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A Suíça pode voltar a construir novas usinas nucleares?

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A usina nuclear de Goesgen, no nordeste da Suíça, começou a operar em 1979. Keystone / Gaetan Bally

O governo suíço quer anular a proibição de construção de novas usinas nucleares que foi aprovada em um plebiscito em 2017. Na esteira de vários países que estão buscando desenvolver fontes de energia de baixo carbono, a Suíça está dividida sobre a possibilidade de permitir a retomada de investimentos em energia nuclear.

Foi uma votação histórica: em maio de 2017, mais de 58% dos eleitores aprovaram uma lei que prevê o estímulo a energias renováveis e a eliminação gradual da energia nuclear no país alpino. O resultado nas urnas foi produto de um longo processo de discussões iniciadas após o acidente nuclear de 2011 em Fukushima, Japão.

Mas a decisão dos eleitores pode não durar mais muito tempo. Sete anos depois, o governo suíço diz que está aberto à ideia de suspender a proibição da construção de novas usinas nucleares, argumentando que quer manter todas as possibilidades abertas para o futuro energético do país.

Por que o governo quer reabrir as portas para usinas nucleares?

Houve uma “mudança de paradigma”, disse o ministro da energia Albert Rösti em 28 de agosto, citando a guerra na Ucrânia e seu impacto nas importações de gás russo como o fator-chave por trás da mudança.

Ele destacou as preocupações com a segurança energética da Europa, especialmente durante o inverno, e citou problemas técnicos nas usinas nucleares francesas que abastecem a Suíça. O crescimento populacional e o lento desenvolvimento de energia renovável devido a recursos legais complicaram ainda mais o cenário, avalia.

“Desde 2017, a situação no mercado Link externode eletricidadeLink externo também mudou radicalmente”, disse o ministro. Além disso, no ano passado, os eleitores endossaram um novo projeto de lei sobre o clima que tem como objetivo conduzir o país à neutralidade de carbono até 2050.

“Decidimos reduzir o uso de combustíveis fósseis a zero, o que requer a produção de mais eletricidade”, disse Rösti.

A Suíça já não tem usinas nucleares suficientes?

A Suíça tem três usinas nucleares antigas que dão conta de cerca de um terço das necessidades energéticas do paísLink externo.

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O processo gradual de descontinuar a atividade nuclear começou na usina de Mühleberg em 2019. As outras duas usinas permanecerão operando, com uma vida útil esperada de 60 anos.

Quando as instalações finalmente fecharem, o governo teme que a energia renovável não consiga preencher as necessidades do país. Originalmente, usinas de energia a gás estavam sendo previstas, mas essa opção agora é “quase impensável” considerando as metas de neutralidade de carbono, disse Rösti.

Ele acrescentou que suspender a proibição de novas usinas nucleares é uma “opção alternativa, só por precaução”.

No médio prazo, a energia hidrelétrica, eólica e solar são a única solução para aumentar a produção de eletricidade, disse. Mas hoje não é possível afirmar se a longo prazo é possível produzir eletricidade suficiente com as alternativas renováveis. Novas usinas nucleares “não são uma opção” no curto ou mesmo médio prazo. “Mas para estarmos prontos, se for necessário no longo prazo, nos próximos 15 anos eu diria, devemos começar agora”, enfatizou.

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Qual é o cenário atual da energia nuclear no mundo?

Preocupações com a segurança energética e com as mudanças climáticas têm alimentado os investimentos em energia nuclear. A modalidade é responsável por 10% da geração de eletricidade global, sendo quase 20% da fonte de energia em economias avançadas.

De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE)Link externo, a geração global de energia nuclear deve atingir um recorde histórico no ano que vem. A produção deve aumentar globalmente em 1,6% em 2024 e em 3,5% em 2025.

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Statista

Na Europa, a energia nuclear estava em declínio até o início da invasão da Ucrânia pela Rússia. Desde então, ganhou novos estímulos à medida que mais países da União Europeia (UE) buscam atingir a segurança energética. As metas climáticas ambiciosas da UE levaram países como Itália e Bélgica a derrubarem suas proibições contra novos reatores nucleares.

