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Um refúgio contra a violência doméstica

A porta de vidro está sempre fechada.

Casas de Mulheres existem na Suíça para receber temporariamente vítimas do inferno caseiro e suas crianças.

Em Lausanne, o Centro de Acolhimento Malley Prairie é uma delas. Foi lá que uma desesperada brasileira encontrou refúgio no último momento.

Os jornais estão cheios de histórias semelhantes. Em janeiro de 2009, uma mulher de 48 anos foi morta pelo seu marido durante uma discussão violenta. A polícia já interviera em outras ocasiões. No mesmo mês, uma espanhola foi assassinada pelo companheiro de mesma nacionalidade. Motivo: suspeita de traição. Em novembro de 2009, um homem matou sua esposa e se suicidou. Ela recebeu vinte e cinco facadas.

Casos de violência contra a mulher também não poupam celebridades. Em 30 de abril de 2006, a campeã de esqui Corinne Rey-Bellet foi morta a tiros pelo seu ex-marido, Gerold Stadler, funcionário graduado do banco Credit Suisse e oficial do Exército. Inconformado com a separação, ele voltou à residência do casal e esvaziou o pente da sua pistola sobre a esquiadora e outros membros da família. Morreram Corinne e o irmão. O pai e a mãe ficaram gravemente feridos. O assassino se suicidou dias depois após longa perseguição policial.

Segundo estatísticas do Conselho da Europa, a violência doméstica é a principal causa de morte ou danos graves à saúde para mulheres entre 16 e 44 anos, antes mesmo de câncer ou acidentes de trânsito. Um estudo do Departamento Federal de Estatística (OFS) afirma que 45% dos homicídios cometidos entre 2000 e 2004 na Suíça ocorreram no seio do lar. O número coloca o país na frente da Austrália (35%) e Estados Unidos (16%).

E o que as mulheres, mesmo as que vivem como clandestinas, fazem quando não suportam mais ataques físicos ou psicológicos dos próprios maridos? Além de chamar a polícia, uma das soluções é procurar um dos 17 centros de acolhimento, ou “Frauenhäuser” (Casa das Mulheres) em alemão, existentes em várias partes do país.

Uma casa em Lausanne

Uma delas está localizada em Prairie, um bairro popular de Lausanne. O que parece um prédio residencial ao lado de um parque infantil, é o Centro de Acolhimento Malley Prairie. Criado como uma fundação nos anos 1980 com base em outras atividades filantrópicas iniciadas em 1911, o espaço dispõe de vinte quartos com capacidade para receber até 26 mulheres e 30 crianças, sempre por períodos limitados.

“Qualquer mulher que se sinta ameaçada ou sofra de violência, e seja residente no cantão de Vaud, pode nos procurar a qualquer hora do dia e da noite”, explica Sylvette Mihoubi. Os números revelados pela diretora do centro mostram que a procura é grande: 253 mulheres abrigadas no local, acompanhadas por 247 crianças, apenas em 2009. A taxa de permanência de cada uma ou família foi de 46 dias. No total, 400 pessoas passaram pelo ambulatório.

A admissão é voluntária, o que não diminui, porém, as barreiras para as pessoas necessitadas. “Muitas mulheres nem sabem que são vítimas, pois acham que só existe a violência física”, ressalta Mihoubi. Outras formas seriam a violência psicológica, sexual e econômica. “Ser obrigada a ter relações sexuais com o marido, ficar detida em casa ou ter o dinheiro confiscado são exemplos disso.”

Para muitas mulheres estrangeiras, essa é uma situação comum. “Por não saber falar o idioma ou ter a vida social muito restrita, elas dependem mais dos seus maridos do que uma suíça”, afirma a diretora. Campanhas nas escolas, distribuição de folhetos e até sites na internet são as formas encontradas pela sua equipe para contornar o problema. “Assim criamos o site ‘Violência, o que fazer?’ (link na coluna da direita), cujo objetivo é dar todas as orientações, até mesmo explicando que bater na esposa é um crime grave na Suíça”.

Brasileira escapada

Uma das mulheres residente no centro em Lausanne é a brasileira Louise T.*, psicóloga de 49 anos originária do Rio de Janeiro. Depois de várias estadias de pequena duração na Suíça, ela retornou ao país em junho de 2006, e logo depois conheceu através da internet um suíço divorciado. “Saímos juntos quatro meses e depois tive de voltar ao Brasil quando meu visto de turista expirou. Então ele convidou-me a morar com ele”, lembra-se.

