O equilíbrio perigoso do terror
Há 60 anos, com as bombas de Hiroshima e Nagasaki, o mundo entrou numa nova era estratégica baseada na dissuasão nuclear.
Hoje, esse equilíbrio do terror está novamente ameaçado, muito mais pelos Estados do que por grupos terroristas. A opinião é de Marc Finaud, do Centro de Política de Segurança, em Genebra, em entrevista a swissinfo.
Desde setembro de 2001, o emprego da arma atômica por organizações terroristas foi abordado inúmeras vezes pela mídia. Falou-se inclusive em manuais de fabricação de bombas nucleares disponíveis na Internet.
Para o ex-diplomata francês Marc Finaud, esse cenário é pouco provável. Ele lembra que a confecção de uma bomba nuclear requer muitos recursos, grandes instalações, muita competência e muito tempo.
Segundo esse especialista do Centro de Política de Segurança de Genebra – instituto criado pela Suíça em 1995, dentro do programa Parceria pela Paz – o risco mais sério seria o emprego por grupos terroristas de uma bomba suja (explosivos clássicos junto com produtos radioativos). A maior ameaça nuclear, no entanto, continua sendo a dos Estados. Explicações e lembrete histórico com Marc Finaud.
swissinfo: No plano estratégico, que impacto tiveram as bombas de Hiroshima e Nagasakii?
Marc Finaud: A estratégia dos Estados foi totalmente transformada porque começou a era do equilíbrio pelo terror. O risco de uma catástrofe provocada por um bombardeio atômico dissuadiu as potências nucleares a se atacarem entre si e um outro estado a atacar uma potência nuclear e até mesmo seus aliados.
Essa nova era foi marcada por duas evoluções. Primeiro, a proliferação nuclear vertical, pela aumento dos arsenais nucleares. Isso chegou a uma tal escalada que as potências nucleares acabaram por negociar a redução de seus estoques de armas.
A segunda evolução foi a multiplicação das potências nucleares, o que chamamos de proliferação horizontal. Depois dos Estados Unidos e da União Soviética, entraram para o clube a China, a França e o Reino Unido. Esses cinco países são reconhecidos oficialmente como potências nucleares pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear (TPN), principal instrumento de limitação da arma atômica.
Mas outros países também desenvolveram armas nucleares, principalmente a Índia e o Paquistão, em 1998. A Coréia do Norte anunciou que possui armas atômicas mas não realizou nenhum teste. Uma explosão é o único critério absoluto para saber se um país detém realmente esse tipo de armamento.
Tem ainda o caso de Israel, que não reconhece que tem a bomba atômica mas que é suspeito de tê-la.
Outros países tem ou tiveram programas nucleares, como o Irã, que nega ter um programa militar mas é considerado suspeito há cerca de 20 anos.
Há ainda os que renunciaram a obter a bomba como a Argentina, o Brasil, a África do Sul e a Líbia. O programa nuclear iraquiano foi definitivamente desmantelado depois da primeira guerra do Golfo, sob controle das Nações Unidas.
swissinfo: Pode haver uma nova onda de proliferação nuclear?
M. F.: Risco sempre existe. No contexto de tensões maiores ou de conflitos regionais, certos países poderão tentar adquirir a arma nuclear, particularmente no Oriente Médio e na Ásia.
Se o Irã tiver a arma nuclear, é claro que a Arábia Saudita tentará tê-la também. Se for confirmado que a Coréia do Norte tem a bomba atômica, a Coréia do Sul e o Japão poderão renunciar ao estatuto de potência não nuclear.
Mas existem instrumentos de controle como a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em Viena, e o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TPN), um texto quase universal assinado por 187 países. Índia, Paquistão, Israel e Coréia do Norte não o assinaram.
Esses mecanismos permitem até a convocação do Conselho de Segurança da ONU, que poderia, por sua vez, adotar sanções.
swissinfo: O anúncio feito pelos Estados Unidos de relançar o programa de pesquisas de armas nucleares tácticas (mini nukes) não é um fator de proliferação?
M.F.: Sem dúvida que é uma evolução preocupante para especialistas de vários países. E isso porque a estabilidade internacional é fundada no princípio de não usar a arma nuclear.
Se a potência dessas armas é reduzida para uso com objetivos operacionais como
a destruição de fortalezas subterrâneas, saímos da lógica da dissuasão e entramos na lógica desestabilizadora e proliferativa.
swissinfo: O que é sabido dos programas americanos?
M.F.: Eles ainda estão em fase de pesquisa e, como são muito caros, o Congresso hesita em financiá-los. Mesmo assim, a administração Bush incluiu esses programas em sua planificação estratégica.
swissinfo: Outros países poderão seguir o mesmo caminho?
M.F.: Esse não é um assunto que os países discutem em praça pública. Se a Rússia fizesse essa escolha estratégica, teria provavelmente capacidade para realizá-la. Mas essa não é intenção declarada pelo Kremlin.
swissinfo: Et a China?
M.F.: Repito que esss programas de pesquisa são realmente muito caros. Talvez a China não o faça até por razões orçamentárias.
Acho que o que mais preocupa a China é o projeto americano de defesa anti-mísseis balísticos, que incitaria à desenvolver novos tipos de armas nucleares capazes de neutralizar essa nova linha de defesa.
Mais uma vez estamos entre a cruz e a espada. Hoje, o conjunto das potências nucleares é vulnerável a um segundo ataque (resposta) nuclear. A dissuasão é fundada nesse equilíbrio.
Se um desses países torna-se invulnerável, pode ser novamente visto como agressor potencial. Portanto, se os Estados Unidos persistem em seu projeto de defesa anti-míssel, a China poderá multiplicar quantitativa e qualitativamente seu arsenal nuclear.
Entrevista swissinfo: Frédéric Burnand em Genebra.
Tradução: Claudinê Gonçalves
– As cinco potências nucleares oficiais têm cerca de 20 mil cabeças nucleares ativas e 10 mil em reserva. Isso representa 200 mil vezes a potência da bomba de Hiroshima.
– No fim dos anos 80, havia 80 mil cabeças nucleares no mundo.
– As quatro potências nucleares não oficiais detém aproximadamente 350 ogivas nucleares.
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