“Urna biométrica é recurso de Estados totalitários”
Em entrevista à swissinfo, o especialista austríaco Robert Krimmer, que criou um ranking internacional do voto eletrônico, critica os projetos de urnas biométricas no Brasil e na Venezuela.
Após comparar 28 países europeus, mais os EUA, a Rússia e a Venezuela, ele diz que a Suíça está bem preparada para atender a uma antiga reivindicação da Organização dos Suíços do Estrangeiro: introduzir o voto via internet.
Robert Krimmer é diretor do Centro de Competência para Eleições Eletrônicas, em Viena. Durante dois anos de pesquisas, ele elaborou junto com seu colega Ronald Schuster um índice sobre a disposição de 31 países para introduzir o voto eletrônico (E-Voting Readiness Index).
O ranking, no qual a Suíça aparece em 5° lugar, considera aspectos jurídicos e políticos, critérios técnicos, bem como o acesso aos recursos da sociedade da informação. A segurança dos sistemas de votação eletrônica não foi avaliada.
swissinfo: O Brasil realiza eleições eletrônicas há muitos anos, mas não é citado em seu estudo. O país não é um bom exemplo de voto eletrônico (e-voting)?
Robert Krimmer: Nosso objetivo era analisar a situação na Europa e comparar com dois, três exemplos de outros continentes. Na América Latina, eu escolhi a Venezuela porque conhecia seu sistema de votação eletrônica; o do Brasil eu não conhecia ao vivo. Mas isso não significa que o Brasil não seja um bom exemplo para o estudo.
As máquinas eleitorais no Brasil servem principalmente para o controle central do sistema eleitoral e para a inclusão dos analfabetos no processo eleitoral. Esses objetivos foram atingidos, mas o sistema já é um tanto velho.
swissinfo: Após o sucesso das urnas eletrônicas, usadas desde 1996, o Brasil vai estrear a urna biométrica nas eleições municipais deste ano, para identificar o eleitor através de foto e impressão digital. O que o senhor acha desse sistema?
R.K.: Mesmo que o objetivo seja impedir a fraude eleitoral por meios biométricos, essa não deve ser a medida prioritária. Isso devido a problemas de proteção dos dados, que lembram Big Brother ou o banco de dados „Maisanta” da Venezuela (leia explicação à direita).
Na Venezuela há os mesmos esforços como no Brasil para introduzir a urna biométrica. Isso são recursos de Estados totalitários, que não fomentam a democracia. A alternativa é fortalecer a descentralização da administração do processo eleitoral, através de medidas educacionais, seguindo o modelo europeu.
swissinfo: A Venezuela ficou em 22° na sua comparação de 31 países; no critério político ocupa o último lugar. Por que essa classificação tão ruim?
R.K.: O problema da Venezuela não é o sistema de voto eletrônico em si, e sim o ambiente político – nessa área, o país fica em último lugar. Em termos de acesso e uso da internet está melhor. As urnas eletrônicas têm um alto nível técnico. Mas, por causa dos problemas políticos – estatização, interdição da oposição, que boicota eleições, o caso do banco de dados “Maisanta” – o país tem uma classificação ruim.
Ao contrário do que ocorre na Europa ou na América do Norte, os projetos de e-voting na América do Sul não se baseiam na idéia da democratização, isto é, de permitir o acesso do máximo de pessoas ao processo eleitoral, e sim na intenção de controlar todos as áreas desse processo.
swissinfo: Nos EUA, 2° lugar em seu ranking, o voto eletrônico tem mais tradição do que na Europa, mas os grandes projetos de voto via internet ainda não passam da fase de planejamento. Por que a “democracia-modelo” tem tantas dificuldades com isso?
R.K.: Nos EUA, aplica-se um sistema eleitoral fortemente descentralizado. Eleições via internet, no entanto, exigem uma grande superestrutura com mais recursos financeiros, que as instâncias locais não podem bancar.
Em segundo lugar, depois do fiasco na contagem dos votos na Flórida, em 2000, o foco da administração eleitoral norte-americana centrou-se na apuração e não na inclusão do máximo de eleitores. Por isso, a opção recaiu sobre as urnas eletrônicas e não no voto através da internet.
Mas há exemplos, como as primárias dos democratas no estrangeiro, que este ano foram realizadas via internet. Fora algumas discussões, que sempre há, elas transcorreram sem problemas.
swissinfo: Portugal ocupa apenas o 14° lugar no ranking? A que se deve isso?
Portugal tem condições políticas boas para a eleição via internet, mas cai para uma posição intermediária na área de sistemas de computação e internet. Esse é o motivo do 14° lugar.
swissinfo: Como é a situação do voto eletrônico na Suíça, quinta colocada?
R.K.: Na comparação européia, a Suíça está bem. Ela tem grande experiência no voto por correio. Os testes nos cantões foram positivos e há quase dez anos existe uma ampla discussão sobre o assunto. A Suíça é superada apenas pelo Reino Unido, a Estônia e a Holanda. Países como a Áustria e a Alemanha ainda não realizaram eleições com recursos eletrônicos.
