Admissão provisória é um “não estatuto” que divide o mundo político
Na origem era pensada para garantir aos requerentes de asilo uma proteção a curto prazo, aguardando um repatriamento. Hoje a admissão provisória prolonga-se por décadas, mantendo pessoas na precariedade. Criticado por todos os partidos, esse “não estatuto” inflama o debate político.
Enquanto o verão não chegava, no início de junho o número de migrantes que desembarcava na costa italiana e grega já superava 100 mil. Um afluxo que atinge primeiro o país vizinho, mas também a Suíça, porta e caminho de acesso para o principal destino dos requerentes de asilo, a Europa do Norte.
Conforme estimativa da Secretaria Federal de Migração (SEM), até o final deste ano os pedidos de asilo deverão chegar a 29 mil, 6 mil a mais em relação a 2014. O sistema de acolho na Suíça enfrenta um desafio e os cantões são solicitados a ser mais solidários. Nos últimos meses, o debate que já duro ficou ainda mais acirrado.
Até porque cresce não somente o número de migrantes, mas também – e sobretudo – a porcentagem de candidatos que obtém o direito de permanecer na Suíça. Nem sempre como refugiados reconhecidos, mas como requerentes de asilo com pedidos rejeitados, mas que, no entanto, precisam de proteção. Um paradoxo? Não exatamente.
Refugiado ou provisório?
Na Suíça, o estatuto de refugiado é concedido em caso de perseguição grave e individual por parte de um Estado ou de entidade privada contra o qual o país não pode agir. A admissão provisória ocorre quando uma pessoa não tem direito de asilo, mas sua repatriação é considerada “irracional ou inadmissível”. As razões podem ser diversas: uma situação de violência generalizada, como por exemplo a Síria, um risco de perseguição e quando uma pessoa não tem acesso não tem acesso a tratamento médico indispensável.
Em fuga da guerra civil na Síria, da ditatura eritreia ou de uma Somália em abandono, os requerentes de asilo obtém o estatuto de refugiados unicamente quando são perseguidos individualmente, como estipula a Convenção de Genebra. Porém, quando o repatriamento coloca a pessoa em perigo de vida, é considerado não razoável ou inaceitável pelas convenções internacionais.
A Suíça, como outros países europeus, reconhece a necessidade de proteção de um certo número de requerentes de asilo, cujos pedidos foram rejeitados. A eles é atribuída uma “permissão F”, ou seja, uma admissão provisória que, nos últimos anos, é cada vez mais solicitada.
Criada em 1987, a “permissão F” era inicialmente pensada para garantir aos migrantes uma proteção a curto prazo, enquanto aguardava a repatriação. “Foi aplicado com sucesso no final dos anos1990 com os kosovares que, ao final da guerra na ex-Iugoslávia, muitos voltaram para seu país”, explica Etienne Piquet, professor na Universidade de Neuchâtel e vice-presidente da Comissão Federal de Migração. Hoje, estamos frente a conflitos cada vez mais complexos e longos, com uma tipologia diferente de migrantes.
Na maior parte dos casos, a pessoa é admitida a título provisório fica na Suíça por toda a vida, sem ter os instrumentos necessários para integrar-se na nossa sociedade, explica Piquet.
A diferença de outros países europeus, na Suíça a pessoa admitida a título provisório não goza dos mesmos direitos dos refugiados. O acesso ao mercado de trabalho, embora previsto em lei, tem o obstáculo do reconhecimento de diplomas, do fato de viver em um determinado cantão e da diferença de dados de trabalho para quem é “provisório”. Quem encontra um emprego, deve pagar 10% do salário para ajudar outros “provisórios” a não entrarem na assistência social que, em muitos cantões, é inferior à dos suíços, dos cidadãos europeus e dos refugiados.
“O atual sistema confina essas pessoas à margem da sociedade. A lei atual prevê a possibilidade de transformar a “permissão F” em permissão de estadia (B), depois de um mínimo de cinco anos. Mas os critérios são muito severos e em muitos cantões fala-se de independência financeira. A maior parte, porém, não encontra emprego e fica, durante anos, se não por décadas, em condição provisória”, afirma Denise Efionayi-Mäder, vice-diretora do Fórum Suíço pelo Estudo das Migrações e da População, em Neuchâtel.
