Refugiados ucranianos: avanços e obstáculos rumo à integração
Há dois anos, o governo suíço criou o visto de proteção “S” para refugiados ucranianos. No entanto apenas uma minoria já encontrou trabalho. Hora de fazer um balanço da medida.
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“Simplesmente não havia alternativa à aplicação do visto SLink externo“, afirma Claudio Martelli, diretor-adjunto do Secretariado de Estado para Migração (SEM), fazendo uma retrospectiva dos últimos dois anos na Suíça.
Este visto é previsto para grandes movimentos de refugiados devido a situações de guerra agudas, para que o resto do sistema de asilo não seja sobrecarregado. Pois: quem solicita o visto “S” não passa por um processo de asilo, mas é admitido temporariamente, pode trabalhar e tem direito à assistência social. “O que os cantões (estados), comunas e cidades alcançaram na primeira fase é muito impressionante”.
Apenas um em cinco trabalham
Hoje, cerca de 66 mil pessoas beneficiam do visto “S”. Contudo, o governo federal considera que é necessário tomar medidas, sobretudo em relação ao emprego: atualmente, apenas 20% dos refugiados ucranianos em idade ativa têm um emprego.
Isso apesar de vários setores estarem desesperadamente à procura de trabalhadores, de haver falta de mão de obra qualificada – e de os refugiados ucranianos terem muitas vezes um nível educacional elevado. A idéia é dobrarLink externo o número de pessoas empregadas para 40%.
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Escassez de mão-de-obra se agrava na Suíça
Uma conferência realizada em Berna, em meados de março, e organizada pelo Centro Nacional de Competência em Pesquisa para Migração e Mobilidade (NCCR) e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNURLink externo), debruçou-se sobre os problemas relacionadosLink externo à integração no mercado de trabalho.
Yelyzaveta Glynko e Peter Mozolevskyi, ambos refugiados da Ucrânia, apontam várias razões para a baixa taxa de emprego. Uma das dificuldades é a falta de reconhecimento de diplomas e títulos profissionais. Alguém que trabalhava como psiquiatra na Ucrânia não pode simplesmente exercer o cargo de psiquiatra na Suíça – além do reconhecimento dos diplomas, o idioma é muitas vezes um obstáculo.
“Ninguém esperava que a guerra durasse tanto tempo”, diz Andrej Lushnycky, cônsul-honorário da Ucrânia na Suíça. Um curso de idiomas, uma formação ou uma reorientação profissional não pareciam, portanto, necessários.
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Três ucranianas contam como se integram na Suíça
Empregadores não encontram ucranianos
No entanto, Daniella Lützelschwab, da Associação Suíça de Empregadores, diz que há muitos empregos disponíveis se a pessoa estiver disposta a assumir uma atividade um pouco diferente. O desafio para os empregadores é: “Não sabemos onde estão essas pessoas e como encontrá-las”.
Às Pequenas e Médias Empresas, em particular, faltam os recursos necessários para encontrar ucranianos e ucranianas. “Isso teria de ser organizado em todos os setores”, salienta Lützelschwab. Peter Mozolevskyi também notou o mesmo problema entre os próprios ucranianos: “Muitos nem sequer conhecem as oportunidades e ofertas na Suíça. Há falta de comunicação”.
O governo reconhece o problema, diz Philipp Berger, chefe do Departamento de Admissão ao Mercado de Trabalho do SEM: “Estamos atualmente trabalhando a fim de poder propor medidas”. Isso implica tanto o “matching”, ou seja, a aproximação entre empregadores e empregados, quanto a comunicação: “Essa é uma das lições aprendidas”. É necessário, contudo, ter mais em conta outros canais, como redes sociais ou reportagens na mídia ucraniana.
Parlamento quer promover emprego
O Parlamento também quer melhorar a integração de pessoas com visto S no mercado de trabalho. Em março, o Conselho Nacional (Câmara dos Deputados) e o Conselho dos Estados (Senado) aceitaram uma moção correspondente da Comissão de Assuntos Políticos do Conselho Nacional.
A proposta pretende substituir a exigência de permissão de trabalho por uma exigência de registro. Tal medida permitiria uma maior flexibilidade e seria menos intimidante para potenciais empregadores, pois apenas um formulário online precisaria ser preenchido.
Daniella Lützelschwab acolhe com contentamento qualquer facilitação administrativa, mas se mantém cética quanto ao seu efeito. “Sobretudo, queremos previsibilidade”. É difícil contratar trabalhadores quando não se sabe por quanto tempo eles vão ficar na Suíça – ou por quanto tempo o visto de proteção S ainda será válido. Por isso, ela deseja uma comunicação antecipada do governo federal.
Formação profissional na gastronomia
O cantão de Vaud registra uma taxa de emprego mais baixa entre os refugiados da Ucrânia do que a média da Suíça de língua alemã: apenas 10% têm um emprego. Por isso, o cantão desenvolveu a sua própria solução, diz Isabelle Moret, senadora e membro do governo cantonal de Vaud.
Como as pessoas da Ucrânia – ao contrário de outros refugiados – não querem passar o resto de suas vidas na Suíça, optou-se por programas de treinamento rápidos de algumas semanas, que conduzem diretamente a um emprego. Atualmente, está em curso um projeto-piloto com a GastroVaud para recrutar trabalhadores específicos para o setor de gastronomia. “Isso vale particularmente a pena em áreas da economia que já têm uma grande rotatividade”, diz Moret.
Andrej Lushnycky recebe com entusiasmo essa ideia: soluções rápidas são importantes porque é preciso ter em mente que essas pessoas um dia regressarão à Ucrânia. “Uma Ucrânia vazia seria um grande problema. É importante para a reconstrução do país que as pessoas retornem”.
“…100% dos refugiados deveriam estar trabalhando…”
Isabel Moret, senadora e membro do governo do cantão do Valais
De um modo ideal, isso também abriria novas oportunidades: empresas suíças que apoiassem a reconstrução na Ucrânia e que, mais tarde, empregassem funcionários ucranianos que já conhecessem a empresa. E é algo que será necessário: “Cerca de seis milhões de pessoas vivem atualmente como refugiados em países europeus – e fazem falta na Ucrânia”.
País não sabe o que fazem
Isabelle Moret lamenta que o governo tenha fixado uma meta de 40% de empregabilidade. “Na verdade, 100% dos refugiados deveriam estar empregados – mas não necessariamente como trabalhadores”.
Os menores de idade deveriam frequentar a escola, os jovens entre os 18 e os 25 anos deveriam estar um curso profissionalizante, e aqueles com doenças mentais ou físicas precisam ser tratados, em vez de trabalhar. Os cursos de idiomas também são importantes e há mães que precisam tomar conta dos filhos, uma vez que é difícil encontrar opões de assistência e cuidado infantis na Suíça.
“No cantão de Vaud, há 3.600 ucranianos com idades entre 18 e 65 anos. Entre elas, há duas mil pessoas das quais não sabemos o que fazem”, diz Moret. Não estão registradas no Centro Regional de Emprego (RAV, na sigla em alemão) e não solicitaram permissão de trabalho. “Talvez estejam trabalhando a partir daqui para alguma empresa ucraniana ou frequentando um curso sem passar pelos canais oficiais”, aponta Moret.
Para que haja clareza, essas duas mil pessoas são convidadas a se registrar junto ao cantão. “Para podermos ajudar individualmente as pessoas e fomentá-las, precisamos primeiro saber qual é a situação atual”. Quem não atender à solicitação de registro terá que pagar uma multa, diz Moret. Isso não é porque se quer obrigá-las a trabalhar, mas sim para entender melhor a situação.
Reavaliar o visto “S”
Segundo Moret, as experiências com o visto de proteção S também podem ser de interesse para outros grupos de refugiados. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, ACNUR, também vê as coisas dessa forma. Por muito bem-vinda que seja a assistência rápida, o visto de proteção S também cria diferenças entre os refugiados.
Um visto de proteção S para todos os refugiados não é desejável, diz Anja Klug, chefe do escritório suíço do ACNUR. Trata-se de discutir os direitos de todos os refugiados – especialmente dos admitidos temporariamente, que têm menos direitos do que os refugiados reconhecidos.
Como funciona o visto “S”? Veja no vídeo abaixo
Um grupo de avaliação criado pelo ministério suíço da Justiça (DFJPLink externo, na sigla em francês) está atualmente examinando quais lições podem ser aprendidas com a aplicação do visto “S”. “Este grupo apresentará, em meados do ano, um relatório no qual serão comparados e contextualizados os diferentes vistos do sistema de asilo”, afirma Martelli.
Ele objeta: É ilusório tentar resolver todas as contradições e problemas na legislação suíça de asilo com base nas experiências com o visto S. “No entanto, houve várias adaptações no passado. Avançamos um passo”.
Edição: Marc Leutenegger
Adaptação: Karleno Bocarro
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