Como podemos enfrentar futuras ameaças à saúde?
Segundo pesquisadores do Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais (HEI) em Genebra, as diretrizes do ‘direito internacional sobre desastres’ têm contribuições valiosas para negociações e tratados relacionados às pandemias globais.
Pesquisadores e entidades do setor de saúde já estão pensando sobre estratégias de prevenção e mitigação para a próxima crise sanitária global – ainda que o mundo permaneça engajado na resposta à atual pandemia da Covid-19. Uma possível “próxima pandemia” foi o tema de um encontro entre diplomatas, em uma sessão especial da Assembleia Mundial da Saúde em Genebra, que ocorreu entre o final de novembro e o início de dezembro. Durante o encontro, a principal questão colocada na mesa foi: é necessário desenvolver um tratado pandêmico ou criar outro instrumento legal?
A atual pandemia ensinou muitoLink externo, mas a próxima crise sanitária pode não seguir o mesmo roteiro que testemunhamos nos últimos dois anos. A próxima pandemia pode ser causada por um patógeno diferente, por exemplo, ou acontecer em um mundo muito diferente.
Nesse sentido, o ‘direito internacional sobre desastres’ pode ser muito valioso, já que contém lições particularmente relevantes para se pensar sobre as ameaças que pairam na interseção entre saúde e mudanças climáticas. Partindo da incerteza sobre os desastres futuros, o ‘direito internacional sobre desastres’ reúne os protocolos e práticas amplamente reconhecidos na área de prevenção e resposta a situações de calamidade. Resumidamente, é um conjunto de normas pensadas para lidar com uma ampla variedade de perigos e contextos – promovidas no mundo especialmente pela Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.
Com as mudanças climáticas transformando cada vez mais os padrões de interação entre humanos, animais e o ambiente natural, cresce a necessidade de uma abordagem flexível e abrangente para nos prepararmos para ameaças futuras. E, claro, em um contexto no qual é importante considerar a possibilidade de múltiplos cenários e diferentes trajetórias. O aprendizado com os fracassos anteriores – como as falhas na resposta à atual pandemia – deve nos dar a certeza de que não devemos travar as batalhas de amanhã usando as armas de ontem.
Por definição, os desastres podem ter várias causas: podem ser naturais ou provocados pela humanidade; podem ser resultados de acidentes ou de negligência. O pensamento em termos de leis internacionais de desastres está, portanto, aberto para reconhecer a incerteza das ameaças futuras. Adotar a incerteza dentro de nossa forma de pensar é particularmente relevante agora, visto que enfrentamos cada vez mais as perturbações provocadas pelas mudanças climáticas.
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Os efeitos das mudança no clima
No Quênia, por exemplo, a escassez de água forçou os agricultores a trocar as vacas por camelos, o único animal que pode sobreviver a períodos severos de seca. Pensando nas emissões de gases estufa, isso poderia soar como uma notícia bem-vinda: uma pesquisa na Universidade de Zurique demonstrouLink externo que os camelos emitem menos metano do que as vacas e ovelhas. No entanto, os camelos também podem ser portadores de MERS, uma doença respiratória viral que pode se espalhar entre humanos.
As mudanças nas condições climáticas e a globalização também podem tornar novos lugares habitáveis para diferentes espécies. Os morcegos portadores do ebola podem se mudar para novas áreas em busca de habitats quentes e úmidos. Cientistas que trabalham na base naval de Guantánamo também descobriram uma espécie de mosquito perigoso que pode transmitir ZikaLink externo, Dengue ou febre amarela. Novo na ilha, ele provavelmente viajou para lá em contêineres.
As mudanças climáticas também podem afetar a própria infraestrutura com a qual contamos para nos prepararmos para emergências de saúde pública. O aumento do nível do mar e as anomalias climáticas – como o aumento da atividade de tempestades e furacões – podem causar danos às estradas, cabos de energia e hospitais, tornando mais difícil se preparar para uma emergência e fornecer ajuda quando necessário.
Embora os fatos descritos acima possam parecer aleatórios à primeira vista, eles exemplificam a complexidade da relação entre a saúde pública e as mudanças climáticas, além da incerteza sobre a natureza das ameaças futuras. É por isso que argumentamos que uma abordagem multirriscos é necessária para tratar com eficácia os diferentes tipos de crises.
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Abraçando a incerteza
As leis internacionais sobre desastres partem de uma maneira de pensar que tem como ponto de partida a incerteza e uma abordagem de riscos múltiplos, deixando a definição de ‘desastres’ relativamente aberta. As diretrizes do guia sobre desastres e ajuda emergencial do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho definem desastre como “uma séria interrupção do funcionamento da sociedade, que representa uma ameaça significativa e generalizada à vida humana, à saúde, à propriedade ou ao meio ambiente”.
O Covid-19 demonstrou a importância das questões socioeconômicas ao lidar com uma pandemia. A crise sanitária global revelou as desigualdades sistêmicas entre e dentro de nossas sociedades, visto que afetou desproporcionalmente países de baixa e média renda e minorias em países de alta renda.
O direito internacional sobre desastres reconhece que estratégias eficazes de redução de risco estão interligadas com o desenvolvimento sustentável. Por exemplo, a Convenção Quadro para redução de risco de desastres de Sendai, endossada pela ONU, afirma a necessidade de proteger os meios de subsistência, os bens socioeconômicos e naturais junto com a saúde. O documento apela por uma abordagem multirrisco no tratamento da “vulnerabilidade e exposição de pessoas e bens”, defendendo a proteção dos direitos humanos, “incluindo o direito ao desenvolvimento”.
A declaração de Sendai reconhece que mais ações são necessárias para lidar com os “fatores subjacentes de risco de desastres, como as consequências da pobreza, desigualdade, mudanças climáticas, urbanização rápida e não planejada, má gestão da terra e fatores combinados, como mudanças demográficas”.
O documento sublinha que uma resposta eficaz à crise depende da capacidade dos países afetados, que pode ser reforçada por meio da cooperação internacional. O apoio pode ser em forma de investimento em pesquisa científica, transferência de tecnologia e compartilhamento de dados, além de boas práticas. A disponibilidade de materiais e tecnologias protegidas por leis de propriedade intelectual podem ser essenciais para garantir a preparação e resposta eficazes para crises futuras.
A próxima pandemia
A próxima crise de saúde pode muito bem ser uma pandemia semelhante à de Covid, que pode ser enfrentada revendo o cenário atual e corrigindo erros econômicos, políticos, científicos e de governança que foram cometidos. No entanto, a próxima crise pode vir de outro patógeno que se espalhe e afete a saúde de maneiras diferentes – pode não ser transportado pelo ar, pode afetar gravemente as crianças, pode ter afinidade com adultos jovens saudáveis em vez de pessoas com doenças subjacentes. Pode, inclusive, não ser possível encontrar uma vacina para o próximo patógeno – como ocorre com a pandemia do HIV, que até hoje espera por uma vacina eficaz.
Considerando que não sabemos como a próxima emergência de saúde em grande escala vai se desenrolar, é necessário assumirmos uma abordagem abrangente e multirriscos. Acreditamos que as normas do direito internacional sobre desastres podem oferecer embasamento para as negociações de um possível tratado pandêmico.
As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente da autora e não refletem necessariamente a posição da SWI swissinfo.ch.
Adaptação: Clarissa Levy
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