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Presidente da Confederação: “Vivi momentos brutais”

Alain Berset Portrait
Thomas Kern/swissinfo.ch

O ministro suíço do Interior já está há dez anos no poder. Em 2023 assume também o posto de presidente da Confederação Suíça pela segunda vez. Alain Berset faz uma retrospectiva dos seus momentos mais difíceis durante a pandemia de Covid-19, discute seu papel como chefe de Estado e revela quais serão seus pontos fortes no ano que começa.

swissinfo.ch: Como ministro mais longevo no Conselho Federal (n.r.: o corpo de sete ministros que governa o país em pé de igualdade), o Senhor foi responsável nos últimos dois anos pelo combate à pandemia de Covid-19. Nesta função, sofreu inúmeras críticas e teve até a vida pessoal amplamente tematizada pela mídia. Ainda sobra energia para governar?

Alain Berset: Eu sou o que tem a maior experiência nesta atividade, mas ainda sou o mais jovem no Conselho Federal. Portanto, tenho toda a energia para continuar no posto. É extremamente importante ter estabilidade, pois estamos passando por uma fase de instabilidade e o contexto internacional é turbulento. Minha experiência é uma grande força para lidar com esta situação.

swissinfo.ch: Estar no poder por mais de uma década é uma especificidade suíça. Nos países vizinhos, as mudanças são mais frequentes. Esta longevidade pode ser considerada positiva?

A.B.: Esta estabilidade é um dos grandes pontos fortes das nossas instituições. É também uma vantagem nos contatos com outros países, pois temos posições estáveis nos diferentes dossiês, nossas relações e como continuar o trabalho.

Alain Berset Interview 5
Thomas Kern/swissinfo.ch

swissinfo.ch: Quais é o lema do seu ano presidencial? 

A.B.: Sempre fui cauteloso com os slogans e não tenho um lema pronto. A experiência nos ensinou que cada ano traz suas próprias surpresas. Após a pandemia e com a situação de instabilidade vivida hoje, o papel de Presidente da Confederação é fortalecer a coesão social no país. Neste sentido, a luta contra as desigualdades e em prol da igualdade de acesso à saúde, educação e cultura tem estado no centro do meu pensamento desde que entrei para a política.

swissinfo.ch: O Senhor continuará a chefiar o Ministério do Interior. Entretanto, algumas pessoas em seu partido teriam gostado que você assumisse o Ministério das Relações Exterior. Foi sua escolha ou a maioria de direita no governo o obrigou a fazê-lo?

A.B.: Não vou revelar o conteúdo das discussões que temos nas reuniões do Conselho Federal, pois são confidenciais. O dever dos membros do governo é pensar em uma distribuição que permita que o país seja o mais forte possível. Isso é a única coisa que conta. Também considero um privilégio ser o ministro do Interior, pois é o órgão público que mais afeta a vida diária das pessoas.

swissinfo.ch: Como ministro do Interior a questão da previdência social é um dos seus dossiês. Após defender o projeto de reforma da AVS (seguro de velhice e sobrevivência) contra a posição do de seu partido (Partido Socialista), o Senhor conseguirá convencer os partidos da direita de apoiarem a reforma do segundo pilar?

A.B.: Pela primeira vez em quase 30 anos, conseguimos reformar a AHV e lhe dar uma estabilidade financeira. Foi uma importante mudança, porque é nosso seguro mais social. Quanto ao segundo pilar, conseguimos, juntamente com o Conselho Federal, reunir os parceiros sociais em torno de um projeto comum, que é favorável às mulheres e à população de baixa renda.

Ninguém contesta a necessidade de reforma do sistema previdenciário, mas devemos fazê-lo de tal forma que as pensões sejam garantidas. As pessoas contam francos e centavos no final do mês e não vivem de conceitos ou princípios. Mesmo que não seja fácil fazer passar essa reforma no Parlamento, teremos que apresentar um projeto que possa conquistar uma maioria de apoio.

Alain Berset Interview 1
Thomas Kern/swissinfo.ch

swissinfo.ch: Durante a pandemia o Senhor foi alvo de muitas críticas e até ameaças. Chegou até mesmo a receber proteção policial. Houve momentos de desânimo ou vontade de desistir?

A.B.: Para ser honesto, sim. Passei por momentos de brutalidade sem precedentes na história das nossas instituições. Após ataques frontais de certos políticos, uma parte da população se sentiu legitimada a ir longe demais. Tive momentos de desânimo e cheguei a dizer a mim mesmo: “por que você está fazendo tudo isso?” Suportei essa situação graças ao apoio da minha excelente equipe e, afinal, pois se tratava de fazer o melhor para o país. Você não pode ser ministro apenas para inaugurar um prédio ou ser mestre de cerimônias. Nós também precisamos funcionar em tempos difíceis. Eu me senti apoiado por todo o governo. Durante este período, o Conselho Federal foi muito mais coeso do que as pessoas possam imaginar.

swissinfo.ch: Qual foi o momento mais difícil durante o período da pandemia de Covid-19?

A.B.: Eu tive durante esse período uma carga de trabalho que não conseguia imaginar ser possível. Além disso sofri pressões políticas a um nível que desconhecia até então. Mas tudo isso é administrável. O momento mais difícil foi quando nesse momento tenso um pequeno grupo de indivíduos isolados começou a fazer ameaças, algo que não pertence ao espírito suíço. Para ser honesto me surpreendeu muito. Não podemos esquecer que somos o único país do mundo em que a gestão da pandemia foi levada duas vezes a plebiscito e isso em plena crise pandêmica.

swissinfo.ch: A Covid-19 está agora sob controle, porém o país enfrenta agora outras crises: a crise climática, a crise energética, a guerra na Ucrânia e a inflação. Tornou-se normal governar em tempos de crise?

