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A rodovia leva bastante tempo para chegar

Colheita de salada
Trabalhadores rurais colhendo salada na Planície de Magadino: essa área localizada entre as cidades de Bellinzona e Locarno é objeto de disputa em questões ligadas à agricultura, proteção do meio-ambiente, turismo e transporte. Keystone/TI-Press

Uma estrada deve ligar Locarno a uma rodovia que une o norte ao sul do país. São apenas treze quilômetros a serem construídos, porém cada um deles necessita de três anos de planejamento. É o preço da democracia direta.

Locarno está localizada em uma região ao sul dos Alpes. O sol abundante torna essa conhecida estância turísticaLink externo um paraíso para turistas internos e internacionais. São mais de um milhão de pernoites por ano.

A viagem até Locarno é feita sem problemas com o trem. Porém o turista que quiser ir com seu próprio carro precisa ter muita paciência. Os vinte quilômetros que precisa percorrer ao sair da rodovia norte-sul são completados quase sempre com muita lentidão.

“Locarno é a última região urbana da Suíça que ainda não está conectada à malha rodoviáriaLink externo do país”, explica Claudio Zali, presidente do governo cantonal do Ticino e diretor do Departamento de Meio Ambiente e Obras. A atual estrada costuma passar de quatro pistas a duas, como em um gargalo.

Esse artigo faz parte da série #DearDemocracy, a plataforma para democracia direta da swissinfo.ch. Aqui são articuladas opiniões de autores de nossa redação, bem como as opiniões de autores convidados. As opiniões aqui expressas não representam necessariamente as posições da swissinfo.ch. 

Um exemplo para a Suíça

A questão é complexa. Existem muitos interesses conflitantes coabitando uma área bastante restrita: agricultura, proteção ao meio ambiente, lazer, transporte privado e de mercadorias, turismo, economia local e regional – como em todo o país. Por isso, a história do projeto de construção de uma nova rodovia reflete a própria Suíça, onde sempre tenta-se conciliar o máximo possível mesmo os mais diferentes interesses. Essa é, finalmente, a ideia da democracia direta: ela tem muitas vantagens, mas também uma desvantagem. Ela é lenta, por vezes tão lenta, que as pessoas podem até se frustrar.

Há décadas diversos municípios em torno de Locarno exigem a construção de uma rodovia expressa ligando a região à cidade de BellinzonaLink externo, conhecida também como o “portal” para a rodovia norte-sul.

Rodovia
Essa rodovia de duas pistas na Planície de Magadino está quase sempre congestionada. Keystone

Já nos anos 1990, o governo elaborou um projeto com grandes chances de ser concretizado. Porém em 2007, o eleitor do cantão do Ticino o recusou através de um plebiscito.

Um voto crítico

O que aconteceu? A proposta de construir a estrada na chamada “Planície de Magadino”, localizada entre Bellinzona e Locarno foi bastante criticada, não apenas por ambientalistas.

Os grupos contrários decidiram então lançar um referendo (n.r.. que é concretizado após o recolhimento do número mínimo de assinaturas de eleitores). Finalmente tiveram sucesso na empreitada. As autoridades e engenheiros se decepcionaram, pois significou voltar à “estaca-zero”. Com o “não” nas urnas, o eleitor arquivou anos de planejamento.

Ascona
Cartão postal da Suíça: porto de Ascona e Locarno (ao fundo) Keystone

Os responsáveis aprenderam sua lição. O objetivo agora é impedir a todo custo que a proposta fracasse de novo. Ao reiniciar o planejamento da estrada de ligação, eles decidiram valorizar o processo participativo. Se os cidadãos podem opinar e propor mudanças, estarão mais dispostos a votar “sim”.

Participação tem o seu preço

Porém isso não ocorre sem custos. E o custo é o tempo necessário e a paciência. Aqui estão as etapas mais importantes no segundo planejamento:

Entre 2009 e 2010 os planejadores realizaram o estudo de viabilidade.

