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Fundos de pensão: quão complexa pode ser uma votação?

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Para entender a reforma dos fundos de pensão, são necessários alguns contorcionismos intelectuais. Keystone

A reforma dos fundos de pensão (LPP), que será votada em 22 de setembro, tem tudo para dar certo. Mas o que fazer quando o povo precisa decidir questões que levam até mesmo os especialistas ao limite?

A reforma da LPP é complexa demais para a população? A resposta do jornal de língua alemã Tages-AnzeigerLink externo é inequívoca. “Essa votação, em toda a sua ambiguidade complicada, revela os limites da democracia direta e a enfraquece”, diz o jornal, que publicou a manchete “Essa votação é um pesadelo”. Uma opinião compartilhada pelo site Watson: “Os termos técnicos por si só são mais do que o eleitor médio consegue aguentar”.

Por que a Suíça está impondo essa decisão ao seu eleitorado? Veja abaixo uma explicação em sete pontos.

1. É preciso entender um projeto para votá-lo?

Não. O cientista político Nenad Stojanović responde esse questionamento com uma pergunta retórica: “Você acha que todos os parlamentares que votam no Parlamento sobre esses projetos sabem exatamente o que eles contêm?”. Ele responde: “certamente não”.

Conforme explica o especialista, os parlamentares seguem as recomendações de seus comitês, de seu grupo parlamentar ou, às vezes, dos lobbies. Por isso, ele acredita que o eleitorado deve fazer o mesmo e confiar nas recomendações. Não faltam materiais para auxiliar na decisão.

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Reforma da previdência é levada à plebiscito

Este conteúdo foi publicado em A reforma previdenciária levada à plebiscito em 22 de setembro de 2024 visa garantir as pensões e melhorar a situação dos trabalhadores. Explicamos aqui como funciona.

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Os cientistas políticos se referem a isso como “atalhos”. “Analisamos as recomendações dos partidos e, possivelmente, o que certas figuras e a mídia dizem sobre o assunto”, explica Nenad Stojanović.

Urs Bieri, especialista em pesquisas de opinião da gfs.bern, acrescenta: “Raramente estamos completamente informados quando tomamos decisões, mesmo no dia a dia”. Mas ele está convencido de uma coisa: “Graças a 100 anos de democracia direta, a Suíça está organizada de tal forma que seus cidadãos e cidadãs podem tomar uma decisão de acordo com suas convicções, mesmo quando se trata de questões muito complexas”.

2. O que torna esse projeto tão complicado?

A resposta é simples: a questão é complexa por dois motivos.

Em primeiro lugar, a previdência profissional na Suíça se desenvolveu ao longo de décadas. A Lei Federal sobre Previdência Profissional (LPP) contempla, portanto, os avanços de várias épocas e atores.

Em segundo lugar, mais de mil fundos de pensão diferentes operam sob essa lei, cada um com seu próprio conjunto de regras. O resultado é um emaranhado de números que faz com que seja impossível tirar conclusões generalizadas.

E há ainda um terceiro fator: trata-se de um referendo. As iniciativas populares costumam levar ideias fáceis de entender às urnas, mas os referendos são diferentes. Normalmente, os referendos surgem quando o conjunto legislativo profissional do Parlamento não consegue mais encontrar uma saída ou um meio-termo. É por isso que, de vez em quando, projetos que são complicados demais para serem decididos pelos comitês altamente especializados do Parlamento são apresentados à população.

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Samira Marti, PS Keystone / Alessandro Della Valle
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Martina Bircher, SVP Keystone / Alessandro Della Valle

3. O que dizem os arquitetos da reforma da LPP?

O trabalho de reforma da LPP é considerado uma das tarefas parlamentares mais difíceis dos últimos anos. A luta durou um ano e meio.

“O Parlamento fez seu dever de casa sobre esse projeto”, diz a especialista em política social Martina Bircher, do Partido Popular Suíço (UDC/SVP). Ela contribuiu com a reforma e explica: “A LPP foi construída dessa forma. Ela não pode ser simplificada”. Mas a reforma contém todos os pontos que foram devidamente criticados nos últimos anos. De acordo com Martina Bircher, é por isso que o projeto atual é um bom meio-termo.

Samira Marti, enquanto líder do grupo socialista no Parlamento suíço, está no outro extremo do espectro político. Ela também diz: “O projeto em si não é particularmente complicado. O problema está no próprio esquema de previdência profissional”. Na sua opinião, não é coincidência que o segundo pilar tenha se tornado uma “ciência secreta”, pois isso permite que os bancos e as seguradoras promovam melhor seus interesses. “Quanto menos as pessoas entenderem, mais vulneráveis estarão a abusos de poder e fraudes. Isso também é evidente na reforma que estamos votando agora”.