No Reino Unido (1° lugar no ranking), a internet é mais difundida, foi investido mais dinheiro e os testes de e-voting têm uma base mais ampla. A discussão política, porém, é menos intensa do que na Suíça.
swissinfo: A Estônia foi o primeiro país europeu a introduzir em março de 2007 o voto via internet numa eleição parlamentar. Como isso foi possível?
R.K.: O país já introduziu a assinatura digital e, por isso, tem maior validade jurídica para eleições eletrônicas. Essencial é, porém, que a Estônia tem tradição constitucional muito jovem. Por isso, foi mais fácil mudar a Constituição do que seria na Suíça. Lá não é preciso perguntar a tantos atores decisórios se eles querem ou não mudar a Constituição.
swissinfo: A Holanda, após tentativas bem-sucedidas com o voto eletrônico, voltou à eleição com cédula de papel. O que falhou lá?
R.K.: Em princípio, os holandeses têm uma grande confiança no voto eletrônico. A Holanda é o país europeu com a maior experiência em eleições eletrônicas. Eles usam a urna eletrônica desde os anos de 1960.
Nas eleições de 2004 para o Parlamento Europeu, houve um primeiro teste de votação via internet para holandeses no exterior, considerado muito bem-sucedido. Em 2006, um grupo de cidadãos demonstrou que havia problemas de segurança com as urnas eletrônicas. Por estarem em uso há mais de 30 anos, os computadores eleitorais não estão mais à altura da técnica mais nova.
Isso gerou desconfiança. Os políticos ficaram inseguros quanto às eleições eletrônicas. Por isso eles disseram: “Antes de darmos o próximo passo e comprarmos a próxima geração de computadores, vamos esperar um pouco e ver como isso se desenvolve em outros países.”
swissinfo: Independentemente dos obstáculos administrativos, até que ponto o voto eletrônico é seguro?
R.K.: A identificação clara dos eleitores e o voto anônimo essencialmente podem ser garantidos. A condição para a anonimidade é que o eleitor não tenha vírus em seu computador. Essa é uma das tarefas principais: é preciso confiar no eleitor que ele tem seu computador sob controle e usa um antivírus atual. Mas isso vale também para o voto por correio, em que também não se preenche a cédula no restaurante e sim em casa.
Entrevista swissinfo, Geraldo Hoffmann / Andreas Keiser
Veja o ranking de preparação de 31 países para o voto eletrônico (entre parênteses, pontos alcançados de um total de 100 possíveis).
1. Reino Unido (70,60)
2. EUA (66,68)
3. Estônia (66,60)
4. Holanda (62,90)
5. Suíça (61,79)
6. Áustria (59,96)
7. Suécia (59,89)
8. Alemanha (59,07)
9. Bélgica (56,95)
10. Finlândia (56,79)
11. França (56,66)
12. Dinamarca (54,54)
13. Espanha (53,36)
14. Portugal (53,04)
15. Itália (47,06)
16. Eslováquia (44,20)
17. Irlanad (42,86)
18. Luxembourgo (41,74)
19. Grécia (41,23)
20. Eslovênia (40,56)
21. Hungria (39,31)
22. Venezuela (38,57)
23. Malta (38,34)
24. Rússia (37,88)
25. Rep. Tcheca (37,05)
26. Lituânia (36,10)
27. Letônia (34,63)
28. Romênia (33,88)
29. Polônia (33,87)
30. Bulgária (29,37)
31. Chipre (28,17)
Fonte: Centro de Competência para Eleições Eletrônicas – Viena
De 2001 a 2005, os cantões de Genebra, Neuchâtel e Zurique realizaram, em cooperação com o governo federal, projetos-piloto de e-voting.
Com base nos resultados positivos, os testes foram ampliados. Em 2008, serão realizados os primeiros projetos-piloto de e-voting em Neuchâtel e Basiléia, dos quais podem participar suíços do estrangeiro.
Durante um encontro de 85 especialistas de 25 países em Bregenz (Áustria), no início deste mês, o coordenador do projeto “Boa Governança na Sociedade da Informação” do Conselho da Europa, Michael Remmert, disse que, atualmente, “pelo menos dez países europeus pensam seriamente em introduzir o voto eletrônico”.
O chamado banco de dados “Maisanta” contém dados de 12 milhões de eleitores venezuelanos, em que consta também a orientação política do cidadão e como ele votou no referendo sobre o destino do presidente Hugo Chávez em 2004.
Uma cópia, em forma de CD, acabou se tornando pública em 2005. Pelas informações contidas nos arquivos, a imprensa deduz que o CD só pode ter sido produzido por agentes do governo com acesso às urnas eleitorais eletrônicas. A lista de nomes é chamada de “Maisanta”, em homenagem ao bisavô do presidente.
Segundo a revista Veja, as informações seriam usadas pelo governo venezuelano para perseguir os adversários: quem votou contra o presidente teria dificuldade para tirar passaporte e não conseguiria emprego público.
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