Em 2012, o cantão enviou três variações da localização da estrada para avaliação do Departamento Federal de Rodovias em Berna.

Em 2015, o governo federal escolheu uma variação, no qual o percurso atravessa um túnel feito no canto da montanha.

Entre 2016 e 2018: o cantão inclui o túnel no novo projetoLink externo.

Já passaram dez anos desde o primeiro plebiscito em 2007. A estrada ainda continua no papel.

Projeto de estrada
Nova estrada entre Bellinzona e Locarno: o percurso feito por ela inclui também um túnel (linha vermelha riscada). Kai Reusser / swissinfo.ch

Mais um passo, mas não o último

No verão, a população foi consultada. Com as várias palestras a situação se esclareceu: os habitantes de Quartino, um vilarejo localizado na saída sul do planejado túnel, se emocionaram. Em Sant’Antonino, no lado norte, havia várias preocupações. Entre outras coisas, porque um trecho iria ocupar terras agrícolas. O túnel que iria aproximar as pessoas, acabou as separando.

“Levamos à sério todas as preocupações. O projeto foi retrabalhado e adaptado no que foi possível”, explicou o engenheiro e coordenador Matthias Neuenschwander.

Os esforços tiveram resultado. Os habitantes de Sant’Antonio reagiram de forma positiva às adaptações. Até o final do ano o projeto retrabalhado será enviado ao Departamento Federal de Rodovias. Mais um passo, pelo menos.

Paciência necessária

Porém o processo de planejamento está longe de ser encerrado. Ainda há duas barreiras a superar: todo o processo de aprovação e, talvez o mais importante, o financiamento de toda a obra.

Magadino-Ebene
Foto aérea da Planície de Magadino. Keystone

As autoridades afirmam que o cantão não tem condições de assumir os custos de 1,45 bilhões de francos e exige a participação do governo federal, que assume a responsabilidade o projeto a partir de 2020. Isso também custa tempo. Em primeiro lugar, o governo suíço precisa determinar a prioridade da construção de uma nova estrada. A decisão só será tomada em 2021. É o tempo que o governo do Ticino e outros grupos de interesse tem para entrar com recursos.

Os ambientalistas se mostraram satisfeitos com a proposta de construção de um túnel, até então. Pode ser que o projeto seja realizado mais cedo do que o esperado. Mas o que significa cedo? A estrada levara entre oito e dez anos para ser construída. O primeiro veículo deverá atravessá-la só em 2035 ou 2013, segundo alguns especialistas. Resumindo: quase meio século para construir 13 quilômetros de estrada, o que corresponde a três anos por quilômetro.

Um fato concreto: não haverá mais votação cantonal. Razão: a construção de uma rodovia está na alçada do governo federal. O fracasso nas urnas como ocorrido em 2007 não irá mais ocorrer. O urbanista Matthias Neuenschwander faz até uma reflexão: “Afinal, você também não construiu uma catedral em poucos anos.”

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Projetos de infraestrutura e a democracia direta na Suíça

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Na maioria dos casos, esses projetos de infraestrutura são aprovados pelo eleitor.

Um exemplo ocorreu em 1898 quando o eleitor suíço aprovou a estatização das ferrovias. Com o “sim” dado nas urnas não apenas deu as bases para a criação da Companhia Suíça de Trens (SBBLink externo, na sigla em alemão), como também para a política suíça de consenso e concordância.

Os cidadãos são convidados a participar com bastante antecedência do processo decisório através de reuniões consultivas. As críticas e propostas dadas são incluídas no projeto, o que facilita então sua aprovação pelos eleitores.

Porém existem exceções: em 1990 os suíços aprovaram iniciativa popular (n.r.: projeto de reforma constitucional levado à plebiscito após recolhimento de assinaturas) que pedia uma moratória de dez anos para a construção de novas usinas nucleares.

Adaptação: Alexander Thoele

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