Os sete grandes problemas do Exército suíço
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Os desafios enfrentados pelas Forças Armadas da Suíça são colossais. Acompanhe nossa análise sobre as maiores dificuldades em questão.
A quantas andam as Forças Armadas suíçasLink externo? Durante muito tempo, a resposta dependia do contexto político. A esquerda considerava o aparato de Defesa do país superdimensionado e ultrapassado. A direita elogiava sua capacidade e apresentava de maneira convincente listas de aquisições caras.
Hoje, ambos os lados do espectro político estão amplamente de acordo: as Forças Armadas suíças não acompanharam as exigências dos tempos atuais. A guerra da Rússia contra a Ucrânia trouxe insegurança para a Europa, e isso exige uma melhor capacidade no setor da Defesa.
O Parlamento já aprovou mais recursos para esse fim e um aumento nas verbas destinadas à segurança para 1% do PIB a partir de 2032.
Entretanto, a mera força de combate é uma fragilidade antiga das Forças Armadas suíças. No momento, há ainda vários outros novos pontos fracos. Segundo especialistas, há sete questões vulneráveis aguardando uma nova liderança do Ministério da Defesa (VBSLink externo, na sigla em alemão) após a renúncia da ministra Viola Amherd.
1. Ausência de estratégia
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Nas últimas décadas, as Forças Armadas adaptaram continuamente seus recursos ao contexto de ameaça de cada época. Para isso, foram adotando sempre novas estratégias. Os alvos declarados eram sempre importantes para transmitir à população e às tropas o sentido e o objetivo dos investimentos, que eram às vezes imensos.
Com a reorganização do “Exército 95Link externo”, no ano de 1995, por exemplo, o aparato de Defesa foi adaptado às necessidades da sociedade civil após a queda do Muro de Berlim.
O “Exército 21Link externo” – o número remete a século 21 – com tropas reduzidas acarretou em 2004 liberação de recursos que poderiam ser canalizados para novas tecnologias. Mais recentemente, melhorias específicas deveriam ser implementadas com o chamado “desenvolvimento adicional das Forças Armadas”. Essa última reforma foi iniciada em 2010.
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Desde então, o contexto geopolítico mudou radicalmente, mas ainda falta um modelo adequado de referência. Embora a questão da função do Exército esteja sendo respondida de forma concludente no âmbito da guerra da Rússia contra a Ucrânia, o sistema suíço de Defesa perdeu ao mesmo tempo o foco diante de tantos desafios.
A guerra híbrida, os rápidos avanços no setor digital e o retorno das batalhas com uso de tanques de guerra – tudo isso precisou ser levado subitamente em conta. “Temos muitas listas de desejos, mas, para estabelecer prioridades, é preciso haver uma estratégia”, diz Priska Seiler Graf, deputada do Partido Socialista (PS) e presidente da Comissão de Política de Segurança do Conselho Nacional (Câmara dos Deputados). “No momento, estamos simplesmente expandindo tudo”, completa.
Werner Salzmann, especialista em política de segurança do Partido do Povo Suíço (SVP) e membro do Conselho dos Estados (Senado), acrescenta: “A prioridade no momento é a capacidade da Defesa da Suíça em todos os setores, mas não há um conceito geral de Defesa aprovado pelo Conselho Federal em termos de estrutura, modelo de serviço, treinamento, logística ou força de tropas”. Esse conceito geral teria também que levar em consideração a proteção da população civil, a defesa cibernética, o serviço de inteligência e a cooperação com os cantões.
Viola Amherd, ministra da Defesa que deixa o cargo, quando solicitada a apresentar um conceito, referia-se sempre ao “Livro Negro da DefesaLink externo”, publicado em 2023. No entanto, isso não está suficientemente ancorado no Parlamento. Em dezembro de 2024, o Parlamento solicitou ao Conselho Federal que criasse uma “visão de objetivosLink externo e orientação estratégica a ser atingida”.
Tanto Salzmann quanto Amherd estão convencidos de que uma estratégia coerente e de fácil mediação será necessária, o mais tardar, quando os eleitores tiverem que se pronunciar – por exemplo, sobre novos recursos para a Defesa ou sobre um ajuste no serviço obrigatório.
