Armas russas contém eletrônica suíça
Componentes eletrônicos e tecnologia de ponta de empresas dos EUA, Suíça e outros países ocidentais foram encontrados em drones e mísseis utilizados pela Rússia na guerra na Ucrânia. Como chegaram lá?
Em agosto de 2022, um relatórioLink externo do Instituto de Serviços do Reino Unido (RUSI), um grupo de reflexão sobre questões ligadas à defesa, apresentou uma análise detalhada dos componentes e do funcionamento interno dos sistemas militares mais avançados da Rússia. Foram examinados mísseis de cruzeiro, sistemas de comunicação e sistemas eletrônicos de guerra que tinham sido capturados ou abatidos desde o início da guerra na Ucrânia.
Nos 27 sistemas que desmontou e analisou, a RUSI encontrou pelo menos 450 tipos diferentes de componentes fabricados no exterior. A maioria veio de empresas de produção nos EUA, mas o Japão, Taiwan, Coreia do Sul, Suíça, Países Baixos, Grã-Bretanha, França e Alemanha também puderam ser identificados como locais de origem.
A Rússia atacou a Ucrânia com drones iranianos. Alguns dos componentes desses drones também provêm de países terceiros ocidentais. Uma análise separada dos drones iranianos abatidos na Ucrânia, conduzida pelo grupo de investigação Conflict Armament Research (CAR) em novembro último, revelou mais de 500 diferentes componentes de alta tecnologia.
Os investigadores da CAR identificaram os fabricantes dos componentes do drone e os respectivos países de origem. Segundo a CAR, esses componentes vieram de 70 empresas de produção em 13 países diferentes; 82% das peças foram feitas por empresas sediadas nos Estados Unidos. Segundo a CAR, a maior parte dos componentes foi fabricada em 2020 e 2021, antes da Rússia invadir a Ucrânia.
Em janeiro de 2023, o canal CNN publicou uma avaliação do serviço de inteligência ucranianoLink externo. Segundo a reportagem, foram encontrados componentes eletrônicos em um drone abatido na Ucrânia no outono passado provenientes de mais de uma dúzia de empresas americanas. Outras peças tinham sido fabricadas no Canadá, Suíça, Japão, Taiwan e China.
Quais empresas suíças estão envolvidas?
De acordo com o estudo da RUSILink externo, a Suíça é o quarto maior produtor de componentes eletrônicos de alta tecnologia encontrados nos sistemas de armas russos examinados. Foi possível identificar um total de 18 componentes originários de empresas suíças.
O relatório nomeia as duas empresas “STMicroelectronics” e “u-blox”, que produzem, entre outras coisas, semicondutores e módulos para satélites de navegação global. A “u-blox” foi fundada em meados dos anos 90 como uma spin-off do Instituto Federal Suíço de Tecnologia (ETH), de Zurique, e cresceu até se tornar uma empresa multimilionária sediada em Thalwil, perto de Zurique, com mais de 1.000 empregados.
Segundo a RUSI, oito microcontroladores da empresa baseada em Genebra “STMicroelectronics” foram detectados em vários drones militares russos na Ucrânia. Além disso, foi encontrado um transistor de alta frequência em um aparelho de rádio e em componentes do sistema de navegação por satélite de um míssil de cruzeiro Kh-101.
Módulos da “u-blox” estavam no rastreador GPS e no sistema de navegação e posicionamento de um drone Orlan-10, bem como em um rádio. O relatório do serviço secreto ucraniano publicado pela CNN também mencionou componentes eletrônicos fabricados pela “u-blox”.
Em junho de 2022, o diário suíço Blick, citando o grupo de investigação CAR, informou que um módulo GPS feito pela “u-blox” havia sido encontrado em um drone Orlan-10, que caiu na região de Donetsk, na Ucrânia, em 2016.
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O que dizem os fabricantes suíços?
Em uma declaraçãoLink externo de 20 de dezembro de 2022, a “u-blox” condenou o uso de seus módulos do Sistema Global de Navegação por Satélite em drones militares russos. “Desde 2022, a política empresarial da “u-blox” tem sido a de que seus produtos não podem ser utilizados em armas – nem mesmo em sistemas de identificação de alvos”, disse o comunicado.
A empresa disse que interrompeu todas as vendas para a Rússia, Bielorrússia e territórios ocupados pela Rússia na Ucrânia imediatamente após a invasão russa em fevereiro de 2022.
