Quando um quarto de sua renda vai para o plano de saúde
O Ticino é o cantão com os salários mais baixos e onde os preços dos planos de saúde mais pesam na renda familiar. Pesquisas indicam que ele também é o cantão que mais apoia as duas iniciativas que visam diminuir os gastos da população com saúde. Ambas as iniciativas serão votadas no dia 9 de junho.
“Estamos pagando cada vez mais por serviços que atendem cada vez menos às nossas necessidades”. Esse foi o sentimento predominante quando conversamos com duas famílias do Ticino sobre seus gastos com seguro de saúde. Ambas pertencem à parcela da população para a qual a saúde representa uma despesa gigantesca no orçamento familiar.
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Anna (pseudônimo) e seu marido têm três filhos: dois são adolescentes e moram em casa; a terceira já trabalha e não mora mais com os pais. A família mora no Ticino, o cantão mais atingido pelo ûltimo aumento dos planos de saúde – o Ticino viu um aumento de +10,5%, em comparação com +8,3% em escala nacional. Assim, os gastos com saúde consomem uma grande parte da renda familiar. “Usamos cerca de 25% do nosso dinheiro para pagar o seguro de todos. Além do seguro básico obrigatório, também temos seguros complementares”, diz Anna.
Teresa (pseudônimo) e seu marido trabalham em tempo parcial. Eles têm um filho e uma filha, ambos estudantes universitários. O filho agora tem vários empregos para poder se sustentar, enquanto a filha ainda depende da ajuda dos pais para arcar com algumas despesas. “Acho que cerca de um terço do que ganhamos vai para o seguro de saúde”, explica Teresa.
Anna e Teresa pertencem àquela parcela da classe média que ganha muito para receber subsídios e outras formas de assistência, mas não o suficiente para arcar com o aumento do custo de vida.
Copresidente do Partido Socialista do Ticino, Laura Riget é responsável pela iniciativa que propõe um teto para as mensalidades do seguro de saúde. Essa é uma das duas iniciativas sobre saúde que serão votadas em 9 de junho.
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Limitar as taxas das seguros de saúde a 10% da renda: eficaz ou contraproducente?
“Nos últimos 20 anos, os valores dos planos de saúde dispararam, principalmente quando comparados com o aumento dos salários e das aposentadorias”, destaca Riget. “Há cada vez mais famílias de classe média com dificuldade para pagar seus planos – e isso sem receber nenhum subsídio. O sistema ajuda os mais vulneráveis, mas não a classe média baixa”.
Os opositores de ambas as iniciativas alertam: se o “sim” vencer, as finanças públicas serão prejudicadas. O Partido Popular Suíço, partido conservador de direita, pede que as duas iniciativas sejam rejeitadas na votação. Paolo Pamini, conselheiro nacional (equivalente a deputado federal) do Ticino pelo Partido Popular, explica: “A iniciativa que pede planos de saúde mais baratos traria grandes custos para os cantões e a Confederação, estimados em vários bilhões de francos por ano. Embora pareça beneficiar os cidadãos a curto prazo, ela ignora a complexidade da gestão da saúde, que varia muito de um cantão para outro devido às diferentes políticas locais”. A aprovação da proposta acarretaria impostos mais altos ou cortes em outras áreas para cobrir as despesas adicionais, conclui o parlamentar.
Quanto à proposta que propõe limitar as despesas de saúde de acordo com a economia, Paolo Pamini acrescenta: “Ela não leva em conta fatores inevitáveis, como o envelhecimento da população e os avanços da medicina, que naturalmente levam a um aumento nos custos de saúde. Além disso, essa iniciativa atrela os gastos com saúde às tendências salariais e ao crescimento econômico, o que pode não ser suficiente para garantir uma assistência médica de qualidade. Os serviços disponíveis seriam reduzidos, comprometendo o acesso aos tratamentos necessários e piorando o estado de saúde da população em geral”.
Aumento dos subsídios
“Nossa iniciativa propõe que os valores do seguro básico de saúde sejam limitados a um máximo de 10% da renda disponível de uma família”, explica Laura Riget, do Partido Socialista. Se as mensalidades ultrapassarem essa porcentagem, os subsídios serão acionados. O texto também pede uma contribuição maior por parte do governo federal, já que atualmente são os cantões que arcam com a maior parte dos custos gerados por esses subsídios”. Esse problema é particularmente forte no Ticino.
Salvatore Simone, chefe do setor de gestão de saúde da Secretaria de Saúde e Assuntos Sociais do Ticino, explica: “Nosso cantão é um dos que mais concedem esse tipo de auxílio na Suíça”. Isso é influenciado pela “atenção especial dada aos setores mais economicamente vulneráveis da população”, acrescenta ele, mas também pela situação financeira das pessoas que trabalham na região.
