“O trabalho ingrato das agências de notação”
Pela primeira vez, a Standard & Poor's rebaixou, na segunda-feira (18), a perspectiva de evolução de sua nota sobre a dívida dos Estados Unidos.
Uma advertência que não surpreende o suíço Cedric Tille. Para o economista, professor do Instituto IHEID de Genebra, a agência de notação faz apenas a sua obrigação.
A agência Standard & Poor’s declarou na segunda-feira (18) que a dívida de longo prazo dos EUA mantém a melhor nota (AAA), mas a perspectiva da nota a longo prazo foi revista de “estável” para “negativa”.
Em outras palavras, a agência pode diminuir sua avaliação dos títulos do governo americano nos próximos dois anos.
swissinfo.ch: Qual será o impacto da decisão da Standard & Poor’s?
Cédric Tille: Essa decisão destaca os desafios de longo prazo que os americanos estão enfrentando. Mas isso não é novidade. Já sabemos há algum tempo que as aposentadorias e a saúde pública vão pesar muito no orçamento dos Estados Unidos. Não é de hoje que o Fundo Monetário Internacional (FMI) vem chamando a atenção para esse problema.
Em um contexto bastante disfuncional, a Standard & Poor’s constata que, se as autoridades não conseguirem pegar o touro pelos chifres em alguns anos, haverá a longo prazo efeitos negativos. Mas não estamos numa situação de risco de colapso em dois anos.
Sobre o impacto dessa decisão, que não é uma surpresa, quando um país sofre uma mudança na classificação, as taxas de juros de sua dívida podem aumentar. Os investidores começam a olhar o país com receio e pensam duas vezes antes de investir nele.
Neste caso, o mercado de ações caiu cerca de 2% na segunda-feira, o que está longe de ser dramático. Mas as taxas de juros de curto prazo da dívida americana não foram aumentadas.
De fato, os investidores – nervosos – se refugiam nos braços do Tio Sam, como sempre nestes casos. Como não há risco de inadimplência a curto prazo, a dívida dos EUA continua sendo muito atraente. O problema pode surgir para um horizonte de vinte a trinta anos. Isso explica que os rendimentos da dívida americana a longuíssimo prazo aumentaram um pouco.
swissinfo.ch: Mas esse aviso pode causar preocupação para países como França ou Grã-Bretanha, também muito endividados, que podem ser os próximos a receber um cartão amarelo…
CT: É verdade. As agências de notação já manifestaram reservas sobre a situação a longo prazo de um país como a França. Mas o fato de apontarem o dedo aos Estados Unidos não muda a situação. Ninguém está aprendendo de repente que a Standard & Poor’s pode ser severa.
swissinfo.ch: As agências de classificação de risco foram criticadas por não terem previsto a crise de 2008. O aviso da Standard & Poor’s também pode ser uma maneira de reforçar a imagem?
TB: Essa decisão é baseada nos fundamentos da dívida pública dos EUA. Eu não acho que isso seja uma simples questão de relações públicas. As agências de classificação de risco foram criticadas durante a crise, mas também durante a crise asiática e as crises anteriores. Em cada crise é a mesma história.
Se elas não dizem nada, são acusadas de não terem visto o problema aparecer, se soam o alarme, são acusadas de criar o problema ou agravá-lo. O trabalho delas é um pouco ingrato.
Nada explica porquê a Standard & Poor’s lança o alerta agora e não seis meses atrás. Passamos por um triz do fechamento do governo americano e agora o Congresso vai, sem dúvida, debater até o último minuto se eleva o teto da dívida. É a preocupação a mais que deve ter incitado a Standard & Poor’s a dar o passo.
swissinfo.ch: Mas para que serve fundamentalmente uma agência de rating?
CT: No mercado existem iniciados, pessoas do métier que detêm as informações e sabem o que estão fazendo, e o restante dos investidores que não sabem onde colocar seus pés e que podem ser enganados. O papel da agência de rating é transmitir informações aos investidores desinformados. Se eu não sou um especialista do banco UBS, por exemplo, eu não vou analisar as contas do UBS. Mas a nota sobre o UBS vai me dar uma ideia do valor desta empresa.
swissinfo.ch: Dito isto, nem tudo são rosas …
CT: A classificação de títulos simples como as obrigações não cria problema. Não foi o caso das classificações dos derivativos. Antes da crise, havia derivativos classificados de triplo A [as empresas, sociedades ou produtos financeiros mais saudáveis] que na realidade não eram.
Esses produtos foram criados para passar no limite. Na primeira notícia ruim a nota desaparecia, quando na verdade é preciso muito mais para abaixar um triplo A. Com o enfraquecimento do mercado imobiliário dos Estados Unidos no início da crise, os derivativos triplo A se tornaram super arriscados.
swissinfo.ch: As agências de classificação de crédito mudaram a maneira delas de trabalhar depois dessa última crise?
CT: Não que eu saiba.
swissinfo.ch: Na sua opinião, deve-se mudar alguma coisa no sistema?
CT: O problema das agências de notação é o conflito de interesses. As agências são pagas pelos emitentes, por aqueles que elas deveriam supervisionar. Se eu sou um agente econômico que pretende emitir uma obrigação no mercado e se quero uma nota sobre essa obrigação, cabe a mim pagar a agência de notação. Desse jeito eu acabo conseguindo uma boa nota. Um pouco como se o professor fosse pago pelos seus alunos: eles têm todas as chances de tirar notas muito boas. Mas este problema não é novo e não há nenhuma solução rápida.
swissinfo.ch: No auge da crise, alguns países como a França anunciaram sua intenção de reformar o campo das agências de rating. O resultado, na prática?
CT: Não aconteceu nada. Mas este não é o maior problema. Os efeitos de alavancagem altos demais, as instituições financeiras “too big to fail”, esses tipos de problema são muito mais importantes.
As três principais agências de rating no mundo são a Standard & Poor’s, a Moody’s e a Fitch. Elas baseiam suas avaliações em opiniões de seus analistas que trabalham a partir de critérios contábeis, administrativos, de risco, de perspectivas no caso das empresas, de poder econômico, de estabilidade, de risco institucional, de política monetária e política fiscal no caso do setor público.
Depois do escândalo da Enron e da crise dos subprimes, as agências de rating têm sido acusadas de terem reagido tarde demais, mantendo suas classificações durante um tempo longo demais. Na crise da dívida grega, as autoridades políticas acusaram-nas de colocar lenha na fogueira da especulação. A União Europeia está atualmente trabalhando numa regulamentação dessas agências.
A China pediu na terça-feira (19) que Washington tomasse “medidas responsáveis” para proteger os investidores, após as “perspectivas negativas” do rating da dívida dos EUA postas pela Standard & Poor’s.
A China é o maior credor dos Estados Unidos. Ela detém um total de 868,4 bilhões de dólares do Tesouro americano, no final de agosto de 2010, segundo dados do governo dos EUA.
Fonte: ATS
Adaptação: Fernando Hirschy
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