Plebiscito pode incluir “responsabilidade ambiental” na Constituição
A proposta de lei prevê adequar a economia suíça aos limites ecológicos do planeta, em um prazo de 10 anos. Considerada fundamental pela esquerda e inaceitável pela direita, a iniciativa será votada em 9 de fevereiro. Governo e políticos que se opõem afirmam que a medida prejudicaria a prosperidade do país.
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Em 2024, antes mesmo de chegar o final do mês de maio, a Suíça já havia consumido toda a sua cota anual de recursos naturais. O chamado “overshoot day” ocorreu precisamente no dia 27 do quinto mês do ano, marcando a data em que os efeitos produzidos pela atividade humana no país alpino ultrapassaram a capacidade de regeneração do planeta, segundo o conceito criado pela ONG Global Footprint Network e reconhecido pelo governo suíço. Em outras palavras, se cada pessoa do mundo vivesse como os suíços viveram em 2024, a humanidade precisaria de 2,5 planetas para sobreviver.
Na busca por diminuir os impactos da sociedade suíça e proteger o planeta, a ala jovem do Partido Verde suíço quer fazer do “overshoot day” uma coisa do passado. Em fevereiro de 2023, a militância jovem do partido de esquerda apresentou a iniciativa popular “Por uma economia responsável que respeite os limites planetáriosLink externo“. No dia 9 de fevereiro de 2025 a proposta vai às urnas.
Qual é a proposta em jogo?
A iniciativa prevê a adição de um novo artigo na Constituição que obrigue a economia nacional a operar dentro da capacidade de renovação da natureza. O uso de recursos naturais e a poluição seriam limitados a estimativas do que os ecossistemas podem suportar.
Respeitar os limites do planeta Terra exigiria uma redução massiva nos danos ambientais causados pelo consumo. Na prática, o país teria que diminuir sua pegada de carbono per capita em mais de 90%, de acordo com um estudo do Greenpeace Suíça.
O governo federal e os cantões teriam dez anos para atingir essa meta. O comitê de iniciativa não descreve medidas específicas, mas defende que a regulamentação da proposta deve evitar medidas que possam causar injustiça social.
Quais são os limites do planeta?
O conceito de limites planetários foi proposto em 2009 pelo Stockholm Resilience Centre da Universidade de Estocolmo. O estudo define nove limites que devem ser observados para preservar ecossistemas saudáveis.
A iniciativa que vai às urnas se concentra em seis desses limites: mudanças climáticas, perda de biodiversidade, consumo de água, uso da terra, emissões de nitrogênio e emissões de fósforo.
A Suíça já extrapolou seus limites de perda de biodiversidade, mudanças climáticas, consumo de água e emissões de nitrogênio, de acordo com um estudo recente do Greenpeace.
Quais os argumentos a favor?
Os jovens Verdes defendem que a proteção ambiental deve ser uma prioridade consagrada na constituição e deve servir de base para a economia e para a sociedade.
A iniciativa visa proteger recursos essenciais para a sobrevivência da humanidade a longo prazo: acesso a alimentos nutritivos, água potável e ar limpo.
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O comitê de iniciativa afirma que a estrutura econômica é responsável pelo desrespeito aos limites planetários porque instiga o consumo de mais recursos do que a natureza pode criar. Como consequência, a humanidade é submetida a crises ambientais, eventos climáticos extremos e mudanças irreversíveis no ecossistema.
Quais os argumentos contra?
O governo e o parlamento acreditam que a iniciativa vai longe demais, especialmente ao estabelecer um prazo de dez anos para as mudanças necessárias. O governo seria forçado a tomar medidas severas com consequências econômicas e sociais negativas, afirmam representantes. As medidas “gerariam custos de transformação enormes e desproporcionais que seriam insustentáveis para o estado”, declaram, enfatizando que a constituição já inclui diversas cláusulas sobre sustentabilidade.
Segundo o governo, as disposições existentes são equilibradas e não pedem mais complementos.
Para a federação empresarial economyuisse, o baixo consumo de recursos naturais está associado à pobreza. A associação observa que atualmente apenas 15 países têm uma pegada ambiental abaixo do “overshoot” planetário que cumpriria os requisitos da iniciativa. As emissões não ultrapassam o limite da natureza principalmente nos países que estão lidando com instabilidade econômica e política, como Afeganistão, Haiti e Madagascar.
Quem apoia e quem se opõe?
A iniciativa é apoiada por uma ampla aliança de partidos e ONGs, incluindo os Verdes, o Partido Social Democrata de esquerda, a ala independente da juventude dos Social Democratas, o Greenpeace, a associação de pequenos agricultores (Association des petits paysans) e a Climate Seniors Association. Além disso, 83 cientistas suíços declararam apoio à iniciativa.
O entusiasmo pela proposta é tímido fora dos grupos de organizações de esquerda e ambientalistas. Na direita e na centro-direita, o Partido do Povo Suíço junto com o Partido Radical-Liberal, o Partido do Centro e até mesmo o Partido Verde Liberal (localizado mais ao centro) se opuseram à iniciativa durante os debates parlamentares. A comunidade empresarial também se opõe à proposta.
O que outros países estão fazendo?
Vários países europeus já fortaleceram ou estão neste momento refinando as legislações que tratam da conservação da natureza e de recursos naturais. França, Itália, Alemanha, Áustria, Holanda e Suécia são exemplos de vizinhos que alteraram recentemente leis neste sentido. O código ambiental francêLink externos, por exemplo, recomenda uma transição para uma economia circular com uma pegada ambiental neutra. Na Alemanha, a estratégia de desenvolvimento sustentável de 2021Link externo definiu que os limites planetários devem ser incluídos na estruturação de todas as decisões políticas.
Edição: Samuel Jaberg/fh
(Adaptação: Clarissa Levy)
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