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Suíça-UE: explicando os novos acordos bilaterais

Duas mulheres se cumprimentando
A presidente da Confederação Suíça, Viola Amherd, dando as boas-vindas à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Berna, em dezembro de 2024. Keystone / Alessandro Della Valle

A Suíça negociou um novo pacote de tratados com a União Europeia. Isso marca um novo capítulo na longa história de uma relação complicada. Saiba mais sobre o estado atual desses acordos entre Berna e o bloco europeu.

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A Suíça negociou um novo pacote de tratados com a União Europeia. Isso marca um novo capítulo na longa história de uma relação complicada. Saiba mais sobre o estado atual desses acordos entre Berna e o bloco europeu.

A Suíça regulamentou suas relações com a UE em cerca de 20 tratados bilaterais e mais de 100 outros acordos. Um primeiro pacote de tratados foi elaborado com uma ainda jovem UE no ano de 1994. Ele continha acordos sobre a livre circulação de pessoas, bem como regras sobre barreiras comerciais, agricultura, transporte e pesquisa.

História dos tratados bilaterais

Tendo em vista uma possível adesão futura, a UE fez, naquela época, concessões singulares à Suíça em acordos que ficaram conhecidos como Tratados Bilaterais.

Dez anos mais tarde, em 2004, viria o “Bilaterals II” – um novo pacote de tratados que harmonizava com os Acordos de Schengen e Dublin sobretudo na conduta relativa a temas como migração e asilo.

Quando a questão parecia estar resolvida, foram surgindo novas demandas cotidianas ao longo dos anos – como, por exemplo, um acordo sobre energia elétrica.

Por outro lado, foi ficando cada vez mais evidente o quanto esses tratados eram estáticos, visto que os Estados-membros da UE mudavam suas leis com uma rapidez cada vez maior e a UE ajustava seu corpo jurídico em consonância com essas mudanças.

Há comissões mistas que supervisionam o funcionamento cotidiano de tais tratados bilaterais. Essas comissões foram tendo cada vez mais dificuldade de interpretar, no novo contexto legal, os acordos que haviam sido selados anteriormente. Pairava uma ameaça de que esses dois espaços jurídicos poderiam se dissociar.

Por isso, a partir de 2008, a UE sugeriu moldar o relacionamento do bloco com a Suíça em um acordo estrutural. As questões institucionais deveriam ser regulamentadas de maneira uniforme, enquanto os ajustes jurídicos seriam adaptados automaticamente. As negociações nesse sentido foram iniciadas em 2014 e se arrastaram por muito tempo.

A Suíça foi afetada no que diz respeito a seus interesses particulares. Regulamentações especiais não eram mais uma opção para Bruxelas, pois, a partir de 2016, a UE precisou também negociar o Brexit com o Reino Unido. Concessões à Suíça, naquele momento, teriam dificultado ainda mais o já complexo processo com o Reino Unido – e teriam também despertado vontades especiais nos Estados-membros da UE.

Desiludido, o Conselho Federal encerrou unilateralmente as negociações em 2021. A UE reagiu com irritação e excluiu a Suíça do seu programa de pesquisa Horizon.

O que a Suíça queria?

Em 2022, a Suíça sondou mais uma vez as possibilidades de atualizar os cinco acordos de mercado interno em vigência: livre circulação de pessoas, transporte aéreo, transporte terrestre, barreiras técnicas ao comércio e agricultura. Berna demonstrava também interesse em fechar dois outros acordos nas áreas de energia elétrica e segurança alimentar. Além disso, a Suíça pretendia também suspender sua exclusão do programa Horizon.

Dois homens sentados em poltronas
O ministro suíço das Relações Exteriores, Ignazio Cassis (esq.), e o vice-comissário da UE, Maros Sefcovic. Keystone-SDA

Para o Conselho Federal (Poder Executivo), sempre esteve claro que, independentemente do que sua delegação de negociação trouxesse de Bruxelas, os resultados teriam que ser aprovados pela população. Neste sentido, os referendos sempre se encontram sob ameaças tanto de esquerda quanto de direita. E a soberania da Suíça, em termos de política estatal, é considerada o princípio que guia a questão europeia, pelo menos desde a rejeição popular do Espaço Econômico Europeu (EEE) em 1992.

Quais são os limites da Suíça?

Para obter aceitação interna suficiente, um acordo com a UE deve atender, sob a perspectiva suíça, a muitos, se não a todos os seguintes critérios: uma regra vinculativa, que proteja o alto nível salarial suíço contra o dumping; uma garantia de que a população terá voz ou, pelo menos, direito de veto na adoção de leis; nenhum “juiz estrangeiro”, ou seja, nenhum tribunal da UE vai ser considerado de última instância; e, por fim, a possibilidade de controlar de maneira autônoma ou, pelo menos, de poder limitar a imigração para a Suíça. As delegações suíças viajaram para Bruxelas mais de 200 vezes com esses objetivos.

O que a Suíça conseguiu agora?

Após a primeira tentativa fracassada em 2014 e os anos de estagnação que se seguiram, uma solução parecia às vezes quase impossível de ser encontrada. Sendo assim, a apresentação de um resultado já pode ser considerada um sucesso.

