Luta contra privatização da água será internacional
"É preciso excluir a água das regras do mercado e exigir um estatuto mundial da água". Esta foi a principal princípio estabelecido no II Fórum Alternativo Mundial da Água (FAME), em Genebra.
Foi formado um comitê internacional que terá um secretariado em Genebra, um fundo de solidariedade com os países do Sul e uma frente parlamentar. Terça-feira começou o decênio da água.
O objetivo ambicioso de passar à ação depois do II Fórum Alternativo Mundial da Água foi parcialmente atingido mas a tarefa será árdua e de longo prazo. Para lutar contra a privatização da água potável e garantir o acesso a ela de toda a população mundial, foi criada uma espécie de “Internacional” da água, conforme a formulação do Correio de Genebra.
Excluir a água do comércio
Depois de três dias de debates, cerca de 1.200 representantes de 150 associações e organizações não governamentais, a maioria estrangeiros, decidiram criar um comitê internacional do Fórum Alternativo Mundial da Água.
Ele será designado por associações e ongs e terá também uma espécie de excutivo de 5 membros, eleitos pelos representantes e que será encarregado de implementar as decisões do comitê internacional.
Haverá ainda um pequeno secretariado permanente em Genebra, que irá centralizar e distribuir as informações acerca da todas as ações concretas que ocorrerem. Um fundo de solidariedade, mantido pelas ongs e associações do Norte será criado para apoiar ações contra a privativação nos países do Sul.
A primeira e mais urgente delas será contra o Acordo Geral sobre Comércio e Serviços (AGCS) nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra. O AGCS criaria um contexto legal para a privatização, entre outros, da água. Uma reunião está prevista para maio e as associações tentarão pressionar.
A declaração final adotada ao final do FAME 2005 fala da necessidade de “excluir a água da esfera do comércio e das regras do mercado, particularmente dos acordos de comércio multilaterais ou bilaterais e das instituições financeiras internacionais”.
Frente Parlamentar
Em encontro paralelo ao FAME 2005, cerca de 50 parlamentares europeus, africanos e latino-americanos, auto-denominados “parlamentares unidos pela água”, decidiram fazer “lobby” contra o FMI e o Banco Mundial, acusados de promover projetos de privatização da água através dos projetos de parceria público-privados.
Eles se comprometeram ainda a criar medidas fiscais para garantir o acesso de todos à água potável até 2020 e a promover a participação ativa dos cidadãos na gestão dos recursos hídricos.
Vários parlamentares brasileiros participaram das discussões. A deputada federal Selma Schons (PT-PR) disse que ainda está “identificando um mosaico de deputados em Brasília, comprometidos com a defesa da água”. Ela preside a Frente parlamentar da Pesca e da Água, que reúne 195 parlamentares no Congresso. “Ainda temos muito a cultura de que água é apenas para produzir energia”, afirma a deputada.
O deputado federal Mendes Thame (PSDB-SP) sigeriu que sejam também submetidos à avaliação prévia projetos financiados pelo BID e por bancos europeus e japoneses.
Mauro Passos (PT-SC) disse que sem a pressão dos mecanismos dos países ricos sobre instituições como o Banco Mundial e o FMI e a ONU, os países pobres não poderão resistir às privatizações. Ele conclamos à união das forças progressistas do Norte e do Sul e deu o exemplo do Brasil. “Dez anos atrás, não foi possível resistir mas o fracasso das privatizações cria condições para aumentar a oposição”.
O deputado europeu Roberto Musacchio lembrou que empresas européias têm papel preponderante na privatização da água, principalmente nos países do Sul, através de projetos de parceria público-privada.
Circuito das águas
Ele sugeriu que a Europa crie um sistema de parceria público-público com os países pobres. “Essa sim é a parceria que queremos, enfatizou o deputado federal suíço Carlo Somaruga.
“Estamos muito preocupados e receosos que erros do passado sejam repetidos”, afirmou a swissinfo o deputado estadual Laudelino Augusto (PT-MG). “O circuito das águas é a maior província hidro-mineral do planeta e teremos brevemente licitações públicas para exploração de fontes em Caxambú, Cambuquira e Araxá”. A audiência pública está marcada para abril.
Ao referir-se aos “erros do passado”, o deputado lembra o caso de São Lourenço onde uma propriedade com vários fontes de água mineral pertence à multinacional suíça Nestlé.
A questão da privatização da água será novamente discutida no encontro entre o Parlamento Latino e o Parlamento Europeu no Peru, em julho.
O II Fórum Alternativo Mundial da Água foi co-presidido pelo ex-presidente português, Mário Soares, e pela ex-primeira dama francesa, Danielle Mitterrand. Mário Soares declarou que as pessoas podem ser militantes pelas causas justas “antes, durante e depois dos mandatos políticos”.
Disse ainda a swissinfo que seu país é dividido em dois e começa a ter sérios problemas de água. “Mesmo o Brasil, com aquele reservatório imenso, precisa cuidar dele contra a poluição e a privatização”, afirmou o ex-presidente português.
Danielle Mitterand, presidente da Fundação Solicariedade, lembrou que é militante desde os 17 anos e que sabe que essas lutas são longas. “O Fame é apenas uma etapa para que água seja mantida ou volte a ser um bem comum e não uma mercadoria.
swissinfo, Claudinê Gonçalves
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