos tunisianos. Com esse dinheiro, poderemos criar empregos para nossos jovens e mantê-los no país porque também precisamos deles.
swissinfo.ch: Os representantes do antigo regime presentes no governo de transição eram apresentados como tecnocratas respeitados. Não é mais o caso?
S.B.: De maneira alguma. Por exemplo, Zouheir M’dhaffer (ndr : que saiu do governo quinta-feira, 20/01)
foi um dos arquitetos das instituições despóticas da Tunísia. Um outro foi diretor da campanha de Ben Ali para as presidenciais.
O mesmo ocorre com o ministro das Ralações Exteriores Kamel Morjane, outra figura do antigo regime que reclamos que saia. Ele pode ser substituído sem problema pelo secretário de Estado das Relações Exteriores, ex-embaixador e homem honesto e brilhante.
Esse primeiro governo do pós Ben Ali encarna a contra revolução, a restauração. Persistindo em não negociar, especialmente com a União Geral dos Trabalhadores da Tunísia (UGTT), eles procuram a desestabilização. A escolha de excluir essas pessoas não vai provocar o caos, é exatamente o contrário.
swissinfo.ch: Mas alguns temem, pelo menos na Europa, um vazio de poder. Esse temor tem fundamento?
S.B.: O que é tranquilizador na Tunísia é que temos uma administração fiel ao país e competente. Ela pode administrar esse país, mesmo em caso de vazio de poder.
Tenho também que saudar um fenômeno magnífico que ocorrer desde terça-feira nas empresas públicas. Os quatros botaram para fora os dirigentes nomeados por Ben Ali e elegeram novos patrões. A administração está se autodepurando Du câncer “benalino”.
Por sua vez, os juízes se reuniram e descartam aqueles que chamamos de juízes de Leila, esposa de Ben Ali.
Por toda parte há um investimento a partir da base para reconquistar todas as estruturas que nos haviam sido confiscadas.
swissinfo.ch: Diz-se que 100 mil policiais estavam a serviço do antigo regime, sem contar a guarda presidencial e a polícia política. Eles ainda são um perigo?
S.B.: Este é o nó mais difícil de desatar porque não é simples retirar o poder deles. Mas o mais importante é cortar cabeças e substituir por pessoas competentes a serviço do país, pois a polícia obedece ordens. Por essa razão, é preciso uma pessoa confiável e competente no Ministério do Interior e não uma figura envolvida com o antigo regime.
Outro exemplo são os comitês de cidadãos formados nos bairros em toda a Tunísia, onde o exército desempenhou seu papel de proteger os cidadãos das milícias do partido de Ben Ali (RDC) e dos atiradores de elite da polícia política.
No entanto, peço que o exército retorne às casernas quando sua tarefa será terminada. Os tunisianos não aceitarão ser dirigidos pelos generais.
swissinfo.ch: Essa revolta foi apresentada como espontânea. Como foi organizada?
S.B.: Em todo o país, a base da União Geral dos Trabalhadores Tunisianos (UGTT) esteve na origem dos protestos. O sindicato também protegeu pessoas evitando abusos, violência ou atos terroristas. Foi através dele que a resistência se organizou de maneira pacífica. A direção do sindicato, favorável ao antigo regime não teve outra alternativa e foi obrigada a acompanha o movimento.
A UGTT também está na dianteira das negociações para formar um governo realmente capaz de fazer a transição democrática e não esses representantes da oposição (ndr: tolerada pelo antigo regime), apressados de abocanhar uma fatia, renunciando a negociar um opção democrática digna desse nome.
“Acho que o prazo não a questão. O certo é que sabemos o que queremos – a liberdade e a democracia – e que vamos conseguir chegar lá, qualquer que seja o tempo necessário.
No Conselho Nacional pelas Liberdades, do qual sou porta-voz, decidimos formar uma comissão de especialistas para refletir ao melhor meio de instaurar uma assembleia constituinte.
Também estamos planejando um encontro com todas as partes interessadas (Ongs, jovens, sindicatos, partidos etc.) para refletir também sobre a constituinte.
Estamos aptos e maduros para a democracia. E vamos proteger a Tunísia de todos os seus inimigos do interior e do exterior.”
Sihem Bensedrine para swissinfo.ch
Considerada como moderado partido islâmico tunisiano
Ennahdha, vítima de uma repressão sangrenta do regime de Ben Ali, pretende apresentar candidatos às próximas eleições.
“Os ocidentais sempre apostaram em nosso ditador, agitando o espantalho talibã. Essa cenário talibã não existe na Tunísia, nunca existiu e não existirá. Temos um movimento islâmico que representa uma parte da população tunisiana. Como todos os outros cidadãos, eles têm o mesmo direito de se organizar, de se exprimir e de ter candidatos às eleições. Uma democracia que não respeita se respeite deve respeitar os direitos deles. Temos de cessar de agitar o espantalho do extremismo islâmico.”
Sihem Bensedrine pour swissinfo.ch
Adaptação, Claudinê Gonçalves
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