4. A reforma da LPP é o projeto mais complexo de todos os tempos?

Não, na Suíça sempre são votados projetos que levam as pessoas aos seus limites. Em geral, são projetos tributários, como as duas reformas do imposto corporativo votadas recentemente, ou a reforma do imposto retido na fonte.

Mas a reforma da LPP é, sem dúvida, o mais difícil de todos os projetos que afetam diretamente o bolso dos eleitores. Afinal, é uma questão que afeta não apenas o sistema previdenciário, mas provavelmente também o valor das próprias aposentadorias dos eleitores. “A democracia direta tem uma grande influência na nossa previdência para idosos”, comenta Samira Marti, “dificilmente há outra questão que seja tão fortemente afetada pelos votos populares quanto nosso sistema previdenciário”. Ela se lembra da 13ª pensão AHV/AVS, aprovada pelo povo recentemente.

5. Deve haver limites para a complexidade?

Não, diz o cientista político Nenad Stojanovic. “Nenhuma questão política é complexa demais para ser compreendida pelas pessoas”, afirma com convicção o especialista em democracia da Universidade de Genebra. Ele entende bem do assunto.

Nenad Stojanović organizou vários painéis de cidadãos, agrupados por sorteio, para encontrar soluções para questões complexas. Sua experiência é a seguinte: “No período de dois fins de semana, cidadãos comuns conseguem compreender os aspectos mais importantes de projetos muito complexos e desenvolver argumentos fáceis de entender”. Painéis desse tipo podem servir de modelo e facilitar o trabalho do eleitorado.

Mas será que essa tarefa não deveria ser simplificada? Samira Marti e Martina Bircher não fazem parte apenas do Comitê Social responsável pelo sistema previdenciário, mas também do Comitê de Instituições Políticas. Elas apoiariam a proposta de diminuir a complexidade dos projetos? “Eu nunca introduziria um limite máximo para a complexidade dos projetos”, diz a parlamentar de direita Martina Bircher. A parlamentar de esquerda Samira Marti concorda: “Não, eu não apoiaria”.

6. O que acontece quando as coisas ficam muito complexas?

A ciência diz que os seres humanos almejam a simplificação e utilizam instrumentos para alcançá-la. Na ciência política, fala-se sobre pontos cruciais e slogans. “Você pode se concentrar nos pontos cruciais e tomar sua decisão com base neles”, explica Urs Bieri. Em outras palavras, você pode filtrar certos aspectos particularmente preocupantes ou interessantes e usá-los como base para sua decisão.

Os slogans também são úteis para a orientação. “Se um partido me mostra qual é o ponto crucial dentro do meu conjunto de valores, eu consigo tomar uma decisão”, explica Urs Bieri.

No caso da reforma da LPP, os seus opositores estão utilizando o slogan “pague mais por uma aposentadoria menor”. “Nesses casos, muitas vezes não se trata mais de uma questão de conteúdo, mas de marketing”, explica Martina Bircher, do Partido Popular Suíço.

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Keystone / Peter Klaunzer

A decisão “se torna difícil quando há uma cacofonia generalizada”, explica Urs Bieri. Isso acontece quando nos deparamos com um grande número de comitês com mensagens diferentes, além de estudos contraditórios, opiniões divergentes dentro dos partidos e uma mídia que sucumbe diante da complexidade. “Se muitos dos ‘atalhos’ que me parecem pertinentes se revelam falhos, eu não me envolvo com a questão enquanto eleitor”, diz ele.

7. Qual é o impacto da complexidade nas urnas?

Como seres humanos, os eleitores e eleitoras temem a complexidade. “Se eles não entendem o problema, o projeto praticamente não tem chance nas urnas”, explica Urs Bieri. Nesses casos, “eles preferem ficar com o que já é conhecido e rejeitam o projeto”. A complexidade também pode levar à abstenção, ou seja, a um baixo comparecimento às urnas.

No caso da reforma da LPP, há outro fator decisivo. Trata-se de um projeto chamado de “de autoridade”, ou seja, elaborado pelo Parlamento e recomendado pelo governo. De acordo com o cientista político, a maioria dos suíços vê isso como uma espécie de selo de qualidade.

Independentemente de todos os slogans, argumentos e conteúdos, a população pode oscilar em qualquer direção. O eleitorado pode confiar nas autoridades públicas e dizer sim ou rejeitar o excesso de complexidade e se opor ao projeto.

(Adaptação: Clarice Dominguez)

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