Louise se inscreveu em um curso da Universidade de Lausanne e obteve, assim, um visto “L” de curta duração. Porém seu sonho ruiu no dia em que ela descobriu a verdade sobre o seu parceiro. “Ele era um sujeito com uma vida muito depravada e, quando soube disso, seu comportamento mudou”, afirma a carioca. Com certo nervosismo, ela conta como o suíço passou a controlar sua vida, desviar cartas, confiscar seu dinheiro e mesmo proibir que comesse a comida da dispensa.

A pressão psicológica aumentou de tal maneira que Louise decidiu fugir. “Saí na rua no meio da noite. Estava disposta a dormir na estação de trem. Ele me seguiu até o momento em que entrei numa delegacia. Então ele me ameaçava, dizendo que eu era uma estrangeira, sem direitos e que seria expulsa facilmente”, conta. Nesse dia, 18 de dezembro de 2009, a brasileira foi acolhida na Casa Malley Prairie.

Regras e proteção

Ao contrário de ser um hotel, o centro de acolhimento tem um regulamento rígido. As mulheres tem liberdade de ir e vir durante o dia, mas não podem dormir fora. Uma vez por semana elas têm atendimento com assistentes sociais ou psicólogos, além de trabalhar na organização da casa. “Mas o mais importante é que elas se sintam seguras e possam, aos poucos, sair do papel de vítimas e descobrir suas potencialidades”, rebate Sylvette Mihoubi. Seus funcionários também ajudam as mulheres a encontrar uma nova moradia e resolver outros problemas com a burocracia governamental. Eles indicam também advogados ou médicos. E quando há necessidade, também dão auxílio financeiro às vítimas.

A brasileira agradece pela oportunidade. “Aqui encontrei uma família”, declara aliviada. Atualmente ela aguarda uma resposta das autoridades de imigração para o seu pedido de prolongação do visto. Se recusarem, terá de sair em breve da Suíça. Porém seu sonho é completar o curso na universidade. Por enquanto, ela já encontrou uma nova casa: um pequeno apartamento que irá compartilhar com uma amiga, pois sua estadia no centro chegou ao seu limite.

Medo? Louise declara não ter mais. Ela até está escrevendo um livro para contar o sofrimento que viveu. Além disso, confia nas medidas de segurança do centro. Suas portas estão sempre fechadas. O homem que quiser entrar tem de anunciar-se através de interfones. Se for um ex-marido, a mulher pode recusar recebê-lo. Em casos extremos, a direção pode chamar até a polícia. Tanta precaução não é à toa: em 2006, uma residente foi assassinada pelo companheiro no bairro vizinho em plena luz do dia.

Alexander Thoele, swissinfo.ch

* Nome conhecido da redação

Na Suíça existem 17 centros de acolhimento para mulheres que sofrem violência e um em Liechtenstein. Eles oferecem aproximadamente 270 vagas. A taxa geral de ocupação é de 90%.

Existem quatro formas de violência contra a mulher: violência psicológica, física, sexual e econômica.

Violência conjugal é um delito penal. O Código Penal Suíça proíbe a violência no casal (sejam os dois casados ou não). Ele define diferentes tipos de agressão e penas judiciárias para os autores de violência.

Qualquer pessoa pode denunciar uma situação de violência à polícia ou autoridades judiciais.

Em caso de violência, ameaça ou assédio (art. 28b do Código Civil), a vítima pode pedir às autoridades judiciais de proibir a aproximação do parceiro e até a sua expulsão da habitação em comum.

As vítimas da violência podem procurar uma das casas de acolhimento funcionando nos vários cantões suíços (link abaixo). Elas oferecem abrigo para as mulheres e seus filhos por tempo determinado e acompanhamento psicológico e social, incluindo também pessoas que não dispõe de vistos de residência ou permanência na Suíça. Elas geralmente estão abertas 24 horas por dia.

Telefone da polícia: 117
Ambulância: 144
Bombeiros: 118

Endereço:
Chemin de la Prairie 34
1007 Lausanne

Tel: 021 620 76 76
E-mail: info@malleyprairie.ch

Em caso de urgência, acolhimento 24 horas por dia.

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