Como os partidos populistas moldam a opinião sobre os trabalhadores fronteiriços
Na Suíça, a aceitação de trabalhadores fronteiriços pela população residente varia de cantão para cantão. De acordo com um novo estudo, os partidos nacionalistas e populistas, como a Lega no Ticino, desempenham um importante papel no aumento da hostilidade.
Em setembro de 2020, a população suíça foi convidada a dar sua opinião sobre uma iniciativa “por uma imigração moderadaLink externo”. O texto, apresentado pelo Partido Popular Suíço (UDC/SVP), de direita conservadora e anti-imigração, colocou em questão os acordos de livre circulação entre a Suíça e os países da União Europeia (UE).
Embora a iniciativa tenha sido finalmente rejeitada por mais de 60% dos votos totais, ela recebeu uma recepção mista nos cantões onde a mão-de-obra transfronteiriça é mais amplamente utilizada. Os piores resultados foram alcançados nos cantões de Basileia-Cidade (quase 75% de ‘não’), Vaud (71%) e Genebra (69%). E o Ticino, por sua vez, deu à iniciativa um de seus melhores resultados (53% de ‘sim’).
No outono de 2020, inspirados por essa votação, dois cientistas políticos ticinenses da Universidade de Lausanne (UNIL), Andrea PilottiLink externo e Oscar MazzoleniLink externo, criaram um projeto de pesquisa sobre a politização das fronteiras e seu impacto na opinião dos suíços. As principais conclusões* foram apresentadas em 12 de julho na UNIL, como parte de um evento do grupo de pesquisa LABOR SwissLuxLink externo sobre emprego, mobilidade e identidade transfronteiriça, que contou com a presença da SWI swissinfo.ch.
Cooperação na Basileia, hostilidade no Ticino
Uma pesquisa de opinião realizada nos cantões de Genebra, do Ticino e nos dois meio-cantões da Basileia (Basileia-Cidade e Basileia-Campo) serviu de base para o trabalho dos pesquisadores. A população do cantão de língua italiana se mostrou sistematicamente mais crítica em relação à abertura das fronteiras. Os habitantes da Basileia parecem ser majoritariamente entusiastas da situação, enquanto Genebra fica dividida entre as duas posições.
Os três cantões fronteiriços foram escolhidos como estudos de caso porque apresentam diferenças econômicas, políticas e institucionais, observa Andrea Pilotti. “A diversidade do caso suíço oferece uma amostra das diferentes maneiras que se pode abordar o tema da cooperação transfronteiriça na Europa”, destaca.
Seja na Suíça ou em outro lugar da Europa, é possível esquematizar duas reações à transformação das fronteiras, duas formas de lidar com a proximidade com o estrangeiro: um modelo “cooperativo”, no qual os atores entram em acordos transfronteiriços; e um modelo “conflituoso”, ligado ao euroceticismo e caracterizado pela presença duradoura de atores políticos extremamente críticos da abertura das fronteiras.
A Basileia aparece, portanto, como um exemplo de modelo cooperativo, enquanto o Ticino adota claramente uma abordagem conflituosa. O cantão de Genebra, por outro lado, é mais um modelo híbrido.
Esses posicionamentos divergentes são reflexo de um conjunto de fatores que alimentam uns aos outros, ressalta Pilotti. “A história e as escolhas passadas dos atores de cada território contribuem para moldar a opinião.” Por exemplo, a região da Basileia mostrou sua vontade de apostar na colaboração transfronteiriça ainda nos anos 60. No cantão de Genebra, a cooperação foi institucionalizada no início dos anos 70. No Ticino, por outro lado, ela é muito mais recente, tendo existido apenas desde 1995.
O cantão de língua italiana também é mais vulnerável em termos socioeconômicos. “É um cantão periférico em vários aspectos – linguística, geográfica e economicamente”, destaca Pilotti. “Nele, os salários são mais baixos do que em outros lugares na Suíça, a economia é mais fraca e historicamente focada numa indústria de baixo valor agregado.” O Ticino também tem a maior proporção de trabalhadores fronteiriços no total da força de trabalho, enquanto a Basileia tem a menor.
Pilotti explica que, embora existam fatores mais ou menos favoráveis ao surgimento de um discurso contra trabalhadores fronteiriços, “o papel dos movimentos nacional-populistas no aumento do sentimento contra esses trabalhadores não é secundário”. Onde esses grupos se mobilizam de forma contínua e bem-sucedida, a população se torna mais crítica em relação ao trabalho e à cooperação fronteiriça.
