Plataforma de Genebra ajuda refugiados climáticos em todo o mundo
A Plataforma sobre Deslocamento de Desastres baseada em Genebra é uma das organizações que trabalham na complexa questão dos refugiados climáticos, um dos maiores desafios humanitários deste século.
De acordo com o Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC), também com sede em Genebra, estima-se que a elevação do nível do mar associada a um aumento da temperatura mundial de 2°C poderia submergir a pátria de 280 milhões de pessoas até o final deste século.
Atualmente, muitos países e regiões são afetados por desastres ano após ano. Só em 2018, 17,2 milhões de pessoas foram obrigadas a abandonar suas casas devido a desastres em 148 países e territórios e 764.000 pessoas na Somália, Afeganistão e vários outros países foram deslocadas após a seca.
“Temos uma boa compreensão geral da escala do problema em termos do número de pessoas que foram forçadas a deixar suas casas por causa de desastres repentinos. Mas não sabemos quantas dessas pessoas realmente atravessam as fronteiras”, explica Walter Kälin, da Plataforma sobre Deslocamento de DesastresLink externo, o programa de acompanhamento da Iniciativa NansenLink externo.
Esse processo intergovernamental, lançado em 2012 pela Suíça e pela Noruega, visava fornecer aos Estados uma “caixa de ferramentas” sobre como se preparar para a migração forçada devido aos graves efeitos da mudança climática.
Caso Ioane Teitiota
Em 21 de janeiro, o Comitê de Direitos Humanos da ONU publicou uma decisãoLink externo não vinculativa para Ioane Teitiota, da ilha de Kiribati, que apresentou um caso contra a Nova Zelândia em 2016, após as autoridades negarem seu pedido de asilo como refugiado climático.
Teitiota migrou para a Nova Zelândia em 2007 e solicitou o status de refugiado depois que seu visto expirou em 2010. Ele alegou que os efeitos das mudanças climáticas e a elevação do nível do mar o forçaram a migrar. Ele foi deportado de volta para Kiribati em setembro de 2015.
O comitê apoiou a decisão da Nova Zelândia de deportar Teitiota, dizendo que no seu caso ele não enfrentava um risco imediato se retornasse, mas concordou que a degradação ambiental e as mudanças climáticas são algumas das ameaças mais urgentes ao direito à vida.
“Sem esforços nacionais e internacionais robustos, os efeitos das mudanças climáticas nos Estados receptores podem expor os indivíduos a uma violação de seus direitos”, disse o comitê. Isso desencadearia obrigações de não-expulsão que proíbem um país de mandar de volta os requerentes de asilo a um país no qual eles provavelmente estariam em perigo.
O problema dos refugiados climáticos – como o caso de Ioane Teitiota, da ilha de Kiribati, no Pacífico Sul (ver caixa ao lado) – chama a atenção e suas histórias ressoam facilmente, refletindo a dos refugiados em conflito.
No entanto, o tema é extremamente complexo, dizem os especialistas. A convenção relativa ao estatuto dos refugiados, assinada em 1951, não prevê a mudança climática como motivo para as pessoas fugirem de seu país e procurarem asilo em outro lugar. A migração climática é, na sua maioria, interna. Não é necessariamente forçada, e isolar fatores ambientais ou climáticos é difícil.
“O deslocamento de desastres é realmente uma questão transversal”, explica Kälin. “Tem a ver com mudanças climáticas, desastres, migração, ação humanitária e ajuda ao desenvolvimento… e, na maioria dos casos, o deslocamento é multicausal”.
Múltiplos atores
Lançada em maio de 2016, a Plataforma sobre Deslocação por DesastresLink externo é apenas uma iniciativa internacional que tenta ajudar pessoas vulneráveis. O projeto inclui 19 países, entre eles a Suíça, e visa proporcionar “maior proteção às pessoas deslocadas através das fronteiras no contexto de catástrofes e dos efeitos adversos das mudanças climáticas”.
