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Idealismo na ajuda suíça ao desenvolvimento

Trabalho com mulheres do Bangladesh, 1982 - um dos projetos da DDC deza / John Paul Kay

Ajudando os refugiados da revolta na Líbia, ou socorrendo o Japão após o terremoto e o tsunami – a ajuda humanitária suíça tem sido notícia nos últimos tempos.

Mas não é de hoje que a Suíça se engaja na ajuda internacional. A Agência Suíça para o Desenvolvimento e a Cooperação (DDC) fornece ajuda exterior há exatamente 50 anos, com projetos voltados para questões que vão desde a redução da pobreza à prevenção de conflitos.

Mas a instituição nunca teria existido sem o engajamento de organizações privadas e idealistas.

Um desses militantes idealistas , Martin Menzi, nascido em 1929, justifica à swissinfo.ch sua motivação pelo idealismo dos anos pós-guerra que determinava “guerra nunca mais”, e pela percepção de que as desigualdades econômicas poderiam, a longo prazo, constituir uma ameaça à paz.

“Havia o que se pode chamar de ‘grupos progressistas’ que olhavam além das fronteiras da Suíça, exigindo das autoridades que a Suíça se engajasse mais no exterior”, explica.

“O governo incumbiu então esses grupos que motivassem a sociedade civil, preparando o terreno para um futuro engajamento do setor público. E foi isso que eles fizeram.”

Ideólogos ingênuos

Theo von Fellenberg, nascido em 1935, era outro desses jovens idealistas.

“Eu estava ciente da minha situação privilegiada e do conforto que tinha”, disse.

Aos 25 anos de idade, ele parte para a Índia como voluntário do Serviço Civil Internacional, uma organização voluntária suíça que tinha como objetivo promover a compreensão entre as pessoas.

“Estávamos repletos de idealismos e muita ingenuidade. Não tínhamos nenhuma preparação. Eu simplesmente fui, sem ter alguma ideia, ainda que aproximada, do que era a Índia”, admitiu.

O jovem idealista suíço que era, começou a se questionar sobre o propósito do que estava fazendo depois de ter ajudado a fabricar tijolos para a construção de casas em uma favela na Índia. Seis meses depois, quando voltou ao país para acompanhar as obras, Fellenberg encontrou os tijolos intatos. Os moradores da favela responderam que estavam muito satisfeitos com as casas que tinham, mas que tinham ficado muito felizes com o momento que ele havia passado junto deles.

“O fato de ter vivido com eles era dez vezes mais importante do que construir boas casas”, refletiu.

Aprendendo com os erros

O caso de Menzi foi diferente. A DDC o enviou à Índia em 1968. Agrônomo, ele passou dez anos trabalhando para melhorar a produção de leite no estado de Kerala, no sul do país, cruzando animais leiteiros da Suíça com raças nativas resistentes a doenças.

O leite continua sendo hoje uma importante fonte de renda para pequenos agricultores locais, e o consumo do produto em Kerala é oito vezes superior ao da década de 1960.

Mesmo assim, Menzi admite que os peritos também cometeram erros.

“As abordagens técnicas que escolhemos eram quase sempre muito simples. Não estávamos suficientemente conscientes da complexidade do problema. A produção de alimentos, por exemplo, não é simplesmente uma questão técnica, ela depende de estruturas políticas e sociais, que muitas vezes é onde você tem que começar se quiser ter um impacto sustentável.”

Para o militante da DDC, as atitudes mudaram ao longo dos anos. As pessoas engajadas no desenvolvimento aprenderam a olhar para o panorama geral, percebendo que não podem simplesmente repassar práticas europeias, mas que devem cooperar com os parceiros locais, aprendendo com eles.

O site da DDC salienta a importância da avaliação sistemática e crítica de seu trabalho. “As avaliações promovem o aprendizado institucional”, aponta.

Responsabilização

A avaliação também é “um meio de prestar contas aos políticos e ao público em geral de todas as ações tomadas”, diz.

E todas as organizações de desenvolvimento precisam do apoio das pessoas que pagam por elas.

Uma pesquisa publicada no início de março de 2011 revelou que dois terços das famílias suíças contribuíram financeiramente com algum tipo de caridade em 2010. E o Congresso do país acaba de aprovar um aumento da ajuda suíça ao desenvolvimento.