“Os nossos” e “os outros”
O estudo considera como “nacional-populistas” o Movimento Cidadão de Genebra (MCG), a Lega dei Ticinesi (Liga dos Ticinenses) e o UDC/SVP. “O que esses movimentos têm em comum é que eles defendem uma distinção entre ‘os nossos’ e ‘os outros’”, define o cientista político.
No Ticino, onde a hostilidade é mais acentuada, a politização da questão fronteiriça também está muito mais enraizada do que em outros lugares. A Lega foi fundada em 1991, ou seja, quatro anos antes de a cooperação transfronteiriça ter sido institucionalizada. “E antes mesmo de ser fundado, o movimento já publicava seu jornal semanal gratuito no domingo, Il Mattino della Domenica”, relemebra Pilotti. “Na época, ele era o jornal de maior circulação, que martelava incessantemente um discurso anti-italiano e antieuropeu.” A Lega, apoiada pelo UDC/SVP, alimentou a controvérsia, por exemplo, com uma campanha que comparava trabalhadores fronteiriços a ratos que comiam o queijo dos suíços.
Essa forte mobilização possibilitou que a Lega ultrapassasse o PLR (direita liberal), que era a principal força política, e se tornasse um ator crucial na política cantonal. “Houve uma guinada ao seu favor no início dos anos 2000”, diz Pilotti. “No que diz respeito a questões fronteiriças, o padrão de voto no Ticino, antes muito mais alinhado ao padrão de outros cantões latinos, se tornou mais semelhante ao dos cantões do centro da Suíça.” Com dois dos cinco assentos no Conselho de Estado (o governo cantonal) ocupados pela Lega, o Ticino é agora o cantão onde o partido contra trabalhadores fronteiriços é o mais forte.
Genebra, o “caso híbrido”, apresenta semelhanças, mas também diferenças significativas em relação ao Ticino. É o cantão onde o crescimento da mão-de-obra fronteiriça é mais forte, e sua participação na população ativa também é alta. Como no Ticino, o debate político foi promovido por um partido, o MCG, que se posicionou claramente contra os trabalhadores fronteiriços, utilizando slogans como “Genebra e os Genebrinos primeiro” e “Trabalhadores fronteiriços: parem!”. O partido era a segunda maior força política do cantão no início da década de 2010. O presidente do Conselho de Estado (o governo cantonal), Mauro Poggia, vem do MCG e conseguiu que fosse adotada uma medida emblemática: a preferência cantonal nas contratações.
Apesar disso, a população de Genebra tende a votar majoritariamente contra todos os textos que visam restringir a imigração e a abertura das fronteiras. Por que o discurso contra trabalhadores fronteiriços não encontra tanta ressonância em Genebra quanto no Ticino? O MCG foi fundado em 2005, portanto não existe há tanto tempo quanto a Lega, analisa Pilotti. “O MCG se inseriu num terreno menos favorável à implementação dessas ideias, porque o cantão já era aberto e orientado internacionalmente”, observa o pesquisador. “O MCG teve alguns sucessos, mas eles foram bastante contingentes. O próprio Mauro Poggia é menos subversivo do que outras figuras do partido.”
No caso da Basileia, exemplo de cooperação positiva e duradoura entre a população residente e os trabalhadores fronteiriços, o estudo conclui que reinvindicações nacional-populistas para o fechamento ou o aumento do controle das fronteiras são quase inexistentes e, de qualquer forma, não afetam as pautas políticas.
* Os resultados serão publicados numa obra coletiva sobre a Suíça, intitulada Nacional-populismo e trabalhadores fronteiriços, a ser publicada no final do ano.
O número de trabalhadores fronteiriços domiciliados na França e ativos na Suíça poderia dobrar até 2032, chegando a 300.000 pessoas. Essa é a conclusão da terceira edição do Observatoire des frontaliersLink externo, publicado no final de junho.
O estudo também traça o perfil dos trabalhadores fronteiriços: trata-se majoritariamente de homens (70%), com 40 anos ou mais. Eles trabalham principalmente no setor privado. Os setores mais populares são saúde (13%), relojoaria (12%) e construção (11%), seguidos pelo comércio (9%) e serviços financeiros (5%). Dois em cada três trabalhadores fronteiriços trabalham na Suíça há mais de dez anos.
Adaptação: Clarice Dominguez
(Edição: Fernando Hirschy)
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