Fracasso na guerra contra as drogas
O relatório da Comissão Global de Política sobre Drogas vem gerando intenso debate nos Estados Unidos. Ele critica a abordagem repressiva americana e defende a descriminalização do uso de drogas.
A ONG, presidida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, reúne personalidades do cenário político, científico e cultural mundial, entre elas a ex-conselheira federal da Suiça Ruth Dreyfus.
A Comissão Global de Política sobre Drogas (Global Commission On Drug Policy) acredita que a abordagem predominante nos Estados Unidos, e que inspira a abordagem internacional, “falhou”.
Em vez de proibição e repressão, a Comissão recomenda uma “regulamentação das drogas destinada a minar o poder do crime organizado e garantir a saúde e a segurança dos cidadãos”.
“Os viciados em drogas não são criminosos, são pessoas doentes, e o mais importante: doentes explorados por criminosos. O papel da sociedade é protegê-los”, explica Ruth Dreifuss, ex-presidente da Suíça, à swissinfo.ch.
O relatório foi divulgado no momento em que a “guerra contra as drogas”, declarada pela primeira vez nos Estados Unidos e transplantada para países produtores, documentos internacionais e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, comemora seu quadragésimo aniversário.
“Este é o discurso que predomina e que nos parece perigoso”, lamenta Ruth Dreifuss, que participa da Comissão junto com outras personalidades como os ex-presidentes da Colômbia e do México, respectivamente, César Gaviria e Ernesto Zedillo, os escritores Carlos Fuentes e Mario Vargas Llosa, ou ainda o ex-Secretário Geral da ONU Koffi Annan e o empresário britânico Richard Branson.
Debate nos EUA
Mas a administração Obama vê no relatório “respostas fáceis”. Gil Kerlikowske, ex-policial que dirige o escritório da política da Casa Branca sobre o controle de drogas, afirma que “legalizar drogas provoca um aumento do consumo” e que a abordagem dos EUA é coroada de “sucesso”.
O ex-presidente Jimmy Carter, Prêmio Nobel da Paz, discorda da Casa Branca. Na verdade, ele pede a Obama que “implemente as reformas apontadas pela Comissão. As políticas antidrogas são mais punitivas e contraproducente nos Estados Unidos do que em outras democracias e explodiram a população carcerária”, diz.
Em um vídeo para a Drug Policy Alliance, o cantor Sting lança, por sua vez, que “a guerra contra as drogas é uma violação extraordinária dos direitos humanos”.
O diretor dessa organização, Ethan Nadelmann, disse à swissinfo.ch que o relatório da Comissão é um “evento importante, pois nunca um grupo tão distinto de personalidades fez recomendações de tão longo alcance para reformar a luta antidrogas”. Ele descreve a atitude da administração Obama como “decepcionante, mas previsível. Obama parece cada vez mais com seus predecessores neste assunto”, comenta.
Por sua vez, Ruth Dreifuss lamenta que a administração Obama “não faça nenhuma declaração clara contra a guerra às drogas”. Para ela, os responsáveis americanos, democratas e republicanos, “devem perceber que a guerra contra as drogas e o uso de encarceramento é caro e que a política que propomos é mais barata e mais eficaz”.
Experiência suíça
A ex-presidente da Suíça chamou a atenção para a “grande experiência” da Suíça, “uma experiência em saúde pública que combina intervenções de polícia e penal com políticas de integração social que tem produzido excelentes resultados, com uma supervisão científica séria, como por exemplo a eliminação quase total de overdoses ou o declínio notável da pequena criminalidade”.
“Disse aos meus interlocutores americanos que podemos muito bem sobreviver politicamente tomando a iniciativa de uma reforma”, declarou Ruth Dreifuss. Como reagem seus interlocutores? “Respondendo que há eleições pela frente, e a nível federal, eu acho que Obama tem mais problemas para resolver do que eu tive…”, responde.
Ruth Dreifuss, no entanto, continua otimista: “A distribuição de seringas não é mais questionada pelas políticas federais, os Estados Unidos começaram a ver que há um fator racial na disparidade de penas entre os consumidores de crack, na maioria negros, e os de cocaína, na maioria brancos, corrigindo essa disparidade. O uso medicinal da maconha é permitido em vários estados. Finalmente, a ideia de legalização da maconha foi rejeitada por uma pequena maioria em um referendo na Califórnia”, observa a ex-presidente.
Ethan Nadelmann, o diretor da Drug Policy Alliance, também está otimista, mas adverte que “desafios significativos” devem ser superados nos Estados Unidos para permitir um reequilíbrio no combate às drogas entre repressão e reabilitação. Entre esses desafios, “a influência dos complexos penitenciários na política” e “a dificuldade em convencer os conservadores a apoiar as estratégias de redução de riscos como a troca de seringas”.
A este respeito, o Sr. Nadelmann considera a Suíça “uma inspiração” para os Estados Unidos. “O fato de que este país relativamente conservador tenha conseguido liderar a luta com o desenvolvimento de uma política sobre drogas inteligente e responsável no plano orçamentário é encorajador”, observa.
250 milhões. A ONU estima que exista pelo menos 250 milhões de consumidores de drogas ilegais no mundo
Progressão. Em dez anos, o consumo aumentou mais de 34% para opiáceos, mais de 27% para a cocaína e mais de 8% para a maconha
(Fonte: ONU)
1971. Declarada pelo presidente Richard Nixon em 17 de junho, 1971.
Custo. desde 1971: um trilhão de dólares.
2011. Mais de 900.000 detenções por uso ou tráfico de drogas. O ano deve bater o recorde de prisões feitas em 2009, ano no qual a polícia americana prendeu mais de um milhão e meio de pessoas por tais delitos.
Prisões. No total, um quarto da população prisional cumpre penas por crimes relacionados a drogas, inclusive posse e consumo.
(
Fonte: Departamento de Justiça dos EUA, Associated Press
)
Adaptação: Fernando Hirschy
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