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“A tortura é resistente e tende a voltar”

Tim Hetherington/Magnum

Durante a ditadura militar na Argentina, Juan Méndez sofreu tortura e dedicou sua vida a lutar contra esse flagelo. O relator especial da ONU fala à swissinfo.ch na ocasião do Dia Internacional em Apoio às Vítimas da Tortura.

A entrevista acontece no Palácio Wilson, sede do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Genebra.

swissinfo.ch: Qual é a situação na Síria?

Juan E. Méndez: Está tão ruim que vemos desde execuções extrajudiciais e desaparecimentos à tortura sistemática. A repressão é tão brutal que pode ser considerada tortura. Apesar das nossas tentativas, o governo sírio não nos dá respostas. Tudo o que os observadores tentam fazer é impedido, porque o Conselho de Segurança mostra uma total indecisão na questão síria.

swissinfo.ch: Seu mandato mudou após a primavera árabe?

J.E.M: A Líbia me preocupa muito, porque há muitas milícias que não estão subordinadas ao Estado e que estariam praticando regularmente a tortura em prisões secretas. Eu acho que a comunidade internacional deve ser firme com o governo líbio, exigindo que faça alguma coisa. Quanto ao Egito, pedi que me convidassem e ainda não me responderam. A tendência na questão dos direitos humanos parece melhorar, mas atualmente estamos passando por um momento incerto. A força da população egípcia deve agora ser canalizada através das instituições do Estado de Direito.

swissinfo.ch: O senhor vê melhorias na região para acabar com a prática endêmica da tortura?

J.E.M.: As mudanças são lentas, mas estão acontecendo com certeza na Tunísia. O novo governo que emergiu da revolução tem boas intenções, mas não pode eliminar a tortura com uma simples ordem. Na verdade, ela ainda é praticada, embora não de forma tão grave como anteriormente. As forças de segurança têm dificuldade em se adaptar à nova realidade. Agora é preciso julgar e punir os responsáveis pelos crimes do antigo regime e compensar as vítimas, embora tenha se passado 20 anos. As torturas na Tunísia de Ben Ali eram atrozes. Chegam quase a superar tudo o que já vimos.

swissinfo.ch: O que pretende alcançar, dentro dos termos de seu mandato?

J.E.M.: Queremos que esses países cumpram as normas internacionais. Todas as prisões devem ser registradas. Todos os centros de detenção devem ser conhecidos e sujeitos a inspeções periódicas. São medidas de senso comum.

swissinfo.ch: Antes o senhor dizia que o fim da tortura era uma questão de tempo.

J.E.M.: A tortura é resistente e tende a voltar. Vemos isso na América Latina. Quando as forças de segurança sentem que a sociedade civil não está lhes vigiando, voltam a seus velhos hábitos, porque eles dão resultados mais rápidos.

swissinfo.ch: Quais são os países que mais lhe preocupam?

J.E.M.: Os focos de maior preocupação são aqueles que não me convidam para uma visita, ou me convidam e logo cancelam, como o Bahrein. Há casos de países que há 18 anos estamos pedindo uma permissão, sem resposta.

swissinfo.ch: Para que serve estas visitas?

J.E.M.: Depende do convite, porque sem isso eu não posso entrar. Mas uma vez lá dentro, tenho autonomia e acesso a todos os centros de detenção. E só eu posso decidir quando e em qual eu vou. O Estado anfitrião assinala que o relator especial está no país e que ele deve ter acesso a tudo. Nenhuma porta pode ser fechada. Eu também posso falar com qualquer preso à sós. Outro fator essencial é que podemos falar com qualquer membro da sociedade civil, quando e onde quisermos, sem que ninguém tema ser perseguido ou sofrer retaliação.

swissinfo.ch: Temos tendência a associar a tortura com o mundo em desenvolvimento. Há casos em países desenvolvidos?

J.E.M.: Desde que a guerra contra o terrorismo foi declarada após o 11 de setembro de 2001, vimos um ressurgimento da tortura em lugares como os Estados Unidos. E alguns de tortura grave, como o water boarding (afogamento simulado). As pessoas não levam isso a sério, mas provocar a asfixia é algo gravíssimo. E não se esqueça que nesta guerra estão usando a tortura psicológica, que não toca em um fio de cabelo, mas deixa sequelas. Passar 23 horas por dia em uma cela de quatro metros quadrados é uma tortura real. Temos de lutar contra as torturas física e mental.

swissinfo.ch: Suponho que se refere a Guantanamo e à era Bush. Alguma coisa mudou desde então?

J.E.M.: Um dia depois de sua posse, Obama deu ordens proibindo todas as formas de tortura. É impressionante notar que nos últimos três anos não houve novos relatos de tortura dos Estados Unidos. Todos os casos conhecidos do CDH são do governo anterior.

swissinfo.ch: Então, os Estados Unidos estão cumprindo o esperado?

J.E.M.: Não é bem assim, porque o Estado não pode simplesmente proibir a tortura, mas deve perseguir, processar e punir os casos antes de seu próprio governo. Infelizmente, a administração Obama vem evitando qualquer investigação sobre o uso da tortura durante a presidência Bush. Até agora a resposta é um silêncio completo de Washington. Sob o pretexto de segredos de segurança e Estado, Obama evita a investigação de casos específicos. Os Estados Unidos continuam, mesmo agora, violando suas obrigações internacionais.

swissinfo.ch: O senhor mesmo também foi torturado.

J.E.M.: Fui torturado durante a ditadura militar na Argentina (ndr: 1976-1983) por ter sido advogado de defesa de presos políticos. A experiência da tortura me fez decidir a dedicar minha vida profissional a esta questão.

Nasceu em Mar del Plata, Argentina, em 1944. Se formou como advogado em 1970 e assumiu a defesa de presos políticos.

Foi preso e torturado durante 18 meses pela junta militar que governou o país entre 1976 e 1983. Foi libertado graças à pressão da Anistia Internacional, que intercedeu em seu favor e conseguiu expatriá-lo para os Estados Unidos.

Nos EUA, continuou trabalhando na defesa dos direitos dos trabalhadores migrantes e dos direitos civis. Trabalhou durante 15 anos para a ONG Human Rights Watch. Foi professor de direito e diretor do Centro para os Direitos Civis e Humanos da Universidade de Notre Dame (Indiana).

O ex-Secretário Geral da ONU Kofi Annan nomeou-o assessor especial para a prevenção do genocídio, cargo que ocupou entre 2004 e 2007.

É professor convidado da American University (Washington) e tem ministrado cursos na Universidade Johns Hopkins, Oxford e Georgetown. Já ganhou inúmeros prêmios, distinções e homenagens na Europa e América.

Em novembro de 2010, foi nomeado relator especial da ONU sobre tortura.

O Relator Especial sobre Tortura das Nações Unidas faz parte de um mecanismo criado pelo Conselho dos Direitos Humanos (CDH) para tratar de temas especiais.

Ele usa três métodos de trabalho. O primeiro consiste em denúncias do público. O segundo, em visitar os países, mas depende de um convite do país em questão. Uma vez lá, fala com autoridades, representantes da sociedade civil e principalmente com as vítimas.

O terceiro método é pegar um item do mandato – casos em que existam lacunas nas leis existentes – desenvolvendo-o através de consultas com especialistas e pesquisas, propondo novos padrões internacionais.

Juan Méndez fez dois relatórios sobre isolamento e confinamento solitário, e outro sobre as comissões de inquérito em casos de tortura secreta.

Adaptação: Fernando Hirschy

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