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“Um potencial que Portugal nunca explorou” – 1° parte

Antônio Braga fotografado no seu escritório em Lisboa. swissinfo.ch

Mais de quatro milhões de portugueses vivem no exterior, dos quais 200 mil na Suíça. Essa população contribui não apenas à economia dos países que os recebem, mas também à pátria distante.

Agora Portugal quer aproveitar mais a potencialidade das comunidades lusófonas espalhadas no mundo. swissinfo.ch entrevistou o Secretário de Estado responsável por elas.


















António Fernandes da Silva Braga é um dos quatro membros da equipe governamental que dirige o Ministério dos Negócios Estrangeiros. O filósofo de formação e político é Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e, portanto, responsável por mais de quatro milhões de portugueses e luso-descendentes espalhados por todos os continentes do globo.

Em seu escritório no imponente Palácio das Necessidades em Lisboa, Braga dá uma entrevista exclusiva à swissinfo.ch para falar de questões como a integração dos migrantes portugueses, programas de apoio para os migrantes que retornam, incluindo necessitados e os altamente qualificados, mas também de reforço dos contatos econômicos com a diáspora, incentivando investimentos em Portugal. 

swissinfo.ch: Cerca de 200 mil portugueses vivem hoje na Suíça. Na visão do governo português qual é o perfil desses imigrantes?

António Braga: Essa é uma questão relevante e que tentamos responder através de apoio científico. Por isso criamos o Observatório para Imigração em parceria com uma universidade em Lisboa: o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). Ele não apenas irá caracterizar essas pessoas que emigram, no caso concreto à Suíça, mas também o conjunto de outros itens como suas ambições ou que as mobiliza a ir ao estrangeiro.

No caso da Suíça, os números estão corretos e ficam na casa das 200 mil pessoas. Mas há uma característica que também é muito acentuada: a Suíça é provavelmente dos países, aquele onde a permanência dos portugueses é das mais flutuantes. Ida e volta em épocas para o trabalho sazonal, por um lado, e por outro, com uma integração relativamente mais fácil na zona francófona do que na zona germânica.

As características são, no essencial, relacionadas às atividades na área de hotelaria, comércio, em si, do emprego menos qualificado. Mas felizmente, na segunda geração, já começamos a encontrar pessoas com origem na comunidade portuguesa que desempenham funções mais qualificadas. E também já existe, com um peso significativo, aqueles que têm atividade por conta própria no comércio, na indústria alimentar, hoteleira e de restauração, o que dá nota de uma integração gradual, mas sustentada, e de desenvolvimento na própria pirâmide social.  

swissinfo.ch: Em julho de 2010, o Depto. Federal de Migração da Suíça publicou um amplo estudo sobre portugueses no país. Nela fica caracterizada o problema do rendimento escolar dessa comunidade em relação a outras. Por quê?

A.B.: Isso já não é tanto assim, porque do nosso ponto de vista era mais uma razão administrativa do que uma razão substantiva. Eu tive ocasião de trabalhar com a senhora Isabelle Chassot (n.r.: presidente da Conferência Suíça de Responsáveis Cantonais de Educação), que mostrou sempre muita disponibilidade enquanto coordenadora da educação no país. Assim ficou demonstrado que o problema associado a esse desempenho no sistema educativo não era a capacidade habilitante para a aprendizagem mas, pelo contrário, as dificuldades no domínio da língua, nomeadamente a língua alemã e também a língua francesa.

Como caracterizamos, o grupo mais representativo da imigração portuguesa para a Suíça é aquele ocupado no trabalho sazonal. Isso significa que as crianças ficam ausentes do sistema educativo, porque regressam ou porque vão já um pouco tarde, com nove ou 10 anos de idade. E isso aumenta a dificuldade na dominação da língua do país para que elas possam progredir no sistema educativo. A dificuldade no domínio da língua – que é o instrumento com o qual se aprende toda a base curricular – é uma dificuldade acrescida e que tem de ser resolvida de outra forma, que não remetendo esses alunos que dominam menos a língua para uma espécie de ensino especial.

Foi esse fator é que deu uma entorse negativa na amostragem, mas que foi corrigida através de instruções remetidas às escolas já no ano passado. Elas determinam que os alunos que têm dificuldades na aprendizagem por causa do domínio da língua não sejam considerados, para efeitos informativos estatísticos, como de baixo sucesso educacional. 

swissinfo.ch: Mas o estudo indica que a maior parte dos portugueses na Suíça mantém o plano de retornar. Isso não tira o incentivo dos pais de se esforçar mais para seu sucesso escolar e, finalmente, pela integração dos seus filhos no país?