A.B.: Penso que sim, mesmo que não se possa dizer que antes da pandemia estava tudo bem e depois entramos em uma crise permanente. Já vivemos tempos mais difíceis no passado, mas as consequências para a sociedade foram diferentes do que ocorreu durante a pandemia. Por outro lado, a situação na Ucrânia se deteriorou seriamente já em 2014, embora a guerra que começou em fevereiro de 2022 tenha assumido dimensões alarmantes. Dito isto, estamos conscientes desta insegurança e estamos nos preparando.

swissinfo.ch: O sistema federalista é capaz de lidar com esta nova situação?

A.B.: Nosso sistema político é muito resiliente. Ele absorve choques e nos permite responder a estes. Podemos nem sempre reagir tão rapidamente quanto outros países, mas também vimos durante a crise pandêmica, que o federalismo não é um freio. Assim como vivemos durante o Covid-19, devemos agora aprender a usar o federalismo de uma maneira um pouco diferente, possivelmente com mais flexibilidade.

Interview Berset 2
Thomas Kern/swissinfo.ch

swissinfo.ch: A ameaça de uma escassez de energia é concreta hoje na Suíça. Estamos prontos para reagir à esta crise?

A.B.: O governo já tinha no radar a questão energética até mesmo antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Porém esperamos que os preços da energia se estabilizem em um patamar elevado. Por outro lado, o Conselho Federal, os cantões e as empresas envolvidas tomaram as medidas necessárias na área de abastecimento. Embora tenhamos que permanecer cautelosos e seguir as recomendações, acredito que podemos passar esse inverno sem preocupação.

swissinfo.ch: Porém mesmo se não faltar energia neste inverno, o problema não estará resolvido. Quais são as soluções a longo prazo para a questão energética?

A.B.: Muitos países gostariam de ter a mesma proporção de geração de energia hidrelétrica da Suíça. Nos últimos meses trabalhamos muito para garantir que as barragens estejam no nível máximo, o que normalmente nunca acontece nesta época do ano. É possível, portanto, administrar nossas reservas, mesmo que isso não seja ainda o suficiente.

A diversificação das fontes de energia é uma questão fundamental. A Suíça ainda tem trabalho a fazer na área de fontes renováveis de energia. A estratégia energética do Conselho Federal deve agora ser implementada. É também extremamente importante ter boas relações com os países vizinhos. Somos parte de uma rede global: o isolamento não é uma opção.

Interview Berset 3
Thomas Kern/swissinfo.ch

swissinfo.ch: Como presidente da Confederação Suíça, o Senhor também desempenhará um papel central nas negociações com a União Europeia em 2023. É possível que elas sejam retomadas depois que o acordo-quadro foi abandonado em maio de 2021?

A.B.: A Suíça tem um interesse essencial em uma relação estável e bem estruturada com a União Europeia. Temos mantido conversações com a Comissão há vários meses, o que mostra termos já algum progresso. O Conselho Federal terá agora que fazer um balanço dessas conversações e ver como elas podem ser continuadas.

Alain Berset Interview 4
Thomas Kern/swissinfo.ch

swissinfo.ch: No contexto da guerra na Ucrânia, a neutralidade suíça está sendo muito criticada por outros países. Até agora, o Conselho Federal decidiu não mudar essa política. Por quê?

A.B.: Essa é nossa única opção! A Suíça é um país com uma tradição humanitária muito longeva. Seu papel nos conflitos internacionais tem sido estável, claro e bem identificado há muito tempo, o que é a nossa grande força. A Suíça é neutra, mas não indiferente! O conflito na Ucrânia nos lembrou disso.  

swissinfo.ch: O Senhor visitou o Líbano como presidente da Confederação Suíça em 2018. Retornará ao país em 2023?

A.B.: O Líbano é um país caro ao meu coração por diferentes razões. Durante minha visita em 2018 visitei campos de refugiados ao norte do país. O Líbano, que tem uma população de cerca de quatro milhões de habitantes, abrigava na época mais de dois milhões de refugiados em uma área pouco maior do que a parte francófona da Suíça, algo que me impressionou bastante.

A explosão no porto de Beirute em 2020 destacou dificuldades ainda maiores no interior do país. Desde então acompanho a situação de perto. Ainda não planejei nenhuma viagem, mas naturalmente terei contatos com o Líbano no âmbito dos intercâmbios multilaterais.

Adaptação: Alexander Thoele

Biografia

Alain Berset foi eleito para o Conselho Federal em 2011 aos 39 anos de idade. O político foi assim um dos ministros mais jovens da história do país. Desde o início do seu mandato esteve à frente do Ministério do Interior, onde suas responsabilidades incluem as pastas de saúde, seguro social e cultura.

Nascido em Friburgo (no cantão do mesmo nome) em 1972, casado e com três filhos, estudou ciências políticas e econômicas na Universidade de Neuchâtel. Depois de trabalhar como pesquisador científico e consultor político, foi eleito para o Conselho dos Estados (Senado) em 2003, do qual se tornou presidente em 2009.

Alain Berset exerceu a presidência rotativa da Confederação pela primeira vez em 2018. Em 7 de dezembro foi eleito pela segunda vez pela Assembleia Federal (a soma das duas câmaras do Parlamento) para 2023. Recebeu 140 votos de 181.

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