Presidente da Confederação: “Vivi momentos brutais”
O ministro suíço do Interior já está há dez anos no poder. Em 2023 assume também o posto de presidente da Confederação Suíça pela segunda vez. Alain Berset faz uma retrospectiva dos seus momentos mais difíceis durante a pandemia de Covid-19, discute seu papel como chefe de Estado e revela quais serão seus pontos fortes no ano que começa.
swissinfo.ch: Como ministro mais longevo no Conselho Federal (n.r.: o corpo de sete ministros que governa o país em pé de igualdade), o Senhor foi responsável nos últimos dois anos pelo combate à pandemia de Covid-19. Nesta função, sofreu inúmeras críticas e teve até a vida pessoal amplamente tematizada pela mídia. Ainda sobra energia para governar?
Alain Berset: Eu sou o que tem a maior experiência nesta atividade, mas ainda sou o mais jovem no Conselho Federal. Portanto, tenho toda a energia para continuar no posto. É extremamente importante ter estabilidade, pois estamos passando por uma fase de instabilidade e o contexto internacional é turbulento. Minha experiência é uma grande força para lidar com esta situação.
swissinfo.ch: Estar no poder por mais de uma década é uma especificidade suíça. Nos países vizinhos, as mudanças são mais frequentes. Esta longevidade pode ser considerada positiva?
A.B.: Esta estabilidade é um dos grandes pontos fortes das nossas instituições. É também uma vantagem nos contatos com outros países, pois temos posições estáveis nos diferentes dossiês, nossas relações e como continuar o trabalho.
swissinfo.ch: Quais é o lema do seu ano presidencial?
A.B.: Sempre fui cauteloso com os slogans e não tenho um lema pronto. A experiência nos ensinou que cada ano traz suas próprias surpresas. Após a pandemia e com a situação de instabilidade vivida hoje, o papel de Presidente da Confederação é fortalecer a coesão social no país. Neste sentido, a luta contra as desigualdades e em prol da igualdade de acesso à saúde, educação e cultura tem estado no centro do meu pensamento desde que entrei para a política.
swissinfo.ch: O Senhor continuará a chefiar o Ministério do Interior. Entretanto, algumas pessoas em seu partido teriam gostado que você assumisse o Ministério das Relações Exterior. Foi sua escolha ou a maioria de direita no governo o obrigou a fazê-lo?
A.B.: Não vou revelar o conteúdo das discussões que temos nas reuniões do Conselho Federal, pois são confidenciais. O dever dos membros do governo é pensar em uma distribuição que permita que o país seja o mais forte possível. Isso é a única coisa que conta. Também considero um privilégio ser o ministro do Interior, pois é o órgão público que mais afeta a vida diária das pessoas.
swissinfo.ch: Como ministro do Interior a questão da previdência social é um dos seus dossiês. Após defender o projeto de reforma da AVS (seguro de velhice e sobrevivência) contra a posição do de seu partido (Partido Socialista), o Senhor conseguirá convencer os partidos da direita de apoiarem a reforma do segundo pilar?
A.B.: Pela primeira vez em quase 30 anos, conseguimos reformar a AHV e lhe dar uma estabilidade financeira. Foi uma importante mudança, porque é nosso seguro mais social. Quanto ao segundo pilar, conseguimos, juntamente com o Conselho Federal, reunir os parceiros sociais em torno de um projeto comum, que é favorável às mulheres e à população de baixa renda.
Ninguém contesta a necessidade de reforma do sistema previdenciário, mas devemos fazê-lo de tal forma que as pensões sejam garantidas. As pessoas contam francos e centavos no final do mês e não vivem de conceitos ou princípios. Mesmo que não seja fácil fazer passar essa reforma no Parlamento, teremos que apresentar um projeto que possa conquistar uma maioria de apoio.
swissinfo.ch: Durante a pandemia o Senhor foi alvo de muitas críticas e até ameaças. Chegou até mesmo a receber proteção policial. Houve momentos de desânimo ou vontade de desistir?
A.B.: Para ser honesto, sim. Passei por momentos de brutalidade sem precedentes na história das nossas instituições. Após ataques frontais de certos políticos, uma parte da população se sentiu legitimada a ir longe demais. Tive momentos de desânimo e cheguei a dizer a mim mesmo: “por que você está fazendo tudo isso?” Suportei essa situação graças ao apoio da minha excelente equipe e, afinal, pois se tratava de fazer o melhor para o país. Você não pode ser ministro apenas para inaugurar um prédio ou ser mestre de cerimônias. Nós também precisamos funcionar em tempos difíceis. Eu me senti apoiado por todo o governo. Durante este período, o Conselho Federal foi muito mais coeso do que as pessoas possam imaginar.
swissinfo.ch: Qual foi o momento mais difícil durante o período da pandemia de Covid-19?
A.B.: Eu tive durante esse período uma carga de trabalho que não conseguia imaginar ser possível. Além disso sofri pressões políticas a um nível que desconhecia até então. Mas tudo isso é administrável. O momento mais difícil foi quando nesse momento tenso um pequeno grupo de indivíduos isolados começou a fazer ameaças, algo que não pertence ao espírito suíço. Para ser honesto me surpreendeu muito. Não podemos esquecer que somos o único país do mundo em que a gestão da pandemia foi levada duas vezes a plebiscito e isso em plena crise pandêmica.
swissinfo.ch: A Covid-19 está agora sob controle, porém o país enfrenta agora outras crises: a crise climática, a crise energética, a guerra na Ucrânia e a inflação. Tornou-se normal governar em tempos de crise?