A.B.: É verdade para os pais, que emigram no sentido de poder melhorar sua condição econômica ou realizar experiências de trabalho e que, depois, querem regressar o mais rapidamente possível. Mas isso já não é verdade para os filhos. Reconhecidamente sabe-se que seus pais querem para eles o melhor futuro.

Hoje é preciso ler essa circunstância à luz do que se passa em Portugal. Hoje nosso país oferece a quase 100% da população a pré-escola. O ensino é obrigatório até uma faixa muito elevada da aprendizagem. Portanto, há uma visão de cultura e de importância das aprendizagens que o sistema educativo permite, quer para o desempenho de uma profissão no futuro, quer de realização pessoal, num sentido mais completo.

Por isso sublinho que essa lógica, que é remetida à família, não é repetível às crianças. Por quê? Pois nota-se um grande esforço para que os alunos freqüentem as escolas. Repara que Portugal dá um grande tributo, uma vez que coloca lá professores juntos dessas comunidades, para garantir que eles não percam os vínculos de ligação à cultura e língua portuguesa. Isso significa que, ao mesmo tempo em que frequentam o sistema educativo suíço, as crianças se beneficiam dessas outras aprendizagens. 

swissinfo.ch: Segundo o estudo do Depto. Federal de Migração, a migração portuguesa à Suíça é negativa, ou seja, mais pessoas retornam do que vêem ao país. A crise financeira atual em Portugal poderá reverter esses números?

A.B.: Embora a Suíça não pertença à União Européia, há acordos que facilitam a circulação dos portugueses para a Suíça. E nessa matéria, nós caracterizamos mais esses movimentos como sendo uma mobilidade no contexto do emprego na Europa do que propriamente a tradicional imigração, que se passava quando havia todo um conjunto de dificuldades transfronteiriças e outras barreiras. Hoje, como se sabe, é muito fácil se deslocar para a Suíça e vice-versa. Portanto, assistimos mais um caráter de mobilidade.

Por outro lado, é evidente que a crise atravessada pela Europa provoque cortes de empregos. Infelizmente essa situação é bastante marcante em Portugal. Assim é natural que esse movimento possa aumentar na procura de outras condições, ou seja, na procura de emprego. Não temos ainda dados que possam nos sustentar no rigor que isso esteja a acontecer, mas em uma abordagem à situação na União Européia e Europa, o que assistimos é um movimento acelerado dessa mobilidade.

Mas também existe a mobilidade negativa. No caso da vizinha Espanha, os dados mostram que houve um regresso muito superior à saída de trabalhadores portugueses em direção ao país. Antes da crise mais de 120 mil trabalhadores portugueses trabalhavam de forma regular na Espanha. Hoje a crise e o desemprego fizeram com que muitas dessas pessoas retornassem à Portugal.

swissinfo.ch: Porém sabe-se que países em crise como Itália, Grécia, Espanha e Portugal vivem um problema sério de evasão de cérebros, jovens acadêmicos que vão procurar sua sorte no exterior.

A.B.: Isso é verdade. Hoje há uma saída de jovens muito qualificados. A Inglaterra tem sido, aliás, um caso recorrentemente citado, onde temos desde jovens quadros formados em universidades portuguesas até outros com experiência de trabalho, e que deslocam à procura de oportunidades de trabalho. Temos até professores portugueses trabalhando no sistema educativo inglês.

Evidentemente isso é uma preocupação, mas também um enriquecimento. Há um período na vida desses jovens em que eles vão conhecer outras realidades e sociedades e, provavelmente, enriquecer seus currículos com essas oportunidades. Com isso, no regresso que se prevê a prazo, o país também pode se beneficiar.

Quando esse fenômeno ocorre, há sempre uma parte que é perda, pois são quadros qualificados. Mas no contexto da Europa isso não é novidade, pois as fronteiras foram abolidas e criadas condições à livre-circulação de pessoas e bens, acreditando que isso seria benéfico para o conjunto.

Leia a segunda parte da entrevista. Clique no link acima.

200 mil portugueses viviam na Suíça até o final de 2009

O grupo corresponde a 12% da população estrangeira.

A primeira presença portuguesa na Suíça ocorreu na metade do século 20. eram estudantes e membros da intelectualidade do país, refugiados políticos. Eles concentravam-se em Genebra.

Hoje o principal motivo da imigração portuguesa é o trabalho.

Natural de Gualtar, Braga

Casado, pai de dois filhos

Licenciado em Filosofia

Inspector Superior da Inspecção-Geral da Educação

Deputado à Assembleia da República, eleito pelo Círculo Eleitoral de Braga (VII, VIII, IX e X

Dirigente Nacional do Partido Socialista, membro da Comissão Política Nacional

Ele é Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas desde 14 de março de 2005 em três diferentes governos.

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