Condenação por ‘inação climática’ da Suíça pode ser um tiro no pé dos ambientalistas
A recente condenação da Suíça no Tribunal Europeu de Direitos Humanos tem gerado reações políticas mistas. Após o Tribunal decidir responsabilizar o governo suíço por não agir frente às mudanças climáticas, entendendo que o país violou a Convenção Europeia de Direitos Humanos ao falhar em proteger cidadãos da onda de calor, analistas dividem opiniões sobre as consequências da sentença. Para o cientista político Marc Bühlmann, a decisão pode favorecer a direita conservadora.
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“A decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) é um escândalo”, reagiu o Partido Popular Suíço (SVP/Direita Conservadora) em uma declaraçãoLink externo na terça-feira. O maior partido do país criticou fortemente a condenação da Suíça às violações dos direitos humanos no campo ambiental. Ele denunciou a “interferência de juízes estrangeiros” e até mesmo pediu que a Suíça se retirasse do Conselho da Europa.
Os partidos de esquerda, por sua vez, saudaram a vitória da Aînées Pour Le Climat – associação de Senhoras pela Proteção do Clima – que levou o caso até a CEDH. A presidente do Partido Verde, Lisa Mazzone, Link externofalouLink externo em uma “vitória histórica de importância comparável à do Acordo Climático de Paris”. Já os socialistas classificaram a decisão com “um tapa na cara do Conselho Federal e sua inação climática”.
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Embora ainda seja difícil avaliar o impacto real que esse veredito terá sobre as medidas relacionadas às mudanças climáticas na Suíça, a decisão vai esquentar os debates políticos, de acordo com o cientista político Marc Bühlmann, diretor da plataforma “Swiss Political Year”.
swissinfo.ch: Na esquerda do espectro político, a decisão da CEDH é bem-vinda. Já os grupos de direita, dizem que a decisão não mudará nada. Qual é a sua opinião sobre isso?
Marc Bühlmann: Essa não é uma discussão nova. O SVP [Partido do Povo Suíço] há muito tempo defende a superioridade do direito nacional sobre o direito internacional. Os mesmos debates ocorreram em 2018, durante a votação federal sobre a iniciativa de autodeterminação, que buscava consagrar esse princípio na Constituição.
A CEDH está longe de querer forçar a Suíça a fazer qualquer coisa, mas é um ator importante. Seu julgamento terá, portanto, uma influência sobre a política suíça.
Em termos concretos, podemos esperar que essa decisão leve a algum avanço na proteção climática, na prática?
Essa decisão terá um papel importante nas discussões políticas sobre o aquecimento global. A esquerda certamente vai usar a sentença como um argumento para levar as coisas adiante. Haverá mais pressão. No entanto, daqui a 10 ou 15 anos, será difícil determinar se a decisão da CEDH realmente teve influência sobre a política climática ou se as decisões teriam sido tomadas de qualquer maneira.
O senhor vê algum problema no fato de a CEDH intervir na política climática democraticamente legitimada da Suíça?
Não, acho que não. Os juízes em Estrasburgo não disseram à Suíça como lidar com o problema. Eles não estão interferindo na política nacional. Agora cabe à Confederação encontrar soluções políticas. A direita e a esquerda não mudarão repentinamente suas posições como resultado dessa condenação. Portanto, as discussões sobre a política climática continuarão. Entretanto, essa decisão é um novo argumento que alimentará o debate.
Enquanto a Suíça foi condenada, reclamações semelhantes contra a França e Portugal foram rejeitadas pela CEDH no mesmo dia. Como o senhor interpreta isso?
Não acho que isso possa ser interpretado politicamente. Os juízes não estão tomando decisões políticas, mas estão tentando determinar se essas várias reclamações são ou não legalmente admissíveis.
O SVP reagiu de forma virulenta à condenação da Suíça pelo TEDH, pedindo abertamente que a Suíça deixe o Conselho da Europa. Isso é realista?
Não, não haveria maioria política para apoiar tal proposta. No final das contas, essa também é a ideia por trás da iniciativa de autodeterminação do SVP. Para fazer com que a lei suíça prevaleça sobre a lei internacional, ele queria que a Suíça denunciasse esses acordos internacionais. O resultado: nem mesmo um terço da população apoiou o texto. Hoje, a decisão da CEDH pode lhe dar mais apoio, mas essa não é uma tendência duradoura.
Entretanto, a direita conservadora pode agora usar a decisão de Estrasburgo como um exemplo concreto da “interferência de juízes estrangeiros” que ela sempre denunciou. Essa decisão poderia favorecer o SVP?
Provavelmente, porque o partido é muito bom em vincular tudo o que acontece à sua agenda política. Essa decisão pode vir a ser uma profecia autorrealizável para as ideias ambientalistas. A direita conservadora certamente a usará em sua campanha contra a reforma da Lei de Energia que visa ao desenvolvimento de energias renováveis, que será votada em 9 de junho. Eles vão argumentar que o povo suíço precisa fazer com que suas vozes sejam ouvidas e não pode permitir que as coisas lhes sejam impostas do exterior. Algumas pessoas podem se sentir tentadas a rejeitar a lei para enviar um sinal.
Existe o risco de que isso crie novos bloqueios nas relações entre a Suíça e a UE?
O SVP, sem dúvida, usará a decisão da CEDH como um exemplo de interferência estrangeira nos assuntos suíços. Entretanto, a esquerda também poderia usá-la a seu favor, dizendo que a Suíça às vezes precisa de ajuda externa para garantir o respeito aos direitos humanos.
Mas qual lado terá mais sucesso em apresentar esse argumento?
Os votos e as eleições nos dirão. O uso desse julgamento como um símbolo positivo ou negativo é uma arte política. Veremos quem a domina melhor. Por enquanto, no entanto, temos a sensação de que a SVP conseguirá capitalizar mais com isso, já que sua reação já está causando mais impacto na mídia.
>> Saiba mais sobre a decisão do TEDH de terça-feira:
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Velhinhas ganham ação contra Suíça em tribunal europeu
Edição: Samuel Jaberg/fh
(Adaptação: Clarissa Levy)
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