Seis lições sobre a votação da reforma da previdência
Os cidadãos suíços querem saber exatamente o impacto que uma iniciativa votada terá em seus bolsos, caso contrário, ela está fadada ao fracasso. Essa é uma das seis lições a serem aprendidas com a derrota nas urnas, no domingo, da reforma dos planos de pensão.
1. Faltou transparência nessa reforma
Qualquer pessoa que quisesse saber o impacto da reforma dos planos de pensão (LPP) em sua própria aposentadoria teria uma surpresa desagradável. O termo “calculadora da reforma da LPP” foi pesquisado ativamente no Google durante a campanha. Mas o mecanismo de busca não conseguiu encontrar uma resposta, nem a Ministra do Interior, Elisabeth Baume-Schneider, que aconselhou os eleitores a “verificar com o seu fundo de pensão”.
Quase não ficou claro que nem os aposentados nem os suíços no exterior seriam afetados – a menos que tivessem emigrado com um contrato de trabalho suíço, tivessem ativos de benefícios adquiridos em uma conta ou planejassem retornar à Suíça. Isso só mostra o número de eventualidades cobertas pela reforma.
Pouco poderia ser feito para mudar a complexidade intrínseca da lei sobre planejamento de benefícios trabalhistas, mas esse foi apenas o segundo maior ponto fraco do projeto. O primeiro foi a falta de transparência.
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2. As aposentadorias só podem ser revisadas em pequenas etapas
Uma das conclusões a serem tiradas do resultado dessa votação é que nem o Conselho Federal (Governo) nem o Parlamento aprenderam a lição de 2017, quando a última grande reforma do sistema de aposentadoria por idade fracassou. A ideia de que apenas uma política de pequenos passos poderia funcionar em questões delicadas havia ganhado força na época.
A prova foi dada cinco anos depois, no contexto da reforma AVS21, com a votação sobre o aumento da idade de aposentadoria das mulheres para 65 anos. O projeto havia sido elaborado e a população que seria prejudicada havia sido identificada. Reformas desse tipo geralmente envolvem sacrifícios que as colocam em uma posição ruim desde o início. Quando se trata de provisão de aposentadoria, os eleitores não votam pela estabilidade do sistema, mas sim por sua própria aposentadoria.
Se analisarmos mais de perto o resultado da votação de domingo, o Conselho Federal e o Parlamento deveriam ter proposto lidar separadamente, por meio da dedução de coordenação, com a melhoria das pensões para trabalhadores de tempo parcial e com a questão dos baixos salários.
Em vez disso, as autoridades abordaram uma reforma mais abrangente dos planos de pensão com base em um escasso consenso entre os partidos alcançado em Berna. O resultado é um erro sistêmico recorrente em nosso sistema previdenciário.
3. Pierre-Yves Maillard consolida sua liderança
Seis meses após o “sim” ao 13º para os aposentados, resultado para o qual o chefe da União Sindical Suíça (USS), Pierre-Yves Maillard, teve um papel importante, o sindicalista de Vaud agora pôs fim à reforma do sistema de planos de pensão do país. Outra vitória para o homem que muitos consideram ser um dos políticos mais influentes do país.
Tanto é assim que ele substituiu Christoph Blocher, a figura de proa do populismo de direita, de 83 anos, no papel de tribuno popular, mas desta vez à esquerda do espectro político. Embora estejam em lados opostos, os dois homens estão ao lado do povo de uma forma que poucos estão, encontrando fórmulas simples que tendem a convencê-lo.
“Pague mais por menos aposentadoria”: mesmo que a fórmula de Pierre-Yves Maillard se aplique apenas a uma fração da população, ela acertou na mosca no domingo. Durante a campanha, as pesquisas já haviam mostrado que 55% dos cidadãos compartilhavam a ideia de um “golpe” contra os trabalhadores. A iniciativa acabou sendo recusada por 67,1% dos eleitores.
4. A economia está se distanciando das pessoas
Os círculos empresariais e os partidos tradicionais de direita estão tendo cada vez mais dificuldade para convencer o povo. Após a afronta do “sim” ao 13º para os aposentados, o Sindicato dos Empregadores, o Economiesuisse e os partidos burgueses sofreram outro revés. O que funciona para essas forças no parlamento federal, onde suas ideias são majoritárias, fracassa com o povo.