Em 2023, 110.000 pessoas se beneficiaram do programa de redução das mensalidades dos planos de saúde. Isso equivale a cerca de um terço da população do cantão. Isso representou uma despesa de vários milhões para o Ticino – em 2022, foram CHF 20,5 milhões; os dados de 2023 ainda não estão disponíveis. Além disso, o Departamento Federal de Estatística mostrou que os salários no Ticino são os mais baixos de toda a Suíça (uma situação que vem se repetindo há vários anos). É exatamente essa combinação de baixa renda e planos de saúde cada vez mais altos que está levando ao aumento no número de pessoas que recorrem a subsídios para pagarem suas mensalidades.
Esses subsídios, no entanto, estão cada vez mais difíceis de se conseguir, diz Anna. “Este ano, nem sequer me inscrevi. Quando vi a lista de documentos exigidos, desisti; são muitos”. Essas complicações administrativas estão levando cada vez mais pessoas a desistirem dos subsídios. Anna acrescenta que, “para a minha geração, nem sempre é fácil entender como os novos sistemas funcionam. É preciso aprender a usar um aplicativo, entender como funcionam os boletos eletrônicos e como encaminhar os boletos que chegam na minha casa. Se acrescentarmos a isso o fato de que, após 25 anos de fidelidade a um seguro de saúde, decidimos mudar para outro, a situação fica ainda mais complicada”.
Razões para os aumentos no Ticino
O Ticino é um dos cantões com os maiores aumentos nas mensalidades dos seguros de saúde (20% somente nos últimos dois anos). “Isso é reflexo do aumento dos custos de saúde”, explica Salvatore Simone. “No Ticino, esses custos estão entre os mais altos per capita da Suíça. Há vários fatores que influenciam essa tendência, mas os dois principais são a alta concentração de serviços de saúde na região e o fato de que nosso cantão tem o maior número de segurados com mais de 65 anos”.
O primeiro aspecto é uma espécie de “ciclo vicioso”: quanto maior a oferta (mais consultórios médicos, farmácias, ambulatórios), mais pessoas usam esses serviços. Serviços que, então, precisam ser pagos. Salvatore Simone explica: “No Ticino, para tentar conter os custos, usamos as margens de manobra disponíveis para limitar a oferta, limitando, por exemplo, o número de médicos de determinada especialização ou gerenciando os volumes de atividade no setor de internação hospitalar.
No entanto, o sentimento geral da população é que, apesar da grande oferta, a qualidade do serviço piorou. “Antes, quando eu ia ao médico, também tínhamos tempo para conversar. Agora parece que eles não têm tempo nem mesmo para me cumprimentar. Sei que eles também estão sobrecarregados pela administração, mas acho que é uma pena”, diz Teresa.
O segundo aspecto, por outro lado, já é conhecido há muito tempo. “Mas é importante não fazer dos idosos os bodes expiatórios de todos os problemas”, diz Salvatore Simone. Dito isso, também é um fato que as pessoas com mais de 65 anos são o segmento da população que geralmente mais utiliza os serviços médicos. E a população suíça está envelhecendo.
Mudança para outro cantão ou para a Itália
Não há soluções milagrosas. Parece impossível conter a disparada dos custos, e é por isso que se está buscando soluções alternativas, como as propostas que serão votadas em 9 de junho. O resultado da votação é incerto, principalmente porque, em várias ocasiões no passado, a população suíça rejeitou mudanças radicais – como a introdução de um seguro de saúde único em um país onde a contratação de planos de saúde é obrigatória.
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“Não entendo por que não me dão o poder de escolha, como acontece em muitos outros países, especialmente porque não vou ao médico com muita frequência”, lamenta Anna. Teresa acrescenta: “Se esse seguro precisa ser obrigatório, então por que não o incluir nos impostos ou deduzi-lo diretamente do nosso salário? Não mudaria muita coisa no final, mas, para mim, seria psicologicamente mais fácil de aceitar”.
Por enquanto, além de admitirem que evitam o máximo possível ir ao médico por não poderem arcar com as despesas, as duas mulheres estão pensando em se mudar para um cantão onde os planos de saúde são mais baixos. Um sacrifício, é claro, pois deixarão para trás amigos, parentes e lugares familiares. Mas essa escolha parece estar se tornando cada vez mais necessária se elas quiserem continuar “mantendo um nível de vida decente”.
Anna está cogitando uma solução ainda mais radical: seu marido é de origem italiana e, quando seus filhos forem independentes, o casal pensa em considerar a possibilidade de deixar a Suíça e se mudar para o outro lado da fronteira, onde o sistema de saúde é público.
(Adaptação: Clarice Dominguez)
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Votações federais de 9 de junho de 2024
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