O crescimento nos próximos anos é resultado do aumento da produção de energia nuclear pela França, da reativação de reatores no Japão e de novos reatores começando a operar em vários mercados, incluindo China, Índia, Coreia do Sul e Europa. A maior parte do crescimento até 2026 deve se concentrar na China e na Índia. Enquanto isso, a influência da China e da Rússia no setor está crescendo – os dois países fornecem tecnologia para 70% dos reatores em construção.

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Na cúpula climática COP28 da ONU, realizada em Dubai no ano passado, mais de 20 países, incluindo EUA, Reino Unido e França, concordaram em Link externotriplicar a produção de energia nuclearLink externo até 2050 como parte dos esforços para atingir emissões líquidas zero.

Em março deste ano, 30 líderes globais e ministros da Europa prometeram apoiar a energia nuclear nas cúpulas de Bruxelas. No mês seguinte, parlamentares ratificaram uma reforma do mercado de eletricidade da UE, visando, em particular, impulsionar o investimento em energias de baixo carbono, como a energia nuclear.

Quais foram as reações à reviravolta do governo suíço na política nuclear?

A mudança de paradigma no governo foi imediatamente criticada por grupos ambientalistas, bem como por partidos do centro e da esquerda, que destacaram os custos altos e o longo tempo de construção (15-25 anos) necessário para construir novas usinas nucleares. Eles dizem que esse “passo irresponsável para trás” corre o risco de bloquear o desenvolvimento de energias renováveis para atender às metas climáticas suíças.

Novas usinas nucleares não são lucrativas, disse o presidente do Partido do Centro, Gerhard Pfister. Está “absolutamente fora de questão” tirar dinheiro do orçamento para energias renováveis para ajudar a financiar novas usinas nucleares com subsídios públicos, disse ao jornal Tages-Anzeiger.

Mas partidos de centro-direita e da direita acolheram a ideia como “razoável”. Depois de 2050, a Suíça precisará de um fornecimento de eletricidade seguro e favorável ao clima durante todo o ano. É a “mistura certa” que faz a diferença, disse o parlamentar radical Christian Wasserfallen.

Um editorial do jornal Le Temps também apoiou a nova ideia: “Embora muitos países tenham relançado seus programas nucleares civis, incluindo várias democracias ocidentais, nosso país não deve correr o risco de se marginalizar, mesmo que no final a energia nuclear desempenhe apenas um papel subsidiário e menos central do que hoje.”

Qual a probabilidade de novas usinas nucleares surgirem na Suíça no futuro próximo?

Os planos da Suíça para novas usinas nucleares permanecem incertos. O Conselho Federal não abordou questões-chave como tecnologia, fornecimento de urânio, armazenamento de resíduos e custos, aponta a rádio pública suíça, SRF.

Atualmente, não há novos projetos planejados na Suíça, pois as empresas de energia enfrentam obstáculos políticos e financeiros, com possíveis atrasos de duas a três décadas.

Como próximo passo, o governo apresentará uma proposta para alterar a legislação nuclear até o final de 2024, a ser debatida no parlamento no ano que vem. Se a medida avançar, a população muito provavelmente terá que opinar nas urnas novamente sobre o assunto.

A BKW e a Axpo, duas grandes fornecedoras de eletricidade suíças, estão abertas à tecnologia nuclear, mas alertam que novas usinas provavelmente exigiriam financiamento ou subsídios estatais para serem viáveis. Ambas empresas estão pressionando por um desenvolvimento mais rápido de alternativas renováveis.

Stephanie Eger, especialista em energia nuclear da Swiss Energy Foundation, que é crítica à modalidade nuclear, disse à agência de notícias Reuters que, devido a mudanças legais, financiamento, licenças e possível oposição pública, a construção de uma nova usina pode levar pelo menos 35 anos. Enquanto isso, Andreas Pautz, chefe do Centro de Engenharia e Ciências Nucleares do Instituto Paul Scherrer, prevê que se a construção de novas usinas começar até 2040, elas podem se tornar operacionais no meio da década da mesma década.

Edição: Balz Rigendinger/fh
(Adaptação: Clarissa Levy)

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