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Governo colombiano desqualifica negociador suíço

Após a libertação de Ingrid Betancourt (esq.) e outros 14 reféns, governo de Alvaro Uribe (dir.) quer diálogo direto com as Farc. Keystone

O governo colombiano faz graves acusações contra o mediador Jean-Pierre Gontard e diz que quer dialogar diretamente com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Berna mantém a mediação para libertar outros reféns e diz que Gontard tem a confiança de todas as partes. Especialista francês acusa Bogotá de ridicularizar mediadores europeus para justificar a manutenção da estratégia militar.

O alto comissário do governo colombiano para a paz, Luis Carlos Restrepo, disse nesta segunda-feira à rádio W, da Colômbia, que o governo perdeu a confiança nos negociadores europeus após o nome de Jean-Pierre Gontard ter aparecido 37 vezes nos arquivos do laptop de ‘Raúl Reyes’, ex-vice-chefe das Farc, assassinado em março passado, no Equador.

Restrepo afirmou que houve dificuldades com Gontard e que já em 2004 o governo havia considerado que ele estava extrapolando suas funções. Na mesma emissora, Camilo Gómez, que foi alto comissário para a paz no governo de Andrés Pastrana, disse que a Colômbia chegou a reclamar em Berna da atuação de Gontard, que, “em alguma ocasião, se encontrou com os chefes guerrilheiros sem autorização do governo colombiano”.

Referindo-se ao francês Noel Saez e ao suíço Jean-Pierre Gontard, que atuam em nome da França, Espanha e Suíça, Restrepo disse que eles “apareceram em muitas ocasiões mais como conselheiros políticos das Farc do que como mediadores”.

Gontard: 22 encontros com as Farc

Segundo a autoridade chefiada por Restrepo, no âmbito das iniciativas do governo colombiano para alcançar um acordo humanitário, Gontard reuniu-se três vezes com as Farc entre 30 de junho de 2004 e a primeira quinzena de 2006 – duas delas com Raul Reyes.

O próprio Gontard, em entrevista à emissora de televisão suíça TSR, disse que já teve 22 encontros com integrantes das Farc e mais ou menos o mesmo número com membros do governo colombiano. “Eu nunca fui a um encontro com as Farc sem que o governo colombiano fosse previamente informado”, afirmou.

Em entrevista ao jornal El Tiempo, no último domingo, o ministro colombiano da Defesa, Juan Manuel Santos, acusou Gontard de ter levado à Costa Rica cerca de 500 mil dólares destinados às Farc, supostamente pelo resgate de dois funcionários da empresa suíça Novartis seqüestrados em 2000.

O presidente da Novartis, Daniel Vasella, desmentiu essa informação na segunda-feira. “Gontard não fez entrega de dinheiro. Ele apenas atuou como mediador diplomático”, disse Vasella à rádio suíça RSR, confirmando informações do Ministério suíço das Relações Exteriores.

Antes de o ministro colombiano ter feito seus ataques, Gontard havia comentado na entrevista gravada pela TSR na última sexta-feira a acusação de cumplicidade com as Farc. “Em todo processo de negociação, mediadores ou emissários sempre correm o risco de ser acusados de favorecer um lado ou outro. É um risco conhecido que tentamos reduzir, mas não há nada de catastrófico”, disse.

Diálogo direto

Luis Carlos Restrepo disse que o governo colombiano agora quer “pegar o touro pelo chifre” e buscar o diálogo direto com as Farc, sem passar pelos mediadores europeus. “O trabalho de anos dos dois mediadores, apesar da boa vontade deles, não produziu resultado algum e eles têm sido manipulados pelas Farc”, disparou.

Apesar das tensões entre Bogotá e Berna, a Suíça vai continuar sua mediação para libertar os reféns ainda em poder dos guerrilheiros. “O mandato de Jean-Pierre Gontard é reconhecido por todas as partes”, declarou nesta segunda-feira o porta-voz do DFAE, Georg Farago. Essa situação permanece inalterada e a Suíça manterá sua “facilitação na Colômbia com toda a discrição necessária”, acrescentou.

Ridicularização dos mediadores

Os ataques do governo colombiano aos mediadores europeus, especialmente ao suíço Jean-Pierre Gontard, não vêm por acaso, segundo avaliação de Daniel Pécaut, especialista em Colômbia e professor na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris.

“A pressão é deliberada para ridicularizar os esforços diplomáticos feitos há anos e que pressionavam o governo colombiano a criar uma zona desmilitarizada para a troca de prisioneiros, como parte da solução humanitária”, afirmou em entrevista à rádio RSR.

Segundo Pécaut, como a estratégia do governo colombiano está dando certo, ele quer evitar que o processo de mediação dos europeus seja retomado, acusando os emissários de cumplicidade com as Farc para manter sua própria estratégia.

“Com Ingrid Bettancourt, as Farc tinham um trunfo nas negociações internacionais com a Venezuela e com a França. Agora esse trunfo não existe mais e o governo colombiano em posição de força quer evitar uma solução negociada com as Farc”, concluiu.

swissinfo, Geraldo Hoffmann e Claudinê Gonçalves

Jean-Pierre Gontard é diretor do Instituto Universitário de Estudos do Desenvolvimento (IUDE), de Genebra.

No IUDE, nos anos de 1970, teve cerca de 200 alunos colombianos, entre eles o filho de Alfonso Cano, atual chefe das Farc, segundo informa o jornal El Tiempo, da Colômbia.

Gontard trabalhou durante muitos anos para a Cruz Vermelha Internacional na África, no Oriente Médio e na Ásia.

Também realizou numerosas missões e consultorias para governos, organizações internacionais e ONGs.

Seu trabalho concentra-se em conflitos internos e, principalmente, nas relações entre subdesenvolvimento e violência.

Ele atua como conselheiro externo do Ministério das Relações Exteriores da Suíça, ultimamente na África e na América Latina, especialmente na Colômbia.

Poliglota, Gontard fala perfeitamente castellano, com a pronúncia típica da América Latina.

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