2. Aeronáutica demonstra fragilidades
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A maioria dos especialistas das Forças Armadas concorda que a defesa aérea ganhará importância no futuro, pois, entre as muitas ameaças possíveis, um ataque aéreo é considerado atualmente o mais realista. No entanto, é justamente no espaço aéreo que a Suíça apresenta fragilidades, pois os dois sistemas necessários – caças e defesa aérea – estão obsoletos ou, pior ainda, estão inativos em um processo de revisão.
Os caças F/A-18, com 25 anos de idade, encontram-se atualmente em um programa de manutenção, que teve de ser prorrogadoLink externo devido a complicações. Por isso, há anos, apenas aproximadamente 12 dos 30 F/A-18 suíços estão operando.
A vigilância do espaço aéreo é também um ponto fraco. Um sistema adequado para emergências ainda será desenvolvido. Pior ainda: esse desenvolvimento ocorre muito lentamenteLink externo.
O sistema de defesa aérea de médio alcance está completamente obsoleto. Em um procedimento de urgência, o Parlamento acaba de encomendar à compradora de armas suíça Armasuisse novos mísseis de defesa aérea, que também podem abater drones. No entanto, a Armasuisse ainda não encaminhou o pedido a um fabricante. Ainda não se sabe quando um novo sistema estará disponível. “Acreditamos que no final dos anos 2020”, diz Kaj-Gunnar Sievert, porta-voz da Armasuisse.
O novo caça suíço F-35 foi encomendado, com a primeira entrega de oito dos 36 jatos prevista para 2028. Entretanto, a tensa situação de segurança global pode levar a atrasos. “A demanda é alta e pode haver riscos em termos de prazos de entrega”, diz Werner Salzmann, mesmo que ainda não haja indícios disso até o momento.
O fato de a Suíça receber a versão mais recente Block 4 desse jato também pode ser problemático. Ela ainda está em desenvolvimento, vindo com mais de 75 modificações de hardware e software, mas com um motor antigo. De qualquer forma, a manutenção do F-35 já é considerada extremamente cara. “Com certeza, teremos surpresas desagradáveis”, teme a política de segurança Priska Seiler Graf.
3. Aquisições estão saindo de controle
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Nas últimas semanas, os dois principais auditores financeiros da Suíça – a Delegação de Finanças do Parlamento e o Escritório Federal de Auditoria da Suíça – foram rápidos em disparar o alarme sobre as Forças Armadas.
Em dezembro de 2024, a Delegação escreveu para Viola Amherd, então ministra da Defesa, que projetos com um volume total de 19 bilhões de francos suíços teriam sido afetados por “atrasos crescentes, riscos aumentados e recursos insuficientes”. “Esperamos que o ministério fortaleça sua supervisão e controle”, exigiuLink externo Lars Guggisberg, presidente da Delegação de Finanças, na emissora SRF.
Em meados de janeiro, o Depto. Federal de Auditoria da Suíça criticouLink externo duramente uma aquisição de drones de reconhecimento no valor de 300 milhões de francos suíços. O drone “Hermes 900”, na verdade já testado e aprovado, foi submetido a um ajuste oneroso de produtos existentes, para atender às exigências especiais da Suíça. O dispositivo israelense deve ser capaz, por exemplo, de voar sobre o Passo de São Gotardo. Para isso, a Suíça pretende instalar nele um motor a diesel e um sistema de degelo. Ambos vêm há anos causando grandes problemas.
Por fim, a Suíça também queria que fosse desenvolvido um sistema automático de desvio, evitando que o drone colida com parapentes. O resultado foi um fiasco. O primeiro drone entregue está atualmente no solo. Se ele for usado novamente, terá que ser acompanhado por helicópteros. A aquisição dos drones restantes está muito atrasada.
Os custos adicionais para equipamentos de rádio chegam aos 50 milhões. Em vista dos contratempos nas aquisições, a liderança do Partido Socialista (PS) está pedindo a retenção dos fundos aprovadosLink externo pelo Parlamento para aquisição de armamentos. Para o partido, não está claro se as Forças Armadas sabem lidar com esses recursos financeiros.
