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Cientista político suíço da USP fala das manifestações

Zurique teve ontem (20) a primeira manifestação de brasileiros na Suíça. Keystone

A classe política brasileira teima em não aceitar e muita gente não entende o porquê das manifestações. O cientista político suíço Rolf Rauschenbach, pesquisador do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (Nupps) da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP), esboça um caminho para a transformação de uma frustração generalizada em propostas concretas para a população.

Por outro lado, Zurique viveu na quinta-feira (20) a primeira manifestaçao de brasileiros na Suíça.

Muitas cidades brasileiras foram tomadas por manifestantes. O movimento emocionou o Brasil e o mundo, movimentou redes sociais que deram um baile na cobertura jornalística tradicional. Houve quem levantasse do sofá, agitasse a bandeira branca pedindo paz, pedindo a redução das tarifas de ônibus, mais segurança, educação, saúde e até o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A multidão impressionante mostra grande insatisfação, mas parece não ter objetivos claros. O cientista político suíço, é pós-doutorando e pesquisador do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (Nupps) da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP), mora há quatro anos em São Paulo e conta como interpreta os acontecimentos do momento e mostra o que poderia ser um caminho para a transformação de uma frustração generalizada em propostas concretas para a população.

swissinfo.ch: Quando as primeiras manifestações foram anunciadas, dava para imaginar a proporção que tomariam?

Rolf Rauschenbach – É comum que aconteçam protestos o tempo todo, porém com aglomerações menores. Para mim foi uma surpresa ver essa multidão reunida se manifestando. Na verdade eu torcia para que isso acontecesse porque são tantos problemas que eu não compreendia porque algo assim não havia ocorrido antes.

Keystone

swissinfo.ch: É possível que os brasileiros estejam deixando de ser passivos? Porque esse tipo de manifestação demorou tanto para acontecer?

R.R.: Nos últimos anos, o Brasil melhorou. Cada um ganhou alguma coisa. Houve um aumento do poder aquisitivo e mesmo com problemas como a poluição e o trânsito, por exemplo, o sufoco ainda não é geral. Mas ao mesmo tempo que as condições materiais estão melhorando, ainda há luta pela sobrevivência. Considerando os protestos, se 200 mil pessoas se manifestaram ainda é pouco para um país de 200 milhões de pessoas. O movimento pelas Diretas Já reuniu cerca de 1 milhão de pessoas. A acomodação até agora também se baseia na frustração e desconfiança da política, há uma ideia de que não se pode mudar nada.

Zurique viveu na quinta-feira (20) a primeira manifestaçao de brasileiros na Suíça, com a participação de aproximadamente 300 pessoas,segundo os organizadores. A manifestação ocorreu na Helvetiaplatz, no centro da cidade, e foi autorizada. Haviam cartazes similares aos do Brasil, muitas bandeiras e os manifestantes cantaram o hino nacional

swissinfo.ch: Você acredita que a Primavera Árabe teve uma influência nas manifestações no Brasil?

R. R.: Houve uma influência, sim. Mas não dá para identificar exatamente o porquê. Não é possível quantificar isso, mas é claro que ver as imagens da Primavera Árabe acabam sendo inspiradoras de alguma forma. As pessoas entendem que o protesto existe e pode funcionar, mas não entendem muito o que estão fazendo. Além disso, não quero ser pessimista mas o ambiente global político não é dos mais positivos. Isso gera frustração e desorientação.

O protesto é a maneira mais primitiva de demonstrar a frustração. Os intelectuais não gostam muito de comentar isto mas há um elemento lúdico nas manifestações. É uma vontade de aglutinar, um comportamento animal mesmo, até erótico. São forças muito potentes. Esse tema é tratado pelo filósofo Elias Canetti em Massa e Poder.

Ficha Limpa ou Lei Complementar nº. 135 de 2010 é uma legislação brasileira que foi emendada à Lei das Condições de Inelegibilidade ou Lei Complementar nº. 64 de 1990 originada de um projeto de lei de iniciativa popular idealizado pelo juiz Márlon Reis que reuniu cerca de 1,3 milhões de assinaturas com o objetivo de aumentar a idoneidade dos candidatos.

A lei torna inelegível por oito anos um candidato que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de órgão colegiado (com mais de um juiz), mesmo que ainda exista a possibilidade de recursos.

Fonte: Wikipedia

swissinfo.ch: O que se pode esperar daqui para frente com essa onda de protestos?

R. R.: Em geral os protestos são efêmeros e por definição não conseguem estabelecer um poder formal. Até agora houve sucesso ainda que superficial. O preço das tarifas de ônibus baixou em várias cidades. Mas há outras motivações maiores que os 20 centavos a menos no preço da passagem. Aí está a dificuldade. As melhorias em educação, saúde, segurança, transporte público são legítimas, mas não cabem em um protesto. Essa é a fase crítica do movimento. Todas essas áreas afetam nossas vidas e são interdependentes.

swissinfo: E agora? O que fazer com toda essa movimentação?

R. R.: O protesto tem uma natureza informal. É preciso transformar formalizar as reinvindicações. Em São Paulo a lei orgânica do Município exige a participação de 5% do eleitorado para criação de uma iniciativa popular e ainda precisa da aprovação da Câmara dos Vereadores. Esse número é muito alto.

Na Suíça, por exemplo, para lançar uma iniciativa popular é necessário que menos de 2% do eleitorado participe. Então, um próximo passo depois das manifestações seria, por meio da Iniciativa popular, tentar mudar a lei e baixar esses 5% e assim permitir a consulta da população de forma direta.

 Existe o questionamento sobre a legitimidade de uma manifestação com 100 mil pessoas. Uma maneira de contornar essa questão é fazer uma consulta popular, propor referendos e plebiscitos para formalizar as reivindicações. É muito fácil falar de 20 centavos.

swissinfo.ch: O Brasil já passou por algumas consultas populares. Como você avalia essas iniciativas?

R. R.: – Fazer uma consulta popular é fácil. Difícil é organizar um processo político. É um trabalho que depende também da boa vontade da elite política. Temos de lembrar que a iniciativa da Ficha Limpa mobilizou 1,3 milhão de brasileiros. No Pará, em 2011, norte do Brasil, houve um plebiscito para a criação de novos estados. A proposta foi rejeitada. Houve falhas no processo de informação, além do desafio logístico complicado.

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