Outras organizações com sede em Genebra são muito ativas nesta área, como a Organização Internacional para as Migrações (OIM), que criou um portal de migração ambientalLink externo, e a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNURLink externo). Após as negociações sobre o clima em Paris em 2015, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCC) também criou uma força-tarefa especial sobre deslocamentoLink externo. Entretanto, o Centro de Monitorização de Deslocados Internos (IDMCLink externo, na sigla em inglês) é um organismo internacional líder na monitorização de deslocados internos relacionados com conflitos e desastres em todo o mundo.
Em comparação com 2012, quando a Iniciativa Nansen foi lançada, há agora um interesse muito maior e um reconhecimento generalizado do deslocamento por desastres como um desafio de proteção na comunidade internacional, disse Kälin.
Ele aponta para a inclusão do deslocamento de desastres no Quadro Sendai para a Redução do Risco de DesastresLink externo e nos objetivos do Pacto Global sobre a MigraçãoLink externo.
Por enquanto, esse aumento do foco e a multiplicação de iniciativas e atores não tem realmente levado a nenhuma duplicação ou concorrência, disse Etienne PiguetLink externo, professor da Universidade de Neuchâtel e especialista em política migratória.
“As pessoas envolvidas nas diferentes iniciativas se conhecem e compartilham informações”. A longo prazo esperamos que haja mais clareza sobre quem está fazendo o quê, mas o aumento do número de atores é positivo”, disse.
Kälin concorda: “Não é perfeito. Quero dizer, os silos são silos. Você sabe como é difícil superar e ligar os silos. Mas acho que estamos no caminho certo a um nível muito abstrato. O grande desafio é traduzir todo este trabalho abstrato em realidades.”
Ao contrário da OIM ou do Escritório da ONU para a Redução do Risco de Desastres (UNDRR), a Plataforma não é uma organização operacional, mas concentra-se na advocacia política, explica Kälin.
A sua estratégia atual também envolve ajudar os países a trocar as melhores práticas para melhor lidar com as pessoas deslocadas por desastres através das fronteiras e fortalecer as capacidades nacionais e regionais. Programas regionais foram introduzidos na América Central, América do Sul e Fiji, por exemplo, e trabalham em conjunto com a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD), um bloco de oito países na África Oriental.
“Pode parecer que nada é produzido mas nós precisamos deste tipo de instituição para permitir o diálogo entre parceiros”, disse Piguet.
Política suíça
A Suíça está preocupada com a questão das pessoas desalojadas por desastres e mudanças climáticas. Após ajudar a lançar a Iniciativa Nansen, a Suíça continua sendo um membro ativo do Grupo Diretor da Plataforma. Desde 2016, o país doa 1,1 milhão de francos por ano para a organização, que emprega seis funcionários.
No mesmo campo, o Ministério das Relações Exteriores suíço também financia a Parceria Global do Conhecimento sobre Migração e Desenvolvimento (KNOMADLink externo), com sede em Washington, e tem uma parceria estratégica com a IGAD com o objetivo de melhorar a gestão de migrantes e refugiados afetados por desastres naturais e mudanças climáticas no Chifre da África.
Piguet disse que a Suíça esteve muito envolvida em numerosas organizações neste campo, incluindo a OIM e o ACNUR.
Mas ele critica que a Suíça tenha ratificado o Pacto Global sobre RefugiadosLink externo sem adotar o Pacto Global paralelo para Migração, que ele ajudou a moldar e que tem como foco o deslocamento causado por desastres.
“É prejudicial para a Suíça, pois ela não foi totalmente compreendida por toda uma série de parceiros”, disse Piguet. “Foi muito mal lançado e é lamentável”. Mas acho que ainda podemos corrigir as coisas”.
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Por que precisamos do Pacto Global para Migração?
Adaptação: Fernando Hirschy
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