Mudanças na postura dos EUA afetam defesa suíça

Há apenas dois meses, o novo ministro da defesa da Suíça era visto como um forasteiro com poucas chances de garantir um cargo no governo federal.
Mas Martin Pfister, coronel do exército e ministro cantonal que defende uma maior cooperação de defesa com os vizinhos da OTAN e da União Europeia, deve assumir o cargo no próximo mês, depois de derrotar um rival mais conservador no pleito.

Cooperação e exercícios militares conjuntos com a OTAN são “absolutamente necessários”, disse Pfister no mês passado, acrescentando que, embora o não esteja pressionando para que o país alpino entre para a organização militar, a aliança de defesa continua sendo essencial para a segurança da Europa.
A nomeação do novo ministro mostra como até mesmo a neutra Suíça está sentindo certa urgência em reforçar sua defesa, já que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaça desfazer as garantias americanas que há muito sustentam a segurança do continente – e, por consequência, da Suíça.
Em uma coletiva de imprensa após a votação, Pfister disse que a OTAN está “mudando, não sabemos em que direção”. Articulação e cooperação com os países europeus são cruciais “se segurança é importante para nós”, acrescentou.
Qualquer mudança na posição de neutralidade da Suíça exigiria um referendo e mudanças constitucionais – um processo que poderia levar anos.
Mas começaram a surgir discussões em vários níveis do governo que podem levar a uma mudança drástica na postura de um país cuja própria identidade está profundamente ligada à neutralidade, de acordo com especialistas.
“Nunca vimos um cenário próximo da situação que temos hoje”, disse Jean-Marc Rickli, diretor de riscos globais e emergentes do Centro de Políticas de Segurança de Genebra (GCSP).
“Nas relações transatlânticas, tivemos altos e baixos ao longo do tempo, mas agora os EUA estão demonstrando um possível distanciamento da Europa, além de estarem do lado da Rússia… essa mudança provocou ondas de choque em toda a Europa, inclusive na Suíça.”
Matthias Zoller, secretário-geral da divisão de aeronáutica, segurança e defesa da Swissmem, um órgão do setor e grupo de lobby, tem uma opinião semelhante.
“Há um senso de urgência que antes não existia”, disse Zoller. “Finalmente, ambos os lados – tanto o parlamento quanto o governo – veem que é preciso fazer algo e mudar algumas coisas.”
Mudança de humor na população
O sentimento da população mudou: agora mais pessoas defendem aumentar a cooperação no setor de segurança com os vizinhos europeus, de acordo com um estudo publicado no verão passado pela academia militar da ETH Zurich e pelo Center for Security Studies.
O estudo mostra que 53% das pessoas entrevistadas querem que a Suíça estreite laços com a OTAN, enquanto 10 anos atrás a porcentagem girava em torno de 43%. Sobre entrar de fato na aliança militar, apenas 30% dos entrevistados defende essa ideia, mas nessa questão há também uma mudança na mentalidade – 10 anos atrás somente 23% dos entrevistados defendia a entrada na OTAN.
Zoller, que participou de uma audiência com Pfister antes de sua nomeação, disse que o novo ministro da defesa “entende que, seja o que for, precisamos colaborar com nossos vizinhos”.
Uma das primeiras tarefas de Pfister após assumir o cargo em 1º de abril será ajudar a redigir a primeira estratégia de segurança nacional do país, que poderá ser apresentada até o verão.
As discussões sobre a estratégia de segurança “ocorrerão com um crescente senso de urgência, o que é bom”, disse Daniel Möckli, que dirige o think-tank no CSS da ETH Zurich, que é parcialmente financiado pelo ministério da defesa.
“O esboço formal da estratégia de segurança será o primeiro desse tipo e definirá nossos objetivos. Ela deve dar uma ideia de para onde o governo quer levar o país.”
Exportação de armas
Também estão sendo consideradas mudanças nas regulamentações de exportação. Berna proíbe a exportação de armas se o país de destino estiver envolvido em qualquer guerra, no país ou no exterior, incluindo a Ucrânia.
As regras têm incomodado vários países, principalmente a Alemanha que não tinha permissão para reexportar armamentos fabricados na Suíça para a Ucrânia.
Mas agora essa proibição pode mudar com o novo ministro.
“Martin Pfister confirmou que lutaria pela flexibilização das restrições à exportação de material e sistemas de guerra suíços”, disse Stefan Holenstein, coronel do Estado-Maior do exército suíço que preside a Associação das Sociedades Militares da Suíça.
No início de março, Holenstein convidou Pfister e seu candidato rival, Markus Ritter, chefe do lobby dos agricultores suíços, para uma audiência com representantes do setor militar e de defesa em Berna.
Embora a Suíça defenda a neutralidade armada perpétua, Holenstein disse que “para nós e também para Martin, isso não significa não significa isolamento estrito ou não cooperação estrita com a arquitetura de segurança europeia”, ele enfatizou.
Aumentar substancialmente o orçamento do exército e desenvolver a indústria de armas suíça eram outras expectativas do setor militar, disse Holenstein.
Porcentagem do PIB para a segurança
A Suíça pretende direcionar 1% de seu PIB para gastos em defesa até 2030, aumentando os investimentos que não ultrapassaram 0,7% no ano passado. A fatia é muito menor do que as metas de outras nações europeias: espera-se que a meta atual de gastos de 2% da OTAN alcance 3% ou 3,5% em junho, enquanto Trump insiste que os aliados europeus deveriam pagar 5% do PIB à aliança militar.
Aumentar a comunicação e articulação das forças armadas também é uma possibilidade no horizonte, disse Holenstein, mencionando os soldados suíços que, no próximo mês, irão para a Áustria – também um país neutro – para treinar com tropas austríacas e alemãs. Estes serão os primeiros exercícios militares da Suíça em solo estrangeiro desde 2003.

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Mas apesar da aparente animação da Suíça em participar do processo de rearmamento da Europa, analistas advertem que qualquer mudança na estratégia do país alpino pode levar anos.
Mas em oposição, há também forças fortes no país que defendem fortalecer a posição de neutralidade. Após a invasão em grande escala da Rússia na Ucrânia em 2022, a Suíça adotou sanções semelhantes às da UE, do Reino Unido e dos EUA. Mas, desde então, ativistas e alguns políticos de direita tentaram forçar o fim das restrições econômicas, se baseando em artigos que definem a neutralidade do país na constituição.
Uma autoridade suíça disse: “Há enormes diferenças até mesmo entre os membros do Conselho Federal, sem falar no parlamento e na população, sobre a direção que a Suíça deve tomar. Sempre é necessário encontrar um consenso, mas estamos muito longe disso.”
“Eu não esperaria grandes mudanças neste ano ou mesmo para o próximo.”
Copyright The Financial Times Limited 2025
(Adaptação: Clarissa Levy)
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