4. Derrocada de projetos de TI
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A Suíça desenvolve no momento 22 projetos-chave na área de transformação digital. Trata-se de projetos amplos de digitalização de importância estratégica, com custos milionários e altamente complexos. Nove desses 22 projetos estão sob a responsabilidade do Departamento da Defesa. Eles custam 19 bilhões de francos suíços – e quase nada está transcorrendo de acordo com o planejado. “Estamos falando de sete projetos que nos causam preocupação”, afirmouLink externo Thomas Süssli, comandante das Forças Armadas, ao jornal NZZ.
Juntamente com o espaço aéreo, a infraestrutura digital é o segundo calcanhar de Aquiles da Defesa suíça. Pelo menos é essa a opinião de Mauro Mantovani, especialista em estratégia, em um artigoLink externo publicado pelo NZZ: “Uma análise rigorosa das ameaças provavelmente mostraria que os recursos no espaço aéreo e no espaço cibernético deveriam ser priorizados”.
O projeto central dos esforços digitais é um novo sistema operacional próprio, uma espécie de “Windows para as Forças Armadas”. Essa “nova plataforma de digitalização” vai, um dia, reunir todos os aplicativos relacionados à guerra. Trata-se de um projeto que está sendo desenvolvido há dez anos.
Os requisitos são muitos. Uma única plataforma deve cobrir em rede a condução da guerra por parte das Forças Armadas suíças em todas as esferas de operação: no solo, no ar, no espaço, no ciberespaço, no espaço eletromagnético e no setor de informações. Todos os sistemas de armamentos também devem ser capazes de se conectar a ela.
Além disso, a plataforma deve ser também acessível para Big Data e inteligência artificial. E ainda: todos os dados devem permanecer na Suíça, em seus próprios servidores protegidos, independentemente da rede de energia.
Isso representa uma sobrecarga para a Suíça? Os auditores financeiros do Parlamento consideram que a implementação do projeto está comprometida. “Continua sendo um desafio fazer com que esses projetos sejam bem-sucedidos”, confirma Thomas Süssli, comandante das Forças Armadas.
Süssli foi nomeado para chefiar as Forças Armadas como especialista em TI para empresas. E é justamente esse especialista que agora parece estar perdendo o controle dos projetos. Peter Hegglin, à frente da Delegação de Finanças em 2024, vem pedindo há muito um “controlling de portfólio, que permita a votação e a priorização”.
De acordo com a Delegação das Finanças do Parlamento, outros projetosLink externo importantes do VBStambém correm o risco de fracassar, como o que visa substituir as telecomunicações móveis no valor de 2 bilhões de francos suíços. Uma nova rede de controle e comando das Forças Armadas, no valor de um bilhão de francos suíços, está atrasada em relação ao cronograma. Um novo programa de software de logística já foi cancelado.
5. Conflito em torno de cooperações internacionais
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Após o ataque da Ucrânia pela Rússia, a Suíça começou a sofrer pressão internacional. O embaixador dos EUA na Suíça, Scott Miller, afirmou em 2023 que “a Otan é como se fosse um donut – e a Suíça o buraco no meio”. Com isso, o diplomata dos EUA quis dizer que a Suíça se beneficia da proteção dos países da Otan no seu entorno, mas não contribui para nada – e, na verdade, não está nem mesmo em condições de se defender.
Com a então ministra da Defesa, Viola Amherd, à frente, o país deu então passos rápidos para encaminhar cooperações com a Otan e com a Europa. O país passou a se interessar pela Cooperação Estruturada Permanente (Pesco, na sigla em inglês), uma iniciativa de defesa da UE. O país decidiu também participar do sistema europeu de defesa aérea Sky Shield.
Esses passos são, contudo, altamente controversos na política interna do país, pois o SVP considera que quase toda aproximação com outros países põe em risco a neutralidade suíça.
Para Werner Salzmann, uma coordenação nas áreas de segurança cibernética e, se necessário, da força aérea e da defesa aérea, seriam aceitáveis. “A defesa da Suíça deve ocorrer além das fronteiras”, aponta.
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Para o político do SVP, no entanto, estão descartados todos os exercícios que têm a ver com a Otan. “A neutralidade nos protegeu. Ela é também parte do conceito suíço de Defesa ”, diz Salzmann.