Segundo a “u-blox”, o governo russo armazenou antecipadamente certos componentes, em antecipação da invasão militar. Esta pode ser uma das razões pelas quais componentes de fabricantes estrangeiros foram encontrados em drones russos fabricados após o início da guerra na Ucrânia. A empresa também disse que investigaria quaisquer violações e tomaria medidas legais, se necessário.
Seguindo as revelaçõesLink externo da imprensa suíça, a “STMicroelectronics” emitiu uma breve nota em dezembro de 2022: “Após a implementação de sanções e medidas de controle de exportação pela União Europeia, Estados Unidos e muitos outros países contra a Rússia e a Bielo-Rússia desde fevereiro de 2022, a empresa tomou as medidas necessárias para se conformar a este novo quadro”.
Qual é a posição da Secretaria de Estado para Assuntos Econômicos (Seco), responsável pelo controle das exportações suíças?
A leis suíças proíbem o fornecimento de armas a países em guerra. Existem também sanções internacionais contra a Rússia e o Irã: o comércio com esses países é, portanto, estritamente controlado.
A Seco explica, a pedido da swissinfo, que tem seguido de perto os relatórios sobre componentes ocidentais em armas e tem realizado verificações. “As empresas em questão têm sede na Suíça, mas produzem em países terceiros”, diz o porta-voz da Seco, Fabian Maienfisch.
Estes são produtos industriais produzidos em massa que não estão sujeitos a controles de dupla utilização (uso civil/militar) e estão livremente disponíveis no mercado mundial. De acordo com a Seco, as empresas não violaram a lei suíça.
Quais controles de exportação e sanções estão em vigor para resolver esse problema no futuro?
Em 4 de março de 2022, a Suíça seguiu a UE ao impor sanções rigorosas e restrições comerciais contra a Rússia relacionadas à guerra na Ucrânia. Foram impostas proibições a bens de dupla utilização, bens militares especiais e bens para fortalecimento militar e tecnológico ou para o desenvolvimento nos setores de defesa e segurança, incluindo os semicondutores, por exemplo.
Em novembro de 2022, a Suíça também decidiu adotar as sanções da UE relativas ao fornecimento de drones iranianos à Rússia. Dizem respeito a fornecedores e fabricantes desses drones, que foram empregados em ataques a infraestruturas civis na Ucrânia.
Embora os componentes suíços encontrados em armas russas e iranianas não sejam oficialmente considerados itens de uso duplo, sua exportação ou venda da Suíça para a Rússia foi proibida desde 4 de março de 2022, segundo a Seco. “Pode presumir-se que a Rússia e o Irã adquirem esses bens através de países terceiros. Compras assim, para fins militares ilegais, são frequentemente feitas por empresas de fachada”, disse um porta-voz.
Um dos maiores problemas é que muitas vezes não há ou há apenas controles insuficientes nos locais de produção no exterior. A lei suíça não se aplica neste caso.
O que os EUA e outros países estão fazendo?
O governo dos EUA acelerou medidas para impedir o Irã de ter acesso a componentes ocidentais necessários para fabricar drones, que, por sua vez, são vendidos à Rússia. “Estamos procurando maneiras de atingir a produção de UAV (veículos aéreos não tripulados) iranianos por meio de sanções, controles de exportação e discussões com empresas privadas cujos componentes foram utilizados na produção”, afirmou Adrienne Watson, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, ao New York Times no final de dezembro.
Segundo a reportagem do jornal, as forças norte-americanas também estão ajudando os militares ucranianos a localizar os locais usados para o lançamento de drones. Ao mesmo tempo, os EUA pretendem fornecer para breve novas tecnologias destinadas a alertar antecipadamente sobre a aproximação de enxames de drones e aumentar as chances da Ucrânia de derrubá-los.
Um porta-voz do Departamento de Comércio dos EUA disse à Reuters em dezembro que o acesso da Rússia a semicondutores tinha sido reduzido em quase 70% desde o início da invasão, graças às ações de uma coalizão de 38 nações. Mas, de acordo com uma reportagemLink externo da Reuters e da RUSI, também publicada em dezembro, as cadeias de fornecimento globais para a Rússia permaneceram intactas, apesar das restrições às exportações ocidentais e das proibições de venda.
Os registros alfandegários russos mostram que pelo menos 2,6 bilhões de dólares em computadores e outros componentes eletrônicos entraram na Rússia nos sete meses desde o início da guerra até 31 de outubro de 2022. Pelo menos 777 milhões de dólares desses produtos foram fabricados por empresas ocidentais cujos chips foram encontradosLink externo em sistemas de armas russos.
Edição: Sabrina Weiss
Adaptação: Karleno Bocarro
Übertragung aus dem Englischen: Gerhard Lob
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