No final de maio, 31 mil pessoas estavam registradas na Suíça com uma “permissão F”. Delas se sabe pouco ou nada, pelo menos até a publicação – em dezembro – de m primeiro estudo importante conduzido por Denise Efionayi-Mäder e Didier Ruedin, sob o mandato da Comissão Federal de Migração. “O que mais me impressionou é a idade dessas pessoas: uma média de 20 anos e, entre eles, muitas crianças, condenas a crescer em condições difíceis”.
O estudo revela que a duração de uma “permissão F”, antes de uma regularização (permissão de estadia) ou de uma repatriação varia bastante, mas com os anos tende a estender-se. Se a média é de três anos, metade dos atuais 31 mil “provisórios” Suíça pode esperar até 16 anos.
A incongruência dessa permissão foi destacada por vários partidos é tornou-se o centro do debate político. A direita, o Partido do Povo Suíço (SPV, direita conservadora) considera que a admissão provisória é dada com muita generosidade, em particular aos eritreus e tâmil, e que a repatriação deve ser sistemática. “A permissão F deve ser suprimida porque, na realidade, é uma permissão de estadia disfarçada. A quem terá realmente necessidade, garantiremos proteção, mas a Suíça é muito pequena para acolher todos. Além disso, estou convicto que a maioria quer voltar ao seu país”, afirma o deputado federal Heinz Brand, autor de uma iniciativa parlamentar para restringir o direito de asilo.
Favorecer a integração dessas pessoas é muito longo para Brand, que refuta o resultado do estudo da Universidade de Neuchâtel. “Não é emprego que falta a essa gente, mas a vontade de trabalhar. A assistência social é generosa demais e deve ser substituída pela ajuda de urgência”.
Ajuda de urgência
Durante vários anos, os requerentes de asilo que aguardam o exame de seu caso (2004) e os que aguardam uma ordem de expulsão (2008) são privados de assistência social. Porém, eles podem pedir uma ajuda de urgência com base no artigo 12 da Constituição Federal de 1998, que garante a toda pessoa em situação de necessidade o direito de uma assistência digna. A segunda ajuda de urgência é dos cantões e varia entre 6,50 a 12 francos por dia (distribuída na forma de bons) tem como objetivo estimular os migrantes a deixarem o território suíço.
Do lado oposto, a deputada federal socialista Cesla AmarelleLink externo denuncia uma instrumentalização do tema da admissão provisória. “O SVP fala de abusos, mas a porcentagem de pessoas com permissão F aumentou por causa dele. Com sua última revisão da lei em 2013, eles excluíram a deserção como motivo de asilo. Por isso é que muitos eritreus acabam em admissão provisória. Eles ficam na Suíça, mas em condições muito mais precárias”.
Para Cesla Amarelle está claro que na maior parte dos casos uma repatriação a curto prazo é impossível. O direito dessas pessoas deve ser ampliado e sua situação regularizada. “A vontade de repatriar todos pode ser justificada de um ponto de vista político, mas é impraticável. Nem mesmo Christoph Blocher [ex- ministro da Justiça e líder do SVP] conseguiu ir à Eritréia. Teve de parar na Etiópia. E agora quer repatriar os eritreus para um país com a pior ditatura do mundo? É um absurdo”.
Com base no estudo da Universidade de Neuchâtel, em dezembro a Comissão Federal de Migração propôs substituir a admissão provisória por um estatuto positivo de proteção, que garanta mais direitos a essas pessoas. Depois de prazo máximo de seis anos, haveria o acesso automático à permissão de estadia.
Para Piguet, vice-presidente da Comissão, não se trata de colocar no mesmo plano refugiados e pessoas admitidas a título provisório. Para os provisórios, a obrigação de repatriação deve permanecer.
A proposta não convence o SVP, segundo o qual uma tal medida “tornaria a Suíça ainda mais atrativa, criando um efeito boomerang”. É uma tese que não convence Etienne Piguet: “a promessa de uma permissão de estadia depois de seis anos não é um fator de atração suficiente. Além disso, diversos estudos demonstram que não são as condições de acolho que determinam que uma pessoa peça asilo em um país ou outro”.
O dossiê será discutido brevemente no Parlamento. A Comissão das Instituições Políticas da Câmara, presidida por Cesla Amarelle, pediu uma revisão do estatuto de admissão provisória. A resposta do governo suíço é esperada até o final do ano. A decisão final caberá ao novo Parlamento que será eleito em outubro.
Adaptação: Claudinê Gonçalves
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