No entanto, uma iniciativa militar própria também traz riscos em caso de guerra. “Dada a reserva de neutralidade, é de se perguntar que interesse a Otan teria em ajudar um país próspero, que continua a se dar ao luxo de fazer esforços mínimos no campo da Defesa e se recusa a ajudar até mesmo em casos de emergência”, escreve o especialista em estratégia Mauro Mantovani em artigo publicado pelo NZZ.
Tendo em vista o contexto geopolítico, é improvável que o desejo da Otan e da UE por maior envolvimento da Suíça diminua. Um novo nome à frente do DDPS terá, portanto, que obter a compreensão no exterior para a situação da Suíça – e a compreensão, no contexto da política interna, para os países estrangeiros. Essa é também uma luta em termos de referendo: a iniciativaLink externo de neutralidade do SVP visa precisamente minar a cooperação com a Otan em seu cerne.
6. Falta de recursos humanos
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A escassez de especialistas também está afetando o aparato de Defesa da Suíça. Personalidades importantes estão migrando para o setor privado e suas vagas só têm sido preenchidas lentamente. Só o serviço de inteligência suíço relata no momento uma demanda de preenchimento de 150 postos de trabalho – um setor onde, de acordo com relatosLink externo da mídia, uma reorganização tem também causado transtornos.
O planejamento das Forças Armadas considera, contudo, o desenvolvimento demográfico um aspecto mais grave. “De acordo com projeções, não teremos mais 100 mil pessoas para o serviço militar na década de 2030”, diz um dos responsáveis.
Diantes dessa perspectiva de falta de pessoal para as Forças Armadas, a iniciativa popularLink externo “Serviço CidadãoLink externo” parece especialmente ameaçadora. Trata-se de uma proposta que visa exigir de toda pessoa que tenha a cidadania suíça uma prestação de serviços em benefício da comunidade. Ela representaria um ataque ao atual serviço militar obrigatório, já que o tipo de serviço cidadão deve ser mais variado e de escolha mais livre. A Suíça vai provavelmente votar sobre essa questão em 2026.
Dois novos sistemas distintos de serviço obrigatório também estão sendo planejados. É provável que eles também sejam apresentados à população. A política de segurança do Partido Socialista, Priska Seiler Graf, saúda os próximos debates. “Até agora, faltou coragem à Suíça para pensar sobre o serviço obrigatório”, diz ela.
No segundo semestre de 2024, um estudoLink externo realizado em todo o país concluiu que quase metade dos membros das Forças Armadas afirma ter sofrido discriminação ou violência sexual durante o serviço. A liderança das Forças Armadas tomou várias medidas em resposta, consciente de que, em breve, terá que prestar contas ao povo suíço.
7. Riscos associados
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O legado do passado pesa. Por um lado, há as munições que foram despejadas sem cautela nas montanhas e nos lagos da Suíça durante décadas. Somente na pequena comunidade de Mitholz, no Oberland Bernês, 3500 toneladas de restos de munição permanecem em túneis enterrados nas montanhas.
A previsão é de que a limpeza e o saneamento desse local demorem até 2040. Até agora, esse projeto, contudo, tem trazido várias surpresas, de forma que é possível que isso leve ainda mais tempo. De qualquer forma, um novo relatório argumenta que o risco de explosão é menor do que o calculado e que a limpeza poderia, portanto, custar menos do que os 2,59 bilhões de francos suíços orçados.
Por outro lado, há a empresa suíça de armamentos Ruag. Recentemente, ela foi alvo de críticas devido a um caso de corrupçãoLink externo e disputas jurídicas internacionais. Na verdade, o Estado gostaria de ter acompanhado essa empresa no setor privado, mas os contratempos foram muitos. Além disso, os clientes europeus se distanciaram depois que Berna os proibiu de repassar armamentos suíços para a Ucrânia.
Agora a situação não parece mais confortável para o governo federal, que está avaliando a possibilidade de retornar a Ruag para o Departamento de Defesa – uma decisão que também pode trazer conflitos.
Isso se deve ao fato de que 80% dos clientes da Ruag são as Forças Armadas da Suíça. Como cliente, o Estado está, portanto, mais uma vez se tornando seu próprio fornecedor. Para esse grupo empresarial, que sempre teve que lidar com problemasLink externo de compliance, o desafio não é menor – a Suíça assume riscos.
Edição: Samuel Jaberg e Marc Leutenegger
Adaptação: Soraia Vilela
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