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O mago dos queijos

André Guedes é mais paciente que o consumidor brasileiro. swissinfo.ch

Um mineiro faz queijos genuinamente suíços em Nova Friburgo. Enquanto os produtos enriquecem o paladar brasileiro, seu trabalho se transformou em uma das principais atrações turísticas da região.

André Guedes revela à swissinfo.ch o desafio de fazer um gruyère ou sbrinz tão bons como os originais e ainda criar novos queijos.

O mestre-queijeiro não tem tempo. Ele atravessa correndo o salão azulejado e dá instruções aos funcionários para verificar se o coalho já está no ponto certo de ser quebrado.

Trajando roupas brancas e touca na cabeça, André Guedes explica que as normas de higiene nas instalações da Queijaria escola de Nova Friburgo (Frialp), uma instituição genuinamente helvética inaugurada em 1° de agosto de 1987, são muito mais restritas até do que na Suíça. “Aqui é preciso apresentar atestado de saúde para poder entrar, sem falar das roupas higiênicas”, afirma.

Os suíços presentes experimentam os queijos e dão o sinal de aprovação. Poucos parecem acreditar que é possível também produzir nos trópicos um produto com o mesmo gosto encorpado como em seu país. Através das janelas panorâmicas da sala de produção, eles confirmam que os equipamentos são os mesmos, assim como o líquido branco que cai nas grandes caldeiras.

swissinfo.ch: O que é produzido aqui na Queijaria escola?

André Guedes: Hoje a gente processa por ano 800 mil litros de leite, o que dá aproximadamente três mil litros por dia. Uma parte é leite de cabra, mais ou menos 150 mil litros. Nós fabricamos 18 tipos de queijo. Se você comparar isso com a Suíça, é uma coisa extremamente grande, mas é porque a gente tem um perfil de consumo diferente. Enquanto na Suíça existem as sociedades de consumo – Gruyère SA, Union Suisse du Commerce de Fromage, etc – e que vem e pegam os queijos da queijaria para vender, ou seja, o queijeiro não tem esse problema.

swissinfo.ch: No Brasil a situação deve ser completamente diferente…

A.G.: Aqui a gente tem de brigar para vender. E o nosso principal cliente é uma loja e que é, ao mesmo tempo, uma atração turística da cidade, um lugar onde as pessoas visitam a fabricação. Quando a pessoa chega na loja para comprar, ela quer ver um monte de tipo de queijos. Uma queijaria do tamanho da minha na Suíça faria um só tipo de queijo. Nós fazemos 18.

swissinfo.ch: E quais são os tipos que a Frialp produz?

A.G.: A gente tem a linha nacional, que é o minas frescal, a ricota – de origem italiana – o queijo prato, o requeijão e a manteiga. Depois vem o minas padrão. Então chegamos na linha dos queijos finos: temos o moleson, exclusivo da nossa empresa. Ele é feito na versão de leite de vaca e cabra.

swissinfo.ch: E por que ele é tão exclusivo?

A.G.: Pois temos o reconhecimento da FAO (n.r.: Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e do Ministério da Agricultura. Existem no mundo 1.065 tipos de queijo. A Suíça tem pouco mais de 70 tipos de queijos originais. A França tem 480. Normalmente a gente fabrica muito queijo “tipo”, pois são copiados de outros países.

No Brasil só têm nove tipos de queijos e um deles é o moleson, registrado em 1988. Ele usa uma tecnologia nova, o mesmo linens (n.r.: uma bactéria láctica) do vacherin fribourgeois, mas em uma massa mais macia e menos ácida. Isso tudo com o leite brasileiro pasteurizado, pois no Brasil somos obrigados a trabalhar com o leite pasteurizado. É uma grande diferença daqui para a Suíça.

swissinfo.ch: Você fala do no queijo gruyère?

A.G.: Sim. O gruyère é obrigatoriamente feito de leite cru, como também o emmental, o vacherin mont-d’or, o tilsiter ou o appenzeller. Aqui a gente é obrigado a pasteurizar.

swissinfo.ch: E a utilização de leite cru causa uma diferença tão grande no gosto dos queijos?

A.G.: Causa, pois você perde o que os enólogos chamam de “terroir”. A alimentação do gado é um desses fatores. Qualquer aroma que é produzido no processo, ele some no processo de pasteurização. Então você tem de tentar imitar utilizando fermentos. Hoje eu recebo fermentos da Suíça ou da Dinamarca para fabricar os meus queijos. As bactérias básicas são as mesmas, mas você não tem o terroir.

Então a gente nunca vai conseguir repetir identicamente o mesmo sabor e nem a Suíça vai conseguir repetir um queijo feito aqui. Mas ela tem muito mais tradição. E os pastos altos, os pré-alpes com 1000 e 1200 metros acima do nível do mar, têm uma graminha muito aromática. Isso passa para o queijo um buquê, algo único. Por isso os queijos de alpaje são muito valorizados e, principalmente, os queijos feitos com leite cru.

swissinfo.ch: Por que não se produz no Brasil queijo com leite cru? Existe algum perigo para a saúde?