A.B.: Penso que sim, mesmo que não se possa dizer que antes da pandemia estava tudo bem e depois entramos em uma crise permanente. Já vivemos tempos mais difíceis no passado, mas as consequências para a sociedade foram diferentes do que ocorreu durante a pandemia. Por outro lado, a situação na Ucrânia se deteriorou seriamente já em 2014, embora a guerra que começou em fevereiro de 2022 tenha assumido dimensões alarmantes. Dito isto, estamos conscientes desta insegurança e estamos nos preparando.
swissinfo.ch: O sistema federalista é capaz de lidar com esta nova situação?
A.B.: Nosso sistema político é muito resiliente. Ele absorve choques e nos permite responder a estes. Podemos nem sempre reagir tão rapidamente quanto outros países, mas também vimos durante a crise pandêmica, que o federalismo não é um freio. Assim como vivemos durante o Covid-19, devemos agora aprender a usar o federalismo de uma maneira um pouco diferente, possivelmente com mais flexibilidade.
swissinfo.ch: A ameaça de uma escassez de energia é concreta hoje na Suíça. Estamos prontos para reagir à esta crise?
A.B.: O governo já tinha no radar a questão energética até mesmo antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Porém esperamos que os preços da energia se estabilizem em um patamar elevado. Por outro lado, o Conselho Federal, os cantões e as empresas envolvidas tomaram as medidas necessárias na área de abastecimento. Embora tenhamos que permanecer cautelosos e seguir as recomendações, acredito que podemos passar esse inverno sem preocupação.
swissinfo.ch: Porém mesmo se não faltar energia neste inverno, o problema não estará resolvido. Quais são as soluções a longo prazo para a questão energética?
A.B.: Muitos países gostariam de ter a mesma proporção de geração de energia hidrelétrica da Suíça. Nos últimos meses trabalhamos muito para garantir que as barragens estejam no nível máximo, o que normalmente nunca acontece nesta época do ano. É possível, portanto, administrar nossas reservas, mesmo que isso não seja ainda o suficiente.
A diversificação das fontes de energia é uma questão fundamental. A Suíça ainda tem trabalho a fazer na área de fontes renováveis de energia. A estratégia energética do Conselho Federal deve agora ser implementada. É também extremamente importante ter boas relações com os países vizinhos. Somos parte de uma rede global: o isolamento não é uma opção.
swissinfo.ch: Como presidente da Confederação Suíça, o Senhor também desempenhará um papel central nas negociações com a União Europeia em 2023. É possível que elas sejam retomadas depois que o acordo-quadro foi abandonado em maio de 2021?
A.B.: A Suíça tem um interesse essencial em uma relação estável e bem estruturada com a União Europeia. Temos mantido conversações com a Comissão há vários meses, o que mostra termos já algum progresso. O Conselho Federal terá agora que fazer um balanço dessas conversações e ver como elas podem ser continuadas.
swissinfo.ch: No contexto da guerra na Ucrânia, a neutralidade suíça está sendo muito criticada por outros países. Até agora, o Conselho Federal decidiu não mudar essa política. Por quê?
A.B.: Essa é nossa única opção! A Suíça é um país com uma tradição humanitária muito longeva. Seu papel nos conflitos internacionais tem sido estável, claro e bem identificado há muito tempo, o que é a nossa grande força. A Suíça é neutra, mas não indiferente! O conflito na Ucrânia nos lembrou disso.
swissinfo.ch: O Senhor visitou o Líbano como presidente da Confederação Suíça em 2018. Retornará ao país em 2023?
A.B.: O Líbano é um país caro ao meu coração por diferentes razões. Durante minha visita em 2018 visitei campos de refugiados ao norte do país. O Líbano, que tem uma população de cerca de quatro milhões de habitantes, abrigava na época mais de dois milhões de refugiados em uma área pouco maior do que a parte francófona da Suíça, algo que me impressionou bastante.
A explosão no porto de Beirute em 2020 destacou dificuldades ainda maiores no interior do país. Desde então acompanho a situação de perto. Ainda não planejei nenhuma viagem, mas naturalmente terei contatos com o Líbano no âmbito dos intercâmbios multilaterais.
Adaptação: Alexander Thoele
Biografia
Alain Berset foi eleito para o Conselho Federal em 2011 aos 39 anos de idade. O político foi assim um dos ministros mais jovens da história do país. Desde o início do seu mandato esteve à frente do Ministério do Interior, onde suas responsabilidades incluem as pastas de saúde, seguro social e cultura.
Nascido em Friburgo (no cantão do mesmo nome) em 1972, casado e com três filhos, estudou ciências políticas e econômicas na Universidade de Neuchâtel. Depois de trabalhar como pesquisador científico e consultor político, foi eleito para o Conselho dos Estados (Senado) em 2003, do qual se tornou presidente em 2009.
Alain Berset exerceu a presidência rotativa da Confederação pela primeira vez em 2018. Em 7 de dezembro foi eleito pela segunda vez pela Assembleia Federal (a soma das duas câmaras do Parlamento) para 2023. Recebeu 140 votos de 181.
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.