A Suíça conseguiu que as questões institucionais fossem agora integradas aos acordos individualmente. Elas não são válidas globalmente, como teria sido o caso de um acordo estrutural. Nesse caso, uma adoção automática da lei está parcialmente fora de cogitação. A legislação da UE deve ser adaptada apenas de “maneira dinâmica” pela Suíça e o país pode também rejeitá-la. Com isso, a Suíça preserva sua independência, conforme pretendido. Ela não se vincula à UE do ponto de vista político mais do que o economicamente desejável e necessário.

A mídia e a classe política confirmaram que a delegação suíça conseguiu o que foi possível em Bruxelas. O acordo foi descrito, portanto, como “feito ao máximo sob medida” pelo diário Neue Zürcher Zeitung. O fato de a Suíça ter sido capaz de restringir amplamente a imigração de trabalhadores migrantes, no âmbito da livre circulação de pessoas, também contribui para isso.

Em última análise, a Suíça também pode continuar sua tradição do caminho bilateral. A mídia e a classe política falam, portanto, do “Bilaterais III”.

Quais perguntas foram esclarecidas?

A priori, o Conselho Federal comunicou o resultado das negociações de forma resumida; os textos do tratado ainda não foram publicados. A Suíça recebeu algumas concessões da UE: o país pode voltar a participar – provisoriamente – do programa de pesquisa Horizon.

A Suíça garantiu também a possibilidade de ativar uma cláusula protetiva, se necessário, para limitar a imigração em caso de “problemas econômicos ou sociais graves”. A eficácia dessa cláusula permanece, contudo, incerta. A Suíça teria que provar, nesse âmbito, que a imigração estaria criando problemas econômicos. No entanto, até agora, a imigração sempre esteve alta quando a economia florescia.

Duas mulheres se abraçando
Amherd e von der Leyen selando o fim das negociações. Keystone / Alessandro Della Valle

Até o momento, os tratados bilaterais consistiam de cinco acordos, que foram acrescidos de mais três novos: sobre energia elétrica, saúde e segurança alimentar. Foi regulamentado também o preço de entrada no mercado da UE no valor de 350 milhões de francos suíços por ano a partir de 2030. Até lá, a Suíça pagará 130 milhões de francos suíços por ano.

Quais questões continuam sem solução?

O ponto crucial de maior relevância continua sendo a proteção dos altos salários suíços. Os sindicatos da Suíça fazem dessa proteção uma condição para votarem a favor do pacote completo. A Suíça conseguiu salvaguardar seu nível atual de proteção salarial contra qualquer deterioração futura na UE. No entanto, ela teve que se curvar às regulamentações de despesas da UE. As despesas dos funcionários enviados são, portanto, regidas pelas regras de seu país de origem. As organizações trabalhistas de esquerda veem isso como uma porta de entrada para o dumping salarial e de preços.

Como a UE se manteve firme nessa questão complicada, a Suíça precisa agora resolver o problema internamente. Os parceiros devem encontrar maneiras de compensar qualquer deterioração salarial, como dita o encargo do Conselho Federal aos representantes de empregadores e empregados. Entretanto, as frentes entre eles estão acirradas. Os sindicatos estão cientes de que seu voto a favor dos acordos será decisivo. Eles podem usar isso no jogo de poder para obter acordos coletivos de trabalho mais vantajosos.

Por ora ficam também em aberto as letras miúdas que podem surgir no corpo do acordo, a exemplo da questão sobre como será regulamentada a participação suíça de longo prazo nos programas da UE. De interesse são também as possíveis sanções no caso de a Suíça não seguir a UE na adoção da legislação do bloco.

Os chamados “juízes estrangeiros” também permaneceram. Em princípio, um tribunal conjunto de arbitragem decidirá sobre as disputas. No entanto, em última instância, esse tribunal encaminhará a questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia se a legislação da UE estiver envolvida.

Como a classe política suíça reage?

Essa é a principal razão pela qual o Partido Popular Suíço (SVP) ,facção conservadora de direita, se opõe fundamentalmente aos novos acordos. Se a esquerda, impulsionada pelos sindicatos, também se opuser a eles, os acordos terão poucas chances de serem aceitos pela população.

Até o início deste ano de 2025, o Partido Socialista vem mantendo uma abordagem de espera e observação. Os outros grandes partidos do país estão também apenas cautelosamente otimistas. Todos concordam que a abordagem dos acordos bilaterais deve ser mantida e respeitada e que os salários suíços devem ser protegidos.

E de agora em diante?

As próximas eleições federais estão programadas para 24 de outubro de 2027. Observadores não esperam um referendo sobre o tratado entre o país e a UE antes disso.

No primeiro semestre do ano, os acordos com a UE serão mutuamente confirmados. A expectativa é de que o Parlamento discuta a questão em 2026. O Conselho Federal pretende apresentar os três novos acordos separadamente. Isso significa que poderá haver vários referendos e votações populares a respeito.

Edição: Samuel Jaberg

Colaboração de Matthias Strasser, SRF

Adaptação: Soraia Vilela

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