A.G.: O risco está muito minimizado. Mas existe o risco. Uma vaca pode ter brucelose, tuberculose, febre aftosa, raiva, leptospirose ou febre tifóide. Você tem de dez a doze doenças onde o leite pode ser o veículo através da doença do animal ou do ordenhador. Então quando você não tem como controlar todos os parâmetros, a obrigação é pasteurizar, pois você mata todas as bactérias e só adiciona os lactobacilos.

swissinfo.ch: Mas como faz um país como a França, com os seus famosos queijos”aromáticos”?

A.G.: A França tem hoje um problema: ela não vende o seu camembert cru fora do país. Eles sabem que não existe uma garantia. Mas por que a Suíça tem queijo de leite cru? Pois ela tem um controle extremamente rigoroso da sanidade animal e também produz queijos de longa maturação e massa cozida. Então quando você faz um gruyère ou emmental, que vai ficar cinco ou seis meses maturando, existem estudos técnicos que comprovam que esse queijo – assim como o parmigiano italiano – as bactérias não suportariam esse longo período de latência. Então você teria um queijo sem riscos, mesmo feito com leite cru. Ainda é muito arriscado fabricar queijo sem leite pasteurizado no Brasil.

swissinfo.ch: Qual a diferença de sabor entre os queijos suíços que você fabrica e os originais?

A.G.: Eu faço o fondue, por exemplo. Mas o nosso fondue não pode ser igual ao da Suíça. O fondue suíço é só suíço que gosta e eu não vendo para suíço, mas sim para brasileiro. O próprio raclete, que na Suíça tem normalmente entre quatro a cinco meses de cura, aqui são três. Se passar disso, o brasileiro já acha muito forte, sobretudo na hora de esquentar. Hoje como iremos fazer uma degustação para suíços, eu peguei os queijos mais curados da fábrica. Eu não coloquei o minas padrão e nem o moleson com 60 dias, mas sim com 120. Assim o suíço vai dizer: ah, o queijo tem gosto. Mas já o brasileiro diria: pô, esse queijo da queijaria é meio forte.

swissinfo.ch: Porém muitos brasileiros não teriam gosto para esses queijos mais encorpados na Europa?

A.G.: O que é gratificante hoje é que muitos brasileiros estão sofisticando o consumo. Muitos já viajaram, já vivenciaram essa coisa da Europa de ir a restaurantes. E assim muitos já valorizam esse queijo com sabor mais pronunciado ou aroma mais intenso. Um queijo que ele combina com vinhos. Antes o brasileiro só tomava vinho suave, mas agora já começou a tomar vinho seco.

swissinfo.ch: E quais são os outros queijos europeus fabricados por vocês?

A.G.: Temos o reblochon, um queijo suíço de massa mole, que tem o crescimento do linens na casca. Temos o queijo tipo sbrinz (n.r.: típico queijo da Suíça central), onde a gente utiliza na verdade o fermento do parmesão. É fechada essa questão na Suíça: lá são três anos de cura. E isso eu não posso fazer no Brasil, mesmo com a economia estável. É muito capital empatado! No Brasil faço com dez meses de cura. Já é o queijo mais longo meu.

Temos o queijo tipo gruyère feito em uma forma de cinco quilos. Ele não tem nada a ver com o gruyère suíço, cuja tradição manda ter no mínimo vinte ou cinco quilos e ser vendido a partir do sexto mês. O meu gruyère é vendido com noventa dias, senão ninguém come. Temos também o queijo tipo suíço, o nome genérico para o emmental, com uma forma de no máximo 12 quilos. Não existe mercado para queijo grande no Brasil. As lojas não querem ficar cortando queijo demais. Isso dá perdas para elas.

swissinfo.ch: Quais seriam outros problemas da produção de queijo na Frialp?

A.G.: Não temos nenhum produtor grande. A idéia inicial do projeto era de criar pequenos núcleos de produção leiteira. Eu diria que esse projeto foi um sucesso, mas ele hoje encontra uma limitação. Pois o leite, assim como na Suíça, é um negócio difícil, de trabalho diário. Mas a grande diferença no Brasil é que não existe subvenção. O produtor não consegue enxergar os cifrões como deveria. Ele prefere plantar tomate – se você pegar a estrada Friburgo-Teresópolis, ela é a maior produtora do mundo de couve-flor; é a segunda região produtora do país de folhagens, alface ou repolho. Mas a ideologia do projeto era instalar em uma área rural uma fábrica de queijo, que permitisse ao plantador de couve-flor, por exemplo, colocar uma vaca ou uma cabra nas suas terras. A fábrica começou com 30 litros de leite por dia. Não tinha leite aqui.

Alexander Thoele, Nova Friburgo, swissinfo.ch

André Guedes é originário de Minas Gerais, um estado tipicamente queijeiro no Brasil. De 1984 a 1988 fez a escola técnica de produção de laticínios, até ser selecionado pelo então diretor da Queijaria escola de Nova Friburgo (Frialp), Othmar Raemy, hoje diretor da queijaria Gruyère SA, na Suíça, para auxiliá-lo. Cinco anos depois, já era o diretor técnico da Frialp.

Antes chegou a passar um período na Suíça para aprender novas técnicas. Chegou inclusive a trabalhar no “Alpage”, uma forma tradicional de produção, onde as vacas pastam ervas baixas nas montanhas alpinas e o queijo é produzido no mesmo local, quase de forma artesanal.

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