No entanto, uma “tarefa permanente” é convencer o povo suíço de que esta ajuda é importante, diz René Holenstein, historiador que trabalha com a DDC e que acaba de escrever um livro sobre a organização.

“Historicamente, podemos observar ondas de interesses, às vezes egoístas, às vezes solidárias”, disse à swissinfo.ch.

Enquanto que alguns auxílios produzem resultados que podem ser vistos por todos – como o rebanho de Menzi – algumas vezes pode ser difícil quantificar a contribuição exata. Mas Holenstein está convencido de que os países que recebem ajuda realmente se beneficiam.

“As pessoas costumam superestimar o alcance da ajuda. Mas muitas vezes ela age como um catalisador: é o gatilho para que países ou pessoas continuem com o trabalho.”

Von Fellenberg, que colaborou seis anos com o escritório da DDC, concorda que os gastos com desenvolvimento de outros países têm que ser justificados ao contribuinte suíço. Mas isso era uma coisa difícil para um idealista como ele.

“Eu me sentia cada vez mais descontente com todas as considerações de ordem política, que questionavam por que nós, como estado, tínhamos que dar ajuda ao desenvolvimento de outros. A questão principal era saber quais eram as vantagens para a Suíça, os interesses econômicos devem ser levados em consideração”, disse, explicando o porquê de ter deixado a organização em 1970.

Arquivo de memórias

O cineasta Frédéric Gonseth, cuja equipe Humem (ver ao lado) entrevistou cerca de 80 ex-colaboradores da ajuda humanitária – incluindo Menzi e Von Fellenberg – disse à swissinfo.ch que o público suíço não é muito consciente do trabalho realizado por essas pessoas.

Entre os entrevistados estão não só técnicos, mas também pessoas que trabalharam para organizações como a Cruz Vermelha. Todas com muitas histórias para contar, algumas bem angustiantes.

O cineasta explica que essas pessoas tinham que respeitar, durante um tempo, um sigilo sobre o que faziam, mas que não foram obrigadas a guardar o silêncio para sempre. Com o tempo elas podem falar, mas ninguém lhes pergunta nada. Muitas ficaram surpresas ao serem convidadas a contribuir com o arquivo.

“São pessoas que vivenciaram coisas extraordinárias, que foram testemunhas de acontecimentos importantes na história da humanidade.”

“A Suíça só tem a ganhar com o conhecimento sobre este aspecto da sua identidade”, comentou.

A Agência Suíça para o Desenvolvimento e a Cooperação (DDC, na sigla em francês) faz parte do ministério suíço das Relações Exteriores.

Foi criada em 17 de março de 1961.

Está envolvida em auxílios de emergência e reconstrução e cooperação para o desenvolvimento a longo prazo.

O Corpo Suíço de Ajuda Humanitária (CSA), que presta auxílio em caso de catástrofes, faz parte da DDC.

Os objetivos da DDC incluem redução da pobreza, promoção da auto-suficiência econômica, encontrar soluções para os problemas ambientais e melhorar o acesso à educação e cuidados básicos de saúde.

Seu orçamento para 2011 é de 1.88 bilhões de dólares.

Possui uma equipe de 600 pessoas na Suíça e no exterior, e cerca de mil funcionários locais.

Além de suas próprias operações diretas, apoia programas de organizações multilaterais e ajuda financeira de programas executados por organizações de ajuda humanitária suíças e internacionais.

O auxílio oficial ao desenvolvimento é dado através da Secretaria Federal de Economia (Seco).

O livro de René Holenstein (em alemão) chama-se Wer geht langsam, weit kommt.

Foi publicado pela Verlag Chronos de Zurique.

O filme de foi produzido pela associação Humem (Humanitaria Memory).

A Humem foi criada em 2006 com o objetivo de formar um arquivo de história oral do trabalho humanitário da Suíça.

O arquivo contém 80 entrevistas audiovisuais com pessoas que trabalharam em organizações humanitárias e agências de desenvolvimento desde 1945.

Uma exposição itinerante sobre o assunto pode ser vista em Berna até 25 de junho de 2011.

Adaptação: Fernando Hirschy

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