Os argumentos apresentados pela comunidade empresarial não ressoam mais. O povo perdeu a confiança, principalmente quando fica sabendo cada vez mais sobre os salários dos executivos e a responsabilidade das empresas.
Aqui também, o naufrágio do Credit Suisse e o resgate do UBS deixaram sua marca. Ao mesmo tempo, o custo de vida aumentou para muitas pessoas na Suíça, com efeitos muito tangíveis. A esquerda e as organizações afiliadas também estão mais presentes nas redes sociais, como o Instagram e o Tiktok. Por fim, a economia carece das personalidades fortes de que precisa para deixar sua marca. Figuras carismáticas que combinem influência, credibilidade e paixão.
Também não há muita campanha direta em andamento. A campanha pelo “sim” à reforma da LPP foi terceirizada para uma organização externa. Da mesma forma que a coleta de assinaturas para iniciativas populares é terceirizada para empresas privadas, fazer campanha sem aparecer está se tornando uma desvantagem para vencer. É preciso ter o “fogo sagrado” para ganhar, o que faltou no caso da reforma da LPP.
5. A confiança nas instituições está abalada
A confiança no governo é maior na Suíça do que em qualquer outro país da OCDE. Ela é frequentemente vista como um fator de sucesso do modelo suíço. Mas também é um ativo extremamente frágil.
O anúncio, no meio do verão, de um erro no cálculo das projeções das aposentadorias – a despesa para 2033 seria, na verdade, vários bilhões de francos menor do que o que havia sido apresentado durante a campanha para o 13º para os aposentados, em março – levou o Departamento Federal da Previdência Social e, de forma mais geral, toda a administração federal, ao descrédito.
Em um momento em que está se tornando cada vez mais difícil distinguir a verdade da mentira, esse erro pode ter repercussões negativas de longo prazo sobre o vínculo de confiança que une o povo suíço às suas autoridades, segundo nos disseram várias figuras políticas, tanto da esquerda quanto da direita.
Mesmo que seja difícil medir o efeito exato, o recuo do departamento federal da previdência contribuiu, sem dúvida, para o inequívoco “não” nas urnas. Por um lado, isso demonstrou que o sistema de pensões estava em melhor forma do que o esperado. Por outro lado, o “selo de aprovação”, que às vezes é usado para fazer avançar projetos parlamentares e governamentais complexos, foi seriamente manchado.
Nesse clima de desconfiança, os argumentos racionais que poderiam ter sido apresentados em favor da reforma do sistema de planos de pensão, inclusive à esquerda do espectro político – como uma melhor cobertura para os trabalhadores de baixa remuneração, especialmente as mulheres – simplesmente não foram ouvidos e foram abafados pela extrema complexidade do projeto.
6. A noção de urgência não foi forte o suficiente
Os fundos de pensão estão com boa saúde financeira. Ninguém se atreveu a dizer o contrário durante a campanha. Os temores de retornos ruins, que foram o principal motivo para a redução da taxa de conversão e, portanto, das pensões, não se concretizaram.
Os fundos de pensão conseguiram aumentar significativamente seu índice de cobertura nos últimos anos. No primeiro trimestre de 2024, esse indicador, que mede a relação entre ativos e passivos de pensão para funcionários ativos e beneficiários de pensão, ficou em 119,6%, de acordo com o Swiss Cantonal Banks Monitor (Swisscanto). Isso está bem acima da marca de 100% necessária para que os fundos de pensão cubram suas obrigações.
O envelhecimento da população e a maior expectativa de vida não parecem ser ameaças iminentes. Tanto mais que, com seu forte crescimento demográfico, principalmente devido à chegada de mão de obra de países europeus, a Suíça está em uma posição invejável em termos de proporção entre a população ativa e os aposentados.
Com a clara vitória do “não” nas urnas no domingo, o eleitorado suíço sentiu que o sistema previdenciário suíço não estava precisando com urgência de uma reforma e que ele não deveria ter que pagar por isso.
(Adaptação